J.J.Camargo
É cirurgião torácico e
chefe do Setor de Transplantes de Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre RS
Uma das experiências mais
dramáticas da vida é descobrir-se mortal.
O encanto efervescente da
juventude bloqueia qualquer possibilidade de percepção da nossa finitude porque,
empolgados demais e introspectivos de menos, nem suspeitamos que a vida pode não
ser sempre a maravilha que idealizamos, e convenientemente rechaçamos todas as
possibilidades de sofrimento, ou no máximo as entendemos como ameaças remotas e
invariavelmente endereçadas aos outros.
Por isso não há expressão
de pavor mais irretocável do que o olhar do jovem que saiu de casa flamante,e
tendo sofrido um acidente , é transportado para uma unidade do pronto
socorro.Todas as sirenes que o acompanharam pelo caminho serviram muito para
incendiar sua angústia e jogá-lo num turbilhão de sentimentos fragmentados, onde
perplexidade, medo e incerteza se alimentam e se multiplicam.
Por outro lado , a percepção da gravidade de um trauma servero gera nos médicos uma
ansiedade natural,que muitas vezes lhes retira a noção do quando um comentário
trivial entre eles pode ser emocionalmente catastrófico , ou uma palavra doce
pode ser tranquilizadora e inesquecível.
Quem tem experiência em
urgências sabe o quanto a perspectiva de sucesso no atendimento passa pela
definição imediata das prioridades nem sempre previstas pelos manuais das
prioridades nem sempre previstas pelos manuais internacionais de urgência e
trauma.
Certamente por isso,todas
as atenções e olhares estão dirigidos para os ferimentos e as medidas de
preservação da vida ameaçada.Quando expliquei a um jovem acidentado com fraturas
múltiplas o que estávamos fazendo, ele simplesmente pediu : " depois de terminar
o exame,você pode olhar um pouco para mim ?" Percebi então que não eram os ossos
fraturados que lhe provocavam mais dor.
Um dia desses,ao visitar um
amigo de 60 anos que operou com sucesso um tumor, perguntou-lhe como tinha sido
a experiência, e ele respondeu : " Foi horrível ,acabei de descobrir que eu
posso morrer ! "
Essa surpresa foi maior
porque ele, saudável e extremamente ativo,não tivera tempo de provar o cansaço
biológico, que muda completamente a relação do indivíduo com a possibilidade da
morte.
Os mais velhos,acostumados
com o convívio e a proximidade, passam a pensar nela com uma naturalidade que
espantaria o nosso jovem acidentado,ou o meu amigo querido que estreava nessas
complicadas andanças entre os sinuosos modelos de felicidade que idealizamos, eo
fogo amigo do imprevisto.
Os carros modernos já têm
sinalizador de para- choques ,enquanto nós, os seres inteligentes,continuamos
desprotegidamente quebrando a cara em obstáculos inesperados.
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