sábado, 4 de maio de 2013

" As inevitáveis descobertas "

J.J.Camargo

É cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes de Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre RS



Uma das experiências mais dramáticas da vida é descobrir-se mortal.

O encanto efervescente da juventude bloqueia qualquer possibilidade de percepção da nossa finitude porque, empolgados demais e introspectivos de menos, nem suspeitamos que a vida pode não ser sempre a maravilha que idealizamos, e convenientemente rechaçamos todas as possibilidades de sofrimento, ou no máximo as entendemos como ameaças remotas e invariavelmente endereçadas aos outros.



Por isso não há expressão de pavor mais irretocável do que o olhar do jovem que saiu de casa flamante,e tendo sofrido um acidente , é transportado para uma unidade do pronto socorro.Todas as sirenes que o acompanharam pelo caminho serviram muito para incendiar sua angústia e jogá-lo num turbilhão de sentimentos fragmentados, onde perplexidade, medo e incerteza se alimentam e se multiplicam.

Por outro lado , a percepção da gravidade de um trauma servero gera nos médicos uma ansiedade natural,que muitas vezes lhes retira a noção do quando um comentário trivial entre eles pode ser emocionalmente catastrófico , ou uma palavra doce pode ser tranquilizadora e inesquecível.


Quem tem experiência em urgências sabe o quanto a perspectiva de sucesso no atendimento passa pela definição imediata das prioridades nem sempre previstas pelos manuais das prioridades nem sempre previstas pelos manuais internacionais de urgência e trauma.


Certamente por isso,todas as atenções e olhares estão dirigidos para os ferimentos e as medidas de preservação da vida ameaçada.Quando expliquei a um jovem acidentado com fraturas múltiplas o que estávamos fazendo, ele simplesmente pediu : " depois de terminar o exame,você pode olhar um pouco para mim ?" Percebi então que não eram os ossos fraturados que lhe provocavam mais dor.


Um dia desses,ao visitar um amigo de 60 anos que operou com sucesso um tumor, perguntou-lhe como tinha sido a experiência, e ele respondeu : " Foi horrível ,acabei de descobrir que eu posso morrer ! "

Essa surpresa foi maior porque ele, saudável e extremamente ativo,não tivera tempo de provar o cansaço biológico, que muda completamente a relação do indivíduo com a possibilidade da morte.

Os mais velhos,acostumados com o convívio e a proximidade, passam a pensar nela com uma naturalidade que espantaria o nosso jovem acidentado,ou o meu amigo querido que estreava nessas complicadas andanças entre os sinuosos modelos de felicidade que idealizamos, eo fogo amigo do imprevisto.

Os carros modernos já têm sinalizador de para- choques ,enquanto nós, os seres inteligentes,continuamos desprotegidamente quebrando a cara em obstáculos inesperados.


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