sábado, 4 de maio de 2013

" As cabeças e os chapéus "

 


SÉRGIO DA COSTA FRANCO*

Divirto-me em ler as inscrições com que pretensos revolucionários sujam as paredes da cidade, lambuzam a pintura das casas, depredam monumentos públicos. Nada se extrai delas, nem mesmo originalidade. Lá está, emporcalhando a parede do Viaduto Otávio Rocha o dito superadíssimo de Mao Tse-tung: "O imperialismo é um tigre de papel". Nem foi preciso transcorrer um século para os comunistas chineses descobrirem que o imperialismo podia ser um bom parceiro e com ele se associassem nas mais diversas empresas, e até achassem formas de enriquecer pessoalmente, em tranquila sociedade com os imperialistas.
De maneira geral, os "slogans" dos pichadores expressam apenas ignorância, agressividade e desinformação, como aquele que há algum tempo atrás aparecia em muros da Cidade Baixa, talvez para provocar os homens da Farsul, que tem sua sede ali pela Rua Sarmento Leite: "Abaixo o agronegócio". Os autores seriam talvez partidários do retorno à agricultura de mera subsistência, condenando a comercialização de produtos agrícolas. Uns gênios incompreendidos.
Mas a recente campanha contra o aumento das passagens de ônibus em Porto Alegre também gerou algumas pérolas. Em parede da Avenida João Pessoa, alguém escreveu com todas as letras: "Passe livre, já!". E, ao lado, bem desenhado, o clássico símbolo do anarquismo: a letra "A" enquadrada num círculo. Ora, o passe livre nos transportes coletivos só seria possível num sistema de completa intervenção estatal na economia, algo absolutamente incompatível com as ideias do anarquismo. Numa sociedade anarquista, aliás inconciliável com a vida e a tecnologia modernas, o transporte coletivo talvez fosse atividade atribuída ao sindicato dos motoristas e condutores, que naturalmente deveriam viver dos respectivos rendimentos. O "passe livre" supõe estatização, palavra odiada pelo falecido ideal anarquista ou anarco-sindicalista.
O episódio me fez relembrar uma velha crônica de Machado de Assis a propósito de "socialismo", quando escreveu que "as ideias diferem dos chapéus, ou que os chapéus entram na cabeça mais facilmente que as ideias". Tudo a propósito de tranquilizar os cariocas preocupados com a realização de uma reunião dita "socialista", em 1892, no salão de um "Partido Operário". Com a sua arguta visão, Machado alertava que denominações (os chapéus) pouco significam, quando as cabeças ainda não assimilaram as ideias. Pois argumentava que é "a cabeça que entra nos chapéus, e que a necessidade das coisas é que traz as coisas", não bastando ser batizado para ser cristão.
                                                   *Historiador
 

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