O Sono da Razão Produz Monstros (1799), obra admirável de Francisco de Goya (1746-1828), pintor espanhol, produzida, no final do século 18, num contexto de conflitos políticos, sociais e militares na Europa, é um apelo pelo iluminismo e uma crítica aos sectarismos, de qualquer ordem, não importa a origem e o horizonte ideológico. Em suma, uma opção pelo projeto civilizatório.
É verdade que a política constitui-se como um cenário de diferenças, de conflitos, de contraposições, de lutas. Mas há de se entender também que a política se qualifica ou deve se qualificar pela superação da pura e simples violência, física ou simbólica.
Por isso mesmo, deve se desenvolver no leito e nos limites de regras e de procedimentos consensual e legitimamente construídos, portanto democráticos. Antes de tudo, as regras constitucionais e legais, mas também as regras sociais e morais da sociedade em questão. Sob pena de substituirmos o projeto civilizatório pela barbárie.
Quem examina a conjuntura nacional com isenção, deve antes de tudo positivamente admirar-se com a capacidade criativa da sociedade e o fortalecimento, importante e necessário, de instituições de fiscalização e de responsabilização como, entre outras, a Polícia Federal, o Ministério Público, o Poder Judiciário. Isso é avanço institucional e democrático, sem dúvida, que merece ser saudado. Há eventual ou inevitavelmente traumatismos, que, de qualquer forma, fazem parte do processo.
O momento que vivemos revela- se então como oportunidade histórica de repensarmos, reavaliarmos e redirecionarmos nossas práticas políticas. De, finalmente, democratizarmos nossa democracia, na perspectiva de um contrato social mais consensual e legítimo.
Observamos, entretanto, que por vezes os ânimos tendem a se acirrar além dos limites da razoabilidade, o adversário se transformando finalmente em inimigo, perdendo-se com isso a capacidade do diálogo, em detrimento do avanço institucional e político. O surpreendente nisso tudo é o fato de grande parte da intelectualidade, que, em princípio, deveria ser um referencial de racionalidade, deixar-se tomar completamente pelas paixões do momento. Nesse contexto geral, realmente o sono da razão pode produzir monstros.
Professor titular de Direito Constitucional da UFRGS e da FMP*
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