Embora a maior crise política em mais de 20 anos no Brasil tenha minado o mandato de Dilma Rousseff, o impacto global dos acontecimentos do último mês no país é modesto.
Desde que deixamos de ser conhecidos pelo binômio Carnaval-futebol para nos tornarmos o “B” do bloco emergente conhecido como Brics, é lugar comum cotejar a realidade brasileira com as vicissitudes de Rússia, China, Índia e África do Sul. Em todos esses países, a fraca recuperação mundial após a Grande Recessão de 2007-2009 provocou distintas combinações de apagão produtivo e curto-circuito político.
Por isso, há pouca surpresa com o que acontece do lado de cá do Atlântico.
Dos dois componentes da crise brasileira, o que inspira maiores cuidados no Exterior é a economia. Ao lado da Rússia, o país tem sido citado com frequência como responsável por frear a recuperação global. Segundo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgado na quarta-feira, a necessidade das maiores empresas brasileiras de incrementar provisões para arcar com juros de dívidas provocou queda de lucros e redução de liquidez.
A perspectiva de que o Brasil complete em 2017 três anos de recessão é vista com consternação, mas a lenta recuperação dos Estados Unidos, o marasmo da economia japonesa e as dificuldades da Rússia são tidos como mais graves.
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Eleita em 2010, Dilma alcançou certa projeção como “segunda mulher mais poderosa do mundo” (depois da chanceler alemã, Angela Merkel, também em dificuldades em razão das tensões europeias e da crise de refugiados). Em 2013, a revista Foreign Policy incluiu-a na sua prestigiosa lista anual dos Cem Pensadores Globais por “confrontar Washington e seus espiões”. Referia-se ao episódio de arapongagem internacional revelado por Edward Snowden no chamado escândalo WikiLeaks – a presidente tinha sido um dos alvos de monitoramento do sistema Prism, do governo americano. Dilma, que havia recebido o presidente dos EUA, Barack Obama, em 2011, adiou por um ano uma visita a Washington em repúdio à bisbilhotice. Nas relações bilaterais, porém, pouco mudou. Obama continuou tão desinteressado pelo Brasil como antes.
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Em seus pouco mais de cinco anos na Presidência, Dilma não exibiu nada próximo do apetite de seu padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva, pelo ativismo diplomático. A atrapalhada fuga do senador boliviano Roger Pinto, de La Paz a Brasília, a bordo de um carro ao lado de um diplomata brasileiro custou o cargo a Antônio Patriota, primeiro chanceler da presidente. Ele foi substituído por Mauro Vieira, ainda mais discreto.
Talvez num reflexo do perfil internacionalmente apagado de seu governo, a solidariedade colhida nas últimas semanas foi protocolar e difusa.
O apoio mais vigoroso, embora de eficácia duvidosa, veio do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o uruguaio Luis Almagro, que estranhou a inexistência de “certezas jurídicas” contra a presidente.
Ao longo do domingo, brasileiros reuniram-se em manifestações a favor e contra o governo Dilma em Berlim, Paris, Estocolmo e outras cidades. Em nenhum dos casos os presentes passaram de algumas dezenas. Nenhum protesto atraiu atenção similar à que foi dada aos atos realizados em março no Exterior.
Na imprensa americana e europeia, suspeitas de corrupção contra parlamentares que decidiram o destino de Dilma mereceram referência. “Dilma é acusada no Brasil por parlamentares enfrentando seus próprios escândalos”, afirmou o jornal The New York Times na quinta-feira. “O aspecto que mais chama a atenção (...) é que grande parte dos políticos (...) deveria estar em uma situação tão ou mais complicada”, disse ontem a Agence France Presse.
Mesmo nesse terreno, porém, o Brasil está longe de ser exceção. Suspeitas de enriquecimento ilícito, desvios de verbas públicas e falsidade ideológica tornaram-se correntes tanto nas democracias emergentes quanto nas consolidadas.
Na África do Sul, o parlamento rejeitou no início do mês um processo de impeachment contra o presidente Jacob Zuma por ter supostamente usado US$ 16 milhões do Tesouro para reformar a própria casa.
O escândalo dos Papéis do Panamá chamuscou a imagem de 12 líderes mundiais, incluindo o presidente argentino, Mauricio Macri, que responde perante a Justiça pela participação não declarada ao Fisco em três empresas em paraísos fiscais. Pelo menos um governante envolvido foi obrigado a renunciar – o premier da Islândia, Sigmundur Gunnlaugsson. No Brasil, a tradição é oposta: suspeitos de corrupção encontram em cargos de primeiro escalão e mandatos parlamentares um porto seguro para escapar da prisão.
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