quarta-feira, 13 de abril de 2016

" O PT só se lembrou dos movimentos sociais na hora de apagar incêncios... "


O escritor Carlos Alberto Libânio Christo, conhecido como Frei Betto
 diz Frei Betto

 O escritor Carlos Alberto Libânio Christo, conhecido como Frei Betto Frei Betto foi um dos primeiros nomes de destaque dos governos do PT. 

Escolhido para coordenar a Mobilização Social do programa Fome Zero, um dos pilares sociais do partido desde 2003, o escritor ocupou o cargo de assessor especial do ex-presidente Lula entre 2003 e 2004. O religioso, porém, durou pouco no governo. Já em 2004, insatisfeito com as alianças feitas entre partido e mercado financeiro, afastou-se.

 Desde então, tornou-se um crítico das Presidências de Lula e Dilma, cobrando uma maior pauta social nos governos petistas. Em entrevista por e-mail ao UOL, Frei Betto diz que o PT precisa "fazer uma séria autocrítica" e "tentar recuperar seus três capitais simbólicos perdidos": a classe trabalhadora, a ética e as reformas estruturais.



 Ao longo de 13 anos de governo, o PT só se lembrou dos movimentos sociais, que lhe deram origem,  na hora de apagar incêndios Para Frei Betto, é fundamental que as manifestações populares que eclodem pelo Brasil desde 2013 apresentem também propostas. Segundo ele, o volume de críticas sem uma contrapartida política pode criar um perigoso vácuo de poder. 


"Sem proposta alternativa ao que está aí, fundada em programa consistente de reformas estruturais, o Brasil não tem futuro, exceto o risco de passar do Estado de Direito para o 'Estado da direita'", avalia. Mesmo diante das críticas que faz ao segundo governo de Dilma Rousseff, Frei Betto é contrário à renúncia da presidente ou à proposta de novas eleições – para ele, "se [o PT] aceitar antecipar novas eleições estará, de fato, renunciando". "Qualquer interrupção do mandato da presidente é golpe branco, como já ocorreu em Honduras e Paraguai

. E, se o governo não completar seu mandato até 2018, abriremos um precedente que favorecerá, em mandatos futuros, permanente instabilidade política", afirmou. UOL - O ex-presidente Lula pode assumir a vaga de ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma. Como o senhor vê este fato? Acha que ele funciona como uma espécie de "salvador da pátria", podendo reverter o quadro pró-impeachment? Frei Betto - Não penso que Lula foi chamado em função da possibilidade de impeachment.


 O governo Dilma está sem rumo e Lula, devido ao êxito de seus dois mandatos, foi convocado para tentar salvá-lo. Por outro lado, como tem muita habilidade política e de negociação - o que falta a Dilma - sem dúvida ele já contribui para evitar o impeachment. 


Ainda que não lhe permitam virar ministro, ele passa a ser, de fato, o primeiro-ministro... Diante das opções cogitadas pela oposição ao governo Dilma, como impeachment, renúncia e novas eleições, o que o senhor avalia como o mais provável? 

Qual o impacto disso na situação política do Brasil até 2018? Entre as vozes das ruas e as das urnas, fico com as últimas. Embora crítico do governo Dilma, sobretudo pelo excessivo ônus do ajuste fiscal sobre o segmento mais pobre da população, julgo que qualquer interrupção do mandato da presidente é golpe branco, como já ocorreu em Honduras [com Manuel Zelaya, em 2009] e Paraguai [Fernando Lugo, em 2012].

 E, se o governo não completar seu mandato até 2018, abriremos um precedente que favorecerá, em mandatos futuros, permanente instabilidade política. O senador Aécio Neves considerou "utópica" essa ideia de novas eleições. Dilma chegou a dizer que precisaria primeiro convencer o Congresso. 


O senhor acha a proposta factível? Dilma diz e repete que não renuncia. Ora, se aceitar antecipar novas eleições estará, de fato, renunciando. E isso significará um reconhecimento público, por parte do PT, de que ele fracassou na condução deste país. 

O governo tem ainda dois anos e oito meses pela frente. Se o PT fizesse autocrítica e redefinisse os rumos do governo, implementando reformas estruturais que sempre prometeu e nunca realizou, o mandato da Dilma e a como ganhar dinheiro credibilidade do partido ainda teriam esperança de recuperação. O senador Cristovam Buarque defende que seria bom para o PT voltar a ser oposição. 

O senhor também acredita nesta avaliação? Desde que Caim matou Abel, ninguém quer largar o osso do poder. 

Vide o PMDB: consegue a proeza de manter um pé no governo e o outro na oposição... Assim, tenta garantir o presente e o futuro. O PT só voltará à oposição se assim exigirem as urnas. 

A imagem do PT com o eleitorado sofreu um considerável desgaste diante dos escândalos mais recentes. O senhor imagina a possibilidade de uma recuperação do partido? Às vezes tenho a impressão de que a ficha do estrago até agora não caiu para o PT. Seus dirigentes presos, são culpados ou inocentes na opinião do partido? A política econômica do governo é de Dilma ou do partido? Como sugerem Tarso Genro e Olívio Dutra, o PT precisa, urgentemente, fazer uma séria autocrítica. E tentar recuperar seus três capitais simbólicos perdidos: ser o partido de organização da classe trabalhadora, ser o partido da ética e ser o partido das reformas estruturais do Brasil. Fora disso, o PT estará condenado a integrar a geleia geral da estrutura partidária brasileira. O PMDB apoiou oficialmente o governo federal por 13 anos, antes de anunciar seu rompimento neste ano. Como o senhor vê o futuro do partido? O PMDB é o único partido com futuro garantido nessa institucionalidade política viciada por fisiologismo, nepotismo e corrupção. Se ficar, o bicho toma posse; se correr, assume o poder...

 Enquanto não houver uma séria reforma política, o PMDB será o grande fiel da balança desse circo chamado Congresso Nacional brasileiro. Eduardo Knapp/Folhapress Frei Betto e Lula, em missa celebrada por Dom Claudio Hummes  na cidade de São Bernardo do Campo (2004)   A esperada 'guinada à esquerda' do PT ainda é alcançável? Ainda é possível uma conciliação do partido com uma pauta mais ligada a movimentos sociais? Julgo que é muito difícil. 

Ao longo de 13 anos de governo, o PT só se lembrou dos movimentos sociais - que lhe deram origem - na hora de apagar incêndios. Não valorizou os movimentos sociais como valorizou os empresários; pouquíssimo fez em defesa da reforma agrária, dos povos indígenas e dos quilombolas; mantém uma carga tributária altamente prejudicial ao consumidor pobre; constrói Belo Monte e outras hidrelétricas sem respeitar as populações locais, sobretudo indígenas e ribeirinhos; aprovou um Código Florestal vergonhoso para um país que fala em preservação ambiental etc. Enfim, o PT no governo agarrou o violino com a esquerda e tocou com a direita... Embora eu considere os dois primeiros mandatos de Lula e o primeiro de Dilma os melhores de nossa história republicana.   

Diante de um processo de impeachment e tantos escândalos de corrupção, qual o caminho para a esquerda brasileira se viabilizar numa próxima eleição? Que esquerda? Cadê o trabalho de base, a formação de novos militantes, o projeto histórico? Milhões de brasileiros, desde 2013, ocupam as ruas para fazer protestos, e não para trazer propostas!

 Sem proposta alternativa ao que está aí, fundada em programa consistente de reformas estruturais, o Brasil não tem futuro, exceto o risco de passar do Estado de Direito para o Estado da direita. Se Dilma conseguir evitar o impeachment, como governar com uma base tão fragilizada? Vejo apenas uma saída: fazer o que fez Evo Morales na Bolívia, que hoje conta com o apoio do Congresso, da população e do mercado; apoiar-se em seus pilares de origem, os movimentos sociais.

 Fora disso, temo que queira recompor sua base política à base da receita tradicional do "toma lá, dá cá" - e não faltarão deputados federais e senadores que, no dia seguinte à reprovação da proposta de impeachment, estarão na fila do beija-mão na porta do Planalto.





 ---------------- Reportagem por  Emanuel Colombari Do UOL, em São Paulo 10/04/2016 Fonte:  http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/04/10/se-dilma-antecipar-eleicoes-estara-renunciando-diz-frei-betto.htm

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