segunda-feira, 19 de março de 2012





Aderbal Torres de Amorim*

O Estado não é confessional

A Constituição estabelece que o Estado é laico. Ele é não confessional. Assim, se de um lado a liberdade religiosa é garantia constitucional, de outro o Estado não pode privilegiar essa ou aquela religião. Ora, é próprio das externalidades alegóricas de qualquer ideia sua representação através de símbolos e, sempre que um símbolo religioso for exposto onde quer que seja, algum significado há de ter.

Para dizer o menos, pelo viés prático, não há espaço nas repartições públicas para se acolherem as mais de 2 mil religiões existentes no Brasil. Por isso, do ponto de vista jurídico – além da vedação constitucional –, a única forma de não contrariar a igualdade é mesmo impedir a exibição de qualquer representação religiosa: se não cabem todas, não pode caber uma que seja. E isso não materializa qualquer desrespeito a esse ou àquele credo; significa respeito à Constituição.

Ao argumento de que a retirada de crucifixos de salas públicas representa a ressurreição dos “regimes mais abomináveis que existiram”, responde-se com o fundamentalismo religioso da “Santa” Inquisição, por exemplo. Instituída pela Bula de Sixto IV – e a pedido dos reis católicos Isabel de Castilha e Fernando de Aragão –, justificava a atuação do “Santo Ofício” na Espanha do século 15.

Prevista para “reprimir a heresia sem exageros”, legitimava os horrores da crueldade nas matanças precedidas de indizíveis suplícios dos que não adotavam o credo religioso dos governos dominantes. Religião e Estado aliavam-se no combate aos descrentes.

A laicidade do Estado moderno é dogma da liberdade e condição da paz social. Na luta religiosa, abriga-se o deletério fanatismo e a abjeta cegueira que, com frequência, levam os “rebanhos de fiéis” ao cometimento das mais desvairadas atrocidades. Não faz muito, os Bálcãs foram palco do genocídio provocado pelo fundamentalismo que separava católicos e muçulmanos. Montanhas de cadáveres eram trucidadas nas máquinas de moer carne e serviam de adubo à terra em transe.

Espancamentos, estupros e outras monstruosidades eram praticados em nome da religião que há séculos separa aqueles povos. E o que dizer do êxodo dos armênios frente ao poderio turco, em que a religião era a causa daquele gigantesco genocídio? E o morticínio fratricida entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, até hoje não pacificada plenamente? E os assassinatos ordenados por Cromwell na Escócia e na Irlanda, “em nome de Deus”?

Por tudo, e assumindo o risco panglossiano da ousada ideia, que os sinais religiosos circunscrevam-se aos templos – igrejas, sinagogas, congás, mesquitas – e, enfim, possa o cidadão livremente expor suas ideias sem medo da discriminação religiosa que aos povos tanto amedronta.

O mundo viverá melhor.

*Professor da Escola Superior da Magistratura – Ajuris

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