sábado, 17 de dezembro de 2011

igualmente,nos países avançados as relações humanas se pautam por regras complexas.




O desafio da complexidade

"O grande diferencial, para pior, da América Latina é haver sido colonizada por sociedades tecnologicamente muito atrasadas"

Na Nova Inglaterra, as coleções de ferramentas antigas exibem muitas dezenas de machados diferentes. Há um para cada tarefa. É espantosa sua variedade. No Brasil, os primeiros colonizadores portugueses trouxeram um só machado.

É o mesmo e único que persiste até hoje. Aos nossos velhos carapinas e marceneiros não faltavam habilidades e criatividade de fato, nosso mobiliário colonial é mais belo do que o correspondente americano. Mas suas caixas de ferramentas eram pobres. Havia pouca variedade e pouca especialização.

Para garantir seu suprimento de vitamina C, os colonos da Nova Inglaterra cultivavam acima de 1.000 variedades de maçãs que amadureciam em momentos diferentes. Algumas se conservavam no inverno.

Outras eram melhores para doce ou sidra. Em contraste, nossos caboclos cultivavam menos espécies de milho e mandioca do que os índios locais. Ou seja, nesse particular, dominavam uma tecnologia encolhida.


Um carpinteiro de ascendência alemã, no Vale do Itajaí, construía suas casas com uma estrutura de peças sólidas de madeira, depois preenchida com tijolos ou barro.

Aliás, era a mesma técnica construtiva (enxaimel) da tradição portuguesa. Mas havia uma diferença. O carpinteiro alemão lavrava (e marcava) no solo todas as peças e todos os encaixes.

Ao estarem todas as peças prontas, a casa era erguida. Na tradição portuguesa, as peças iam sendo lavradas e ajustadas uma a uma, no lugar em que entravam. O método alemão é mais eficiente, pois todo o trabalho é feito no plano.

Contudo, requer uma concepção prévia de toda a casa. Ou seja, ela está pronta na idéia antes de se iniciar a construção. O outro método é mais simples, mas ineficiente.

Perguntarão os leitores, já impacientes, aonde quero chegar com essa conversa. Desde Adam Smith, centenas de economistas tentam explicar o progresso, o crescimento ou sua ausência. Permito-me, imodestamente, propor minha própria teoria apresentada aqui de forma excessivamente lacônica.

Nos seus termos mais singelos, ela diz o seguinte: tem maiores chances de se desenvolver economicamente quem lida melhor com a complexidade. Terão poucas chances aquelas sociedades em que cada um lida com poucos elementos. O desenvolvimento requer abraçar a complexidade, principalmente nas dimensões que afetam direta ou indiretamente o processo produtivo.

Vai mais longe quem usa maior variedade de meios de produção (ferramentas, máquinas). Igualmente, quem produz maior variedade de produtos. Nas sociedades desenvolvidas, o tempo é organizado de forma mais complexa. Mais ainda, tais sociedades estão sempre preocupadas com problemas e obstáculos que estão mais à frente no tempo. Em vez de resolver as crises do presente, resolvem-se as do futuro, para que não cheguem a ocorrer.

Em uma recepção de hotel, em sociedades avançadas, muitos problemas foram antecipados e evitados ou sua solução foi codificada em procedimentos-padrão. Ademais, a cabeça do funcionário foi preparada para lidar simultaneamente com um número grande de problemas. Já em hotel de lugar pobre, o funcionário se confunde, se esquece, se afoba e os problemas não resolvidos vão se multiplicando.





Igualmente, nos países avançados as relações humanas se pautam por regras complexas, impessoais e estruturadas. Além disso, são regras diferentes para regular momentos e funções diferentes da vida, com claras distinções entre família, organizações e Estado.

No fundo, a mensagem é que o desenvolvimento virá mais espontaneamente para aquelas sociedades que melhor lidam com os aspectos da complexidade que afetam a produção, pois o processo é cada vez mais complexo.

O grande diferencial, para pior, da América Latina é haver sido colonizada por sociedades tecnologicamente muito atrasadas apesar de terem complexidade e vantagens em outras áreas.

Não sei bem aonde levará minha teoria. Mas, se herdamos uma cultura incapaz de lidar com a complexidade, temos de mudar, sobretudo, aprendendo com quem sabe. E certamente o ponto de partida é uma educação de qualidade.

Claudio de Moura Castro é economista

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