quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018


Autoridade de menos

 - EDSON JOSÉ RAMON

GAZETA DO POVO - PR - 01/02

O país que promete igualdade de oportunidade para todos é cada vez mais desigual em razão da avassaladora ignorância intelectual de sua gente

Inegavelmente o mundo vive tempos de mudanças rápidas, e por vezes radicais. Mudanças causadas pelo avanço da tecnologia são as mais percebidas e rapidamente incorporadas pela sociedade. Neste caso, o exemplo mais vigoroso é o surgimento dos smartphones, usados freneticamente por todos, com efeito avassalador na alteração do comportamento das pessoas.

Mas há uma mudança silenciosa que se prenuncia no seio da sociedade, e que se desenvolve em nome dos direitos individuais e da liberdade de expressão, do politicamente correto e da autonomia das pessoas. Refiro-me à falta de respeito, ao descompromisso com o convívio social, à falta de educação das pessoas, com absoluto desprezo pelas regras. Este comportamento ganha corpo e se avoluma no seio da sociedade brasileira, sem que ninguém saiba onde poderá desaguar.

Ele começa ingenuamente em casa, com pais que não impõem sua autoridade sobre filhos e deixam de estabelecer limites. Quem ainda não assistiu a cenas lamentáveis de crianças de tenra idade confrontando seus pais quando algo lhes é negado? É frequente ver crianças protagonizando espetáculos deploráveis por receber um simples não – e, pior, sem receber qualquer reprimenda.

O Brasil pede socorro, que só pode vir na forma de regras mais rígidas, no respeito à hierarquia, às instituições, aos mais velhos, às leis e regulamentos 

Essa perda de autoridade vai de casa para a escola. Professores de ensino fundamental e médio relatam histórias impressionantes de alunos desobedientes que não compreendem por que devem se submeter a regras banais de salas de aula, como ficar sentado, não utilizar celular, prestar atenção, não conversar e respeitar o professor. Nas redes pública e privada, há professores que simplesmente desistem de ministrar aulas, tamanha a desatenção e bagunça dos alunos, limitando-se a passar o conteúdo no quadro e tentando explicá-lo para os poucos que se interessam pela matéria.

Já está estabelecido por regramento formal que o aluno não pode ser admoestado com vigor e nem punido, o que dá aos bagunceiros carta branca para barbarizar. A velha e boa suspensão dos tempos antigos, ou a expulsão nos casos mais agudos, não existem mais. Aos poucos se extingue também a reprovação, o que logo permitirá que alunos saiam semialfabetizados, mesmo depois de vários anos na escola. No Paraná, os diretores de escolas públicas são escolhidos pela comunidade escolar, predominantemente pelos alunos. E quem eles escolhem? Os mais tolerantes, amigos dos alunos.

A pergunta é: qual o futuro dessa geração? A resposta é uma só, e já estamos assistindo aos resultados dessa barbárie. Menos cidadãos felizes, bem resolvidos e produtivos; em contraponto, infelicidade, mão de obra sem qualificação, salários menores e aumento da criminalidade, além da “morte” da língua portuguesa, com predomínio da linguagem coloquial inculta e absoluta falta de conjugação dos verbos, onde a primeira, segunda e terceira pessoas do plural são substituídas pelo indefectível “a gente”, singularizando todos os verbos pronunciados posteriormente. “E assim a gente vai levando. É nóis!”

O país que promete igualdade de oportunidade para todos, conforme estabelecido na Constituição de 1988, é cada vez mais desigual em razão da avassaladora ignorância intelectual de sua gente. Em vez de melhorar a educação para todas as pessoas, estabelecemos cotas para afrodescendentes e alunos de escolas públicas, porque estes não têm a condição educacional de quem veio de boas escolas privadas. Isso necessariamente puxa para baixo a qualidade do ensino superior, que por sua vez forma profissionais menos qualificados, com reflexos em todas as áreas de atividade.

Estamos vivenciando o obscurantismo no Brasil em pleno século 21. Enquanto isso, nos países mais organizados, menos permissivos, que premiam a meritocracia e não a mediocridade, vive-se o iluminismo. Formam-se cidadãos melhores, cientistas, estudiosos, que respeitam regras, pessoas que progridem e fazem crescer a economia e a nação.

Este Brasil pede socorro, que só pode vir na forma de regras mais rígidas, no respeito à hierarquia, às instituições, aos mais velhos, às leis e regulamentos. Caso contrário, continuaremos a ser o Brasil da corrupção, do jeitinho, da tolerância, onde se espera que o governo venha salvar os pobres. O país dos incultos, ignorantes ou dos intelectuais que cortejam os pobres e os ideais da esquerda, mas que passam suas férias no primeiro mundo, desfrutando da organização, do respeito ao próximo e da segurança que eles oferecem. É hora de repensar o Brasil e de restabelecer a autoridade.

Edson José Ramon, empresário, é presidente do Instituto Democracia e Liberdade (IDL) e ex-presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP).

Lula e o triplex que diz não ser seu - ROBERTO MACEDO

ESTADÃO - 01/02

Insisto na necessidade de combater as suas narrativas que deturpam fatos

“Estou condenado por causa de um desgraçado de um apartamento que não é meu. Que eles me deem o apartamento, então, porque assim justifica a condenação.” Frequentemente Lula repete afirmações absurdas como essa, porque o que ele quer mesmo é absolvição, sempre insistindo que o imóvel envolvido na sua condenação não lhe pertence.

Nessa afirmação sobrou até para o apartamento, chamado de desgraçado. Mas é bem charmoso, um triplex na cobertura de um prédio de frente para o mar no Guarujá e com elevador para superar uma distância de apenas sete metros, mesmo com escada interna. Nunca vi apartamentos com elevador interno. Talvez existam, mas excepcionalmente. E, nesse prédio, em contraste com o status social dos que nele têm propriedades admitidas como suas, revelando excepcionalidade por si mesma suspeita.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin, repete o que diz Lula. Em declaração recente, reafirmou que o triplex pertence à OAS e que Lula “jamais recebeu as chaves, jamais passou um dia e jamais passou uma noite” nele. Ora, a discussão do assunto está centrada numa possível troca e na reforma do imóvel original ou recebido em troca. Numa situação desse tipo não se dá a ocupação do apartamento, e com o noticiário em torno do assunto teria sido evitada por Lula e seus familiares.

A condenação, primeiro pelo juiz Sergio Moro e depois com pena ampliada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), está muito bem justificada nos autos e foi sancionada por três desembargadores dessa Corte no julgamento de segunda instância.

Hoje optei por abordar esse assunto porque me preocupa a insistência de Lula, de seu advogado e de seus apoiadores em usar essa narrativa conveniente para trombetear a “injustiça” da condenação. No embate eleitoral deste ano as narrativas serão parte importante da disputa entre candidatos. Essa tem formato simples e um potencial muito grande de convencer pessoas mal informadas. E também crentes em Lula pouco exigentes em suas convicções. “Como condenado, se o apartamento não é meu?” é a síntese de sua narrativa.

Assim, quem se opõe a ela deve fazer um grande esforço em sentido contrário. Nessa linha, outra narrativa também simples, mas sem ficção, pode ser bem assentada, como segue. Primeiro, recorrendo ao artigo 316, que no Código Penal integra o capítulo dos crimes praticados por funcionário público contra a administração pública. Entre eles, trata do assim definido: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. Pena: reclusão, de dois a oito anos, e multa.”

Note-se que o cerne desse crime é a vantagem indevida, e essa reforma do triplex, na qual está exaustivamente provado o envolvimento de Lula e de membros de sua família, configura vantagem indevida em seu benefício, mesmo que ele não fosse o proprietário do apartamento. Ou seja, na configuração desse crime a propriedade não tem relevância. Na mesma linha, é provável que Lula também seja condenado no processo conhecido como o “do sítio de Atibaia”, cuja propriedade formalmente não é dele, mas que frequentava habitualmente e onde foi feita uma reforma em benefício dele compartilhado por outras pessoas, também custeada por construtora envolvida na Lava Jato.

Segundo, recorrendo ao artigo 327 do mesmo código, para explicar por que Lula recebeu pena maior do que a prevista pelo artigo 316. O parágrafo 2.º daquele artigo diz que “a pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta...”.

Como as narrativas de Lula & Cia. costumam recorrer a argumentos para lá de descabidos, é preciso prevenir-se até mesmo quanto aos mais absurdos, como eventualmente o de que Lula nunca foi funcionário público. Mas o mesmo parágrafo fala em direção de órgão da administração direta e Lula ocupou a mais importante delas, a Presidência da República. E, de forma incisiva, há o preâmbulo do artigo 327: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente, ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.

E a propriedade do apartamento como fica? Volto à afirmação de Lula, citada no início deste texto: “Que eles me deem o apartamento, então, porque assim justifica a condenação”. Como já disse, não quer isso, mas a absolvição. Ademais, na última segunda-feira o site deste jornal noticiou, em matéria do jornalista Fausto Macedo, que o juiz Sergio Moro optou por levar o triplex a leilão. Para ele, o apartamento é considerado produto de crime e, por isso, nem Lula nem a construtora envolvida, a OAS, têm direito sobre o bem. O imóvel e suas reformas, supostamente custeadas pela OAS, são vistos pelo magistrado de Curitiba e pelos desembargadores do TRF-4 como propinas de R$ 2,2 milhões da empreiteira para o ex-presidente. Também soube que o valor auferido deverá ser depositado em conta judicial.

Em retrospecto, entendo que Lula e/ou sua falecida esposa adquiriram um apartamento no prédio do triplex, talvez originalmente outro, que seria trocado por esse maior e reformado. Vejo aí uma possibilidade de ele ter de volta apenas o dinheiro seu e que não veio pelo propinoduto para pagar a reforma e a diferença de preço relativamente ao do apartamento original. Morar no prédio é o que ele não vai fazer.

Infelizmente, estou a seguir essa insólita novela, que ainda não terminou. E virão mais capítulos com a eleição presidencial. Candidato ou não, Lula será um importante protagonista dela. Insisto na necessidade de combater suas narrativas que deturpam fatos, chegando a ouvidos não vacinados contra seus disparates.

*Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior

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