quarta-feira, 24 de janeiro de 2018


quarta-feira, janeiro 24, 2018


O 24 de janeiro de Lula - ELIO GASPARI

O GLOBO/FOLHA DE SP - 24/01

No julgamento do TRF-4 estarão um homem, suas metamorfoses e um ciclo que começou no dia de hoje, há 39 anos


Julgamento fecha ciclo da vida política do país. Só quando o dia terminar é que se saberá o resultado do julgamento de Lula no TRF-4. 3 a 0? 2 a 1? Passarão alguns meses para que se chegue ao desfecho de todos os recursos que a lei permite, e aí fica embutida outra pergunta: o retrato de Lula estará na urna eletrônica no dia 7 de outubro?

Hoje fecha-se um ciclo da vida política brasileira, o da ideia de um partido de trabalhadores, que resultou na criação do PT. Fecha-se um ciclo, e começa outro, pois nem Lula nem o PT acabarão.

Exatamente no dia 24 de janeiro de 1979, no Colégio Salesiano da cidade paulista de Lins, um congresso de metalúrgicos aprovou uma tese “chamando todos os trabalhadores brasileiros a se unificarem na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores”. Criou-se uma comissão para cuidar do assunto, e nela estava Jacó Bittar, do Sindicato dos Petroleiros de Paulínia.

Lula, a estrela desse renascimento do sindicalismo, explicou a essência da iniciativa: “Pouca gente está mais preparada que a classe trabalhadora para assumir uma responsabilidade política deste nível. Não podemos ficar esperando a democracia das elites. Os trabalhadores não devem confundir o Partido dos Trabalhadores com o PTB, MDB ou Arena.” (A Arena era o partido do regime agonizante, virou PDS, PFL e, mais tarde, DEM.)

No poder, o Partido dos Trabalhadores foi o partido de alguns trabalhadores. A primeira proposta do Congresso de Lins era a “total desvinculação dos órgãos sindicais do aparelho estatal, ponto fundamental para o desenvolvimento da vida sindical”. O imposto sindical, que sustenta cartórios de patrões e empregados, foi preservado nos 14 anos de poder petista. Extinguiu-o a reforma trabalhista de Michel Temer.

Do grupo de Lins, Jacó Bittar, o “Turcão”, elegeu-se prefeito de Campinas em 1988 e dois anos depois deixou o PT. Foi condenado em duas instâncias por atos de improbidade administrativa.

Depois da vitória petista de 2002, Lula colocou Bittar no conselho do fundo de pensão da Petrobras. Dois anos depois, ele ganhou uma Bolsa Ditadura de R$ 7 mil mensais por conta de sua demissão da Petrobras. Seus dois filhos, Fernando e Kalil, associaram-se a Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, em empresas de entretenimento e tecnologia digital mimadas com contratos de operadoras de telefonia. Nelas, Lulinha teve um rendimento de R$ 5,2 milhões entre 2004 e 2014.

Fernando Bittar é um dos donos da propriedade onde está o sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Lá, a Odebrecht gastou R$ 700 mil em obras, e a OAS pagou a cozinha. Nos armários de uma das quatro suítes da casa havia roupas com as iniciais de Lula. Isso e mais uma agenda com seu nome achada numa sala.

Veículos a serviço de Lula estiveram no sítio 270 vezes. Entre 2012 e 2016, sete servidores que trabalham com ele receberam 1.090 diárias por terem ido a Atibaia. Cerca de 50 e-mails de funcionários do sítio e do Instituto Lula relacionam o ex-presidente com a propriedade. Num deles, cuidava-se de identificar o bicho que comera os marrecos do lago. Teria sido uma jaguatirica.

Lula assegura que a propriedade não é dele. Esse sítio nada tem a ver com o apartamento do Guarujá que, segundo Lula, também não é dele. O processo de Atibaia ainda está com o juiz Sergio Moro.

Há dois anos ladrões entraram no sítio, levando vinhos e charutos. Foram presos dois suspeitos, mas a queixa foi retirada.



Divergência no julgamento de Lula no TRF4 pode causar racha inédito na Lava Jato - FERNANDO MATIAS

GAZETA DO POVO -PR - 24/01

Absolvição ou ao menos um voto pela inocência do petista representará a maior divergência judicial dentro da operação desde que ela começou, em 2014, com um potencial enorme de desgastar a investigação


A absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou o voto a favor dele de apenas um dos três desembargadores que vão julgá-lo nesta quarta-feira (24), no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), pode abrir um flanco na Lava Jato, o maior desde que a investigação foi deflagrada, em março de 2014. Se isso ocorrer, a operação tende a sofrer desgaste. Afinal, seria a mais importante divergência dentro da própria operação: alguém que faz parte do processo entendeu que Lula, acusado de ser o chefe do esquema de corrupção, é inocente.

“Se [a tese da inocência do ex-presidente] for confirmada por pelo menos um desembargador, Lula reforça o seu discurso [contra a Lava Jato]”, diz Elve Cenci, professor de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Norte do Paraná.
Voto a favor de Lula abalaria a coesão interna da Lava Jato

A Lava Jato sempre foi alvo de críticas externas de políticos e juristas. Mas, internamente, tem mantido sua coesão. O TRF-4, que revisa as sentenças do juiz Sergio Moro, até agora absolveu apenas cinco dos 77 condenados em primeira instância. Pela importância do caso de Lula, qualquer que seja a divergência no julgamento vai abrir o mais rumoroso desentendimento judicial entre Moro e a segunda instância.

Certamente Lula e o PT vão explorar essa divergência, por menor que seja. E acirrar as críticas à Lava Jato. “Não tenho grandes ilusões em relação ao julgamento. Dois a um [pela condenação] já seria uma vitória”, disse na segunda-feira (22) Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência no governo Lula.

Crescimento das críticas provocou perda de popularidade da operação
O crescimento dos questionamentos e críticas à Lava Jato provocou a perda de parte da popularidade que a operação tinha no seu início. “A Lava Jato já teve um apoio maior da população”, diz Elve Cenci.

Pesquisas de opinião confirmam isso. Em setembro de 2016, pesquisa do Instituto Ipsos mostrou que a atuação de Moro, principal personagem da operação, era aprovada por 55% dos brasileiros e reprovada por apenas 27%.

Um ano depois, em setembro de 2017, o mesmo Ipsos revelou o crescimento dos insatisfeitos com o juiz. Naquela ocasião, os brasileiros estavam divididos sobre a atuação de Moro: 48% dos brasileiros aprovavam a sua atuação e 45% a desaprovavam – um empate técnico, considerando que a margem de erro do levantamento é de 3 pontos porcentuais para mais ou para menos.


Para se defender, Lava Jato entrou no campo político. E aumentaram os questionamentos
A perda de parte do prestígio popular da Lava Jato também veio acompanhada do aumento da atuação política dos próprios integrantes da operação. Eles afirmavam agir em nome da defesa da Lava Jato. Mas, ao pisar no campo da política, também provocaram o crescimento dos questionamentos ao seu trabalho.

Um momento marcante da atuação política da Lava Jato foi a divulgação pelo juiz Sergio Moro da escuta telefônica em que Lula conversava com a então presidente Dilma Rousseff sobre a nomeação dele como ministro da Casa Civil. A revelação do grampo foi feita em 17 de março de 2016, um dia antes de a operação completar dois anos. Foi o passo político mais arriscado da Lava Jato.

Elve Cenci avalia que Moro liberou aquele áudio para conquistar o apoio da população e da mídia para a Lava Jato. A divulgação do grampo teve ainda um efeito político fundamental: tornou praticamente impossível para Dilma impedir o impeachment.

A publicação da escuta levou Lula a ter sua nomeação para o governo barrada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por tentativa de obstrução de Justiça. Para Mendes, o objetivo de Lula e Dilma seria garantir foro privilegiado ao ex-presidente, para “fugir” de Moro. Sem Lula no Planalto, Dilma perdeu sua última aposta para articular politicamente a sua permanência na Presidência.

“De certo modo, o Moro chamou o Lula para o debate político naquele episódio do vazamento da conversa com a Dilma”, diz Elve Cenci. A Lava Jato venceu a batalha. Mas não necessariamente a guerra. “A política é o campo onde Lula é mestre”, lembra o professor da UEL.

Manifestações e ações políticas de integrantes da Lava Jato se intensificaram
Desde a divulgação do grampo de Lula e Dilma, integrantes da Lava Jato intensificaram suas manifestações e atitudes políticas, seja em defesa da operação ou das causas em que acreditam. Em 29 de março de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) entregou ao Congresso o projeto de lei de iniciativa popular das Dez Medidas de Combate à Corrupção.

Em setembro daquele ano, o coordenador da Lava Jato no MPF do Paraná, o procurador Deltan Dallagnol, exibiu o polêmico Powerpoint em que acusava Lula de chefiar o esquema de corrupção da Petrobras – embora a denúncia formal à Justiça fosse apenas pelo caso do tríplex do Guarujá (SP), processo que será julgado agora pelo TRF4. O Powerpoint acabou sendo um marco do que os críticos da Lava Jato afirmaram ser a “espetacularização” da operação em busca dos holofotes da imprensa.

Já o juiz Moro chegou a participar no plenário do Senado, em dezembro de 2016, de uma discussão sobre o projeto de lei que muda as regras para o crime de abuso de autoridade, visto pelos integrantes da operação como uma ofensiva contra a Lava Jato.


Ao chegar a outros partidos, Lava Jato transformou “amigos” em “inimigos”

As novas frentes de investigações, que passaram a ter como foco lideranças dos principais partidos de sustentação do governo Temer (como o PMDB e o PSDB), também ampliaram os questionamentos contra a Lava Jato da parte de políticos que até então vinham defendendo a operação porque ela atingia principalmente o PT.

Houve reação política de procuradores da força-tarefa. Alguns deles intensificaram o uso das redes sociais para denunciar as ameaças que os políticos de modo geral representam para a operação.

Esse tipo de comportamento, além de críticas, foi alvo de uma reprimenda dentro do próprio MPF. Em dezembro do ano passado, a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público recomendou que o procurador Carlos Lima, da Lava Jato no Paraná, deixasse de expressar publicamente suas opiniões sobre políticos, partidos e investigados pela operação para preservar “a integridade, a solidez, a isenção e a credibilidade” da instituição. Carlos Lima é o integrantes da força-tarefa mais ativo nas redes sociais.

Já Moro, embora mais contido, não deixa de emitir opiniões por meio de pronunciamentos em palestras e eventos para os quais era convidado. E costuma ser alvo de questionamentos por isso.


O julgamento de Lula - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 24/01

Lula e seus adoradores querem que os brasileiros acreditem que está no banco dos réus não um homem comum, mas 'o maior líder popular da história deste país'



Em junho de 2009, quando José Sarney, então presidente do Senado, vivia o escândalo das nomeações de parentes e da criação de cargos por atos secretos, o então presidente da República, Lula da Silva, saiu-se com esta: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Para o petista, Sarney não poderia, em razão de alegados bons serviços prestados à Nação, ser alvo de denúncias cabeludas como aquelas. À época, interpretou-se que a enfática defesa de Lula tinha como objetivo preservar o aliado Sarney, fundamental, segundo seu raciocínio, para blindar seu governo no Congresso e para levar o PMDB a apoiar a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência, no ano seguinte.

Mas havia um outro objetivo, que agora, passados quase dez anos, se desenha nitidamente: Lula pretendia instilar no imaginário nacional a ideia de que há figuras políticas tão fundamentais para a história do País – a começar por ele próprio, é claro – que não podem ser tratadas como pessoas comuns, sujeitas aos rigores da lei.

É nisso que hoje Lula e seus adoradores querem que os brasileiros acreditem: que está no banco dos réus não um homem comum, mas “o maior líder popular da história deste país”, conforme costuma bradar seu séquito de bajuladores; logo, quem quer que decida investigá-lo, julgá-lo e eventualmente condená-lo só pode ser considerado um inimigo da pátria, do povo e da própria democracia.

É preciso deixar claro, de uma vez por todas, que quem estará sendo julgado hoje em Porto Alegre, pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, não é o grande redentor dos pobres, o demiurgo de Garanhuns, a viva alma mais honesta do País, e sim, simplesmente, um político condenado em primeira instância pelo crime de corrupção, que teve plenamente assegurada sua defesa e que recorre da sentença conforme lhe faculta o melhor direito.

Não se trata de uma questão moral, como querem fazer crer os petistas. Por esse critério, Lula já está condenado há muito tempo, desde que liderou um governo e um partido que mergulharam fundo na corrupção – protagonizando os maiores escândalos da história nacional e contribuindo decisivamente para a desmoralização da política – e desde que criou deliberadamente as condições para que o Brasil afundasse em recessão, inflação alta e desemprego.

Lula não está sendo julgado porque é líder das pesquisas de intenção de voto para presidente nem porque teria feito um governo para os pobres e contrariado as elites, como discursam os petistas. Lula está sendo julgado porque, conforme a sentença do juiz Sérgio Moro ora em revisão no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, “recebeu vantagem indevida” e “ocultou e dissimulou vantagem indevida recebida em decorrência do cargo de presidente da República”, no contexto “de um esquema de corrupção sistêmica na Petrobrás e de uma relação espúria entre ele o Grupo OAS”, razão pela qual “agiu (...) com culpabilidade extremada”. Moro acrescentou, como se necessário fosse diante da histeria petista, que, “em síntese e tratando a questão de maneira muito objetiva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontram em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu governo”.

Os petistas, contudo, são incansáveis na sua mendacidade. Os mesmos militantes e dirigentes do PT que já declararam sua integral solidariedade ao ditador venezuelano Nicolás Maduro consideram que está estabelecido no Brasil um “estado de exceção”. Segundo eles, essa “ditadura jurídico-midiática” começou com o “golpe” do impeachment de Dilma Rousseff e culminará com a eventual cassação do direito de Lula de se candidatar à Presidência. Logo, uma decisão contrária a Lula no julgamento de hoje será interpretada pelo departamento de agitprop petista como um crime de lesa-pátria e, por que não?, de lesa-majestade.

Felizmente, toda a arenga petista desde o impeachment não tem impressionado os que têm a tarefa de julgar os crimes cometidos durante os trágicos anos do PT no poder. A eles continua a caber somente uma missão: fazer cumprir rigorosamente a lei.


Lula, 2ª instância - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 24/01

A esta altura dos acontecimentos, seria ingenuidade pedir equilíbrio, comedimento ou tolerância aos grupos mobilizados em torno do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.

Ainda que natural em alguma medida, dadas as dimensões do personagem, a politização do processo rompeu os limites do razoável –com o impulso decisivo do próprio réu, claro, mas não só dele.

Sentenciado em primeira instância a nove anos e seis meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula tem todo o direito de se dizer inocente e criticar a decisão da Justiça. Sua pregação, porém, é de outra natureza.

O líder petista, que misturou a defesa de sua biografia e a pretensão de candidatar-se novamente à Presidência, insufla a militância com a tese tresloucada de que é vítima de uma conspiração tramada pelas instituições jurídico-policiais e pela imprensa.

Aliados equiparam a eventual inelegibilidade a um "golpe", associando-a, por meio do surrado artifício retórico, ao impeachment de Dilma Rousseff. Chega-se, assim, à antessala da incitação ao confronto –e a cúpula do PT, a começar pela presidente da sigla, não mostra preocupação em evitar o tom beligerante.

Do lado oposto, há decerto um sentimento antilulista, por vezes radicalizado, que se fortaleceu nos anos de desastre econômico e investigações da Lava Jato.

Ademais, ampla parcela da opinião pública, movida por justa indignação com os desmandos, pede punições severas e imediatas aos políticos sob suspeita, nem sempre com a devida atenção a trâmites jurídicos e garantias legais.

Seja qual for a decisão do TRF-4, resta esperar que o tempo depure o evento da dramaticidade hoje exacerbada. Não está em jogo a democracia do país, como querem uns, nem o combate à corrupção na política, como temem outros.

A ação referente ao famigerado apartamento em Guarujá envolve, sem dúvida, boa dose de complexidade na interpretação das provas colhidas. O processo, não por acaso, passa por um segundo exame, que não será o último.

Se as somas do caso não parecem vultosas diante dos desvios bilionários na Petrobras, o ex-presidente tampouco encena com credibilidade o papel de vítima. Sobram evidências de que suas relações com as grandes empreiteiras feriram, na hipótese mais branda, a ética republicana.

Ainda mais inegável é o gigantesco esquema criminoso que operou em seu governo –e desafia a credulidade imaginar que tudo se passava sem o conhecimento do chefe do partido e do Executivo.

Réu em outra meia dúzia de ações, Lula conta com a intenção de voto de um terço dos eleitores, o que o torna, absolvido ou não, ator central na disputa pelo Planalto. Nem isso nem a preferência dos que querem vê-lo preso afetam, porém, a legitimidade da sentença que se aguarda nesta quarta (24).



Equívocos em torno do julgamento de Lula - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 24/0

É ilusória a tese de que seria melhor o ex-presidente ser punido pelas urnas, porque não se pode imaginar que o Poder Judiciário deixe de cumprir sua função


O julgamento de hoje, em segunda instância, do recurso do ex-presidente Lula contra sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex de Guarujá, é motivo de muita desinformação, devido aos embates políticos que o cercam.

Afinal, a depender da decisão dos três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), responsáveis pelo julgamento de recursos contra veredictos do juiz Sergio Moro, de Curitiba, no processo da LavaJato, as eleições deste ano tomarão um rumo ou outro.

Caso os juízes confirmem a condenação por unanimidade, é quase certo que Lula estará fora das urnas de outubro, e ficará por oito anos inelegível, conforme estabelece a Lei da Ficha Limpa, sancionada pelo ex-presidente em 2010.

Se o resultado for de dois a um, contra Lula, o ex-presidente, que promete recorrer em qualquer hipótese, terá mais espaço de manobra na evidente intenção de empurrar ao máximo o desfecho do processo para as proximidades da eleição e, assim, aumentar ainda mais a pressão política sobre a Justiça. O que não significa que deixará de ser condenado do mesmo jeito. Mas a estratégia é constranger os juízes, o que é inaceitável no estado democrático de direito.

Na tentativa que beira o desespero na defesa do cliente, mas legítima no Direito, advogados de Lula bateram recorde em petições impetradas na Justiça. Foram, só neste processo, 78, ou uma a cada seis dias, conforme revelou O GLOBO. Na Lava-Jato, por enquanto, nem o hiperativo Eduardo Cunha chegou lá.

A militância, característica do lulopetismo, corrente carismática e sectária dentro do PT, também reage. Destacam-se as ameaças da presidente da legenda, senadora Gleisi Hoffmann (PR), de que precisará haver “mortes” para prenderem o ex-presidente — um desfecho normal nos processos —, e do seu colega de Senado, Lindbergh Farias (RJ), que exortou companheiros a se prepararem para “brigas de rua” .

Depois voltaram atrás, mas as declarações infelizes apenas refletem, além do conhecido espírito autoritário, o pessimismo dos lulopetistas diante do julgamento. No caso de Gleisi Hoffmann, ela própria é ré num dos processos sobre desvio de dinheiro público.

Em nenhum momento, Lula e PT demonstraram respeito às instituições — e continuarão, por certo, a não demonstrar. E, além da intenção da politização extrema deste e dos outros processos, há movimentos claros para, como sempre, vitimizar-se o ex-presidente. Daí ser ilusória e equivocada a tese compartilhada por Fernando Henrique Cardoso e pelo governador Geraldo Alckmin, entre outros, de que o melhor seria derrotar Lula nas urnas, para evitar o jogo político da vitimização. Ora, ele jogará sempre este jogo. E, além disso, não se pode prescindir do papel que a Justiça e o Ministério Público precisam cumprir neste caso ou em qualquer outro que envolva corrupção na política. Como, de resto, em qualquer crime, num Brasil cansado da impunidade de poderosos.

Não se pode transigir no princípio republicano de que a lei vale para todos. Nunca, muito menos no momento em que o país vive. O julgamento de hoje precisa ser colocado neste contexto.



A lição do ministro Martins - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 24/01

De todas as decisões sobre o caso Cristiane Brasil, a única que reafirma a segurança do direito é a de Humberto Martins, do STJ

Ao cassar a liminar concedida pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, que autorizava a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) a assumir o Ministério do Trabalho, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, alegou que ele teria tomado uma “decisão precária”. Também afirmou que o ministro não teria divulgado seu despacho na íntegra. E deu a ele o prazo de 15 dias para se justificar.

Originariamente, a deputada Cristiane Brasil foi impedida de assumir a pasta do Trabalho por uma decisão do juiz da 4.ª Vara Federal de Niterói, acolhendo uma ação popular. Ao julgar em segunda instância o recurso impetrado pela Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente em exercício do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) o rejeitou. A AGU só teve sucesso quando bateu às portas do STJ, mas o êxito durou pouco por causa da decisão de Cármen Lúcia.

O ministro Humberto Martins prontamente refutou os argumentos da presidente do STF. No ofício que enviou a ela, o vice-presidente do STJ informa que, ao contrário do que disse Cármen Lúcia, ele não só divulgou a íntegra de seu despacho na internet, logo após assiná-lo, como também autorizou a Coordenadoria da Corte Especial do STJ – que “funciona de modo contínuo” – a distribuí-lo a quem quisesse.

Mais importante ainda foram suas informações sobre os critérios que o levaram a autorizar a deputada Cristiane Brasil a assumir a pasta do Trabalho. Ao cassar a liminar por ele concedida, a presidente do STF afirmou que, embora o inciso I do artigo 84 da Constituição classifique a nomeação e exoneração de ministros de Estado como sendo de competência privativa do presidente da República, esse dispositivo tem sua interpretação condicionada pelo artigo 37, segundo o qual a administração pública direta é obrigada a respeitar, entre outros, o princípio da moralidade. Assim, como a parlamentar fluminense já foi condenada judicialmente a pagar dívidas trabalhistas, o presidente Michel Temer não poderia tê-la indicado para o Ministério do Trabalho, afirmou Cármen Lúcia, repetindo o que havia sido dito pelo juiz de Niterói e pelo presidente em exercício do TRF-2.

O ministro Humberto Martins refutou esses argumentos. Segundo ele, por ser vago e indeterminado, o princípio constitucional da moralidade depende de leis infraconstitucionais para ser aplicado. São essas leis que “estabelecem parâmetros através dos quais se torna possível avaliar nos casos concretos a boa-fé do agente público e sua lealdade para com o funcionamento das instituições”. E, além dessa legislação infraconstitucional ser clara, disse ele, o próprio STF já firmou jurisprudência nesse sentido. Portanto, uma vez que o princípio da moralidade não é autoaplicável, nem o juiz de Niterói, nem o desembargador do TRF-2 e muito menos a presidente do STF poderiam ter suspendido a nomeação da deputada petebista para a pasta do Trabalho, já que não levaram em conta a legislação infraconstitucional. “A moralidade administrativa consiste numa específica modalidade de ética, cuja construção requer necessariamente a análise do quadro normativo existente”, quadro esse que permite ao presidente da República dar posse à pessoa indicada para o Ministério do Trabalho – concluiu o vice-presidente do STJ. De todas essas decisões divergentes entre diferentes instâncias judiciais, a única que reafirma a segurança do direito é, justamente, a dele. Além de açodadas, as demais pecam pela falta de fundamento legal.

Como terá de substituir pelo menos 14 ministros de Estado, que deixarão o cargo até abril para disputar as eleições, o presidente Michel Temer temia que as liminares concedidas contra a posse de Cristiane Brasil abrissem um perigoso precedente, comprometendo futuras nomeações. Os argumentos do ministro Humberto Martins, que serão apreciados pelo plenário do STF quando julgar o recurso da AGU contra a liminar suspensa por Cármen Lúcia, evitam um cenário de incerteza não só jurídica, mas, principalmente, institucional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário