sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O candidato El Cid


 - ELIANE CANTANHÊDE

         ESTADÃO - 26/01

O PT avisa que a candidatura Lula está viva, mas só para ‘afugentar os Moros’

Ao ratificar Lula para a Presidência da República, a Executiva Nacional do PT está cumprindo uma formalidade, fazendo uma deferência para seu grande líder e acenando com um “El Cid” para as eleições, até que a Justiça siga seu curso e decida não só o destino do candidato Lula, mas também do cidadão Lula. A realidade e a ficção andam juntas e, muitas vezes, a realidade supera a ficção.

El Cid, cavaleiro espanhol, é um misto de personagem real e de ficção, ora endeusado como herói, ora apontado como mercenário. Para compor a lenda, ele foi amarrado a um cavalo depois de morto, com armadura e espada, para, de tão temido e poderoso, afugentar os mouros e vencer a guerra “na moral”.

A guerra fundamental de Lula e do PT agora não é eleitoral nem contra outros partidos e candidatos, mas sim na Justiça, para evitar a prisão de Lula. Por 6 a 5, o Supremo decidiu em 2016 que condenados em segunda instância, como ele, já podem ser presos, mas ministros do próprio Supremo continuaram tomando decisões em contrário e um dos seis votos vitoriosos pode mudar: o do ministro Gilmar Mendes.

Afora a ironia de Gilmar poder ser decisivo para evitar a prisão dele, o debate sobre prender ou não prender El Cid, ops!, Lula, embala radicalismos. Antes mesmo do acórdão do TRF-4 que aumentou a pena de Lula para 12 anos e 1 mês, a senadora Gleisi Hoffmann avisava que, se prenderem Lula, “vai morrer gente”. Agora, o ministro Marco Aurélio adverte que a prisão “poderá incendiar o País”.

Entre lágrimas sinceras e um deboche calculado, Lula conclamou os petistas a não acatarem o resultado do TRF-4: “Esse ser humano simpático que está falando com vocês não tem nenhuma razão para respeitar a decisão”. Pois só se respeita decisão de juízes que “se comportam como juízes, não como dirigentes de partidos políticos”. Assim, liberou a sua tropa para atacar não mais Moro, a Lava Jato e a imprensa, mas também os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus – dois deles indicados no governo Dilma.

Lula, porém, dá a sensação de que se diverte falando mais do que deve e sem nenhum compromisso com os fatos. A opinião pública já está acostumada. O problema é quando a presidente de um partido fala em “morrer gente” e um ministro do Supremo vê o risco de uma decisão judicial “incendiar o País”.

Cansa a ameaça de guerra, fogo, mortes, quando isso só ocorre nas nossas cidades pela violência urbana, não por guerra política. Este é um país de centro, avesso a radicalismos e assistiu, sem um tiro, uma gota de sangue, ao fim da ditadura, a dois impeachments em 25 anos e à prisão de ministros, governadores e presidentes de Poderes.

Se Dilma sofresse um “golpe”, incendiariam o País. Se mudassem as regras de Dilma para a (não) exploração do pré-sal, ocupariam as ruas e avenidas. Com a reforma do ensino médio, invadiriam as escolas. Com a trabalhista, parariam tudo em greve geral. Se o TRF-4 mantivesse a condenação de Lula, os sem-terra e os sem-teto explodiriam Porto Alegre e a Avenida Paulista. E daí? Daí, nada. 

Há um lado profundamente triste no que Antonio Palocci chamou de “desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o País construiu”. Triste e merece reflexão sobre o sistema que “desmonta moralmente” as pessoas, mesmo alguém com a biografia vibrante de Lula, que saiu da intensa pobreza, governou o País num momento de euforia e chegou a 80% de aprovação.

Mas o fato é que as instituições funcionam, o combate à corrupção é inédito e, como citou Moro, “não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima”. Lula manterá uma candidatura El Cid para se defender ou para pôr fogo e atacar todas essas conquistas do Brasil?

Em Banânia, a Teoria do Domínio do Fato virou 'Teoria do Domínio da Fábula'. Cuidado! - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 26/01

No dia 27 de outubro do ano passado, antevi o segredo de Polichinelo do teatro de marionetes de Banânia, que tem o juiz Sergio Moro como titereiro: "Lula não será candidato. O TRF-4 vai condená-lo. Já escrevi que será sem provas. Os pares de toga de Sergio Moro não deixariam na mão o seu 'jedi'. Pouco importa. Candidato ou não, preso ou não (e, nesse caso, seria pior), a ressurreição do petista, como antevi nesta coluna no dia 17 de fevereiro, já aconteceu".

Eis aí. Neste momento, os bravos planejam pegar alguém "do outro lado". Para provar "isenção". Temos hoje uma Justiça administrada por uma espécie de ente de razão. Não são os "Illuminati", como querem os paranoicos de caricatura. É só a corporação da toga a exibir a sua hipertrofia, em associação com o Ministério Público Federal. Já gastei muita tinta desta Folha na versão impressa e já capturei muitos cliques na versão eletrônica tratando dos, como direi?, exotismos da sentença de Moro. Quero agora propor um exercício modesto.

Das duas, uma: ou assistimos, no dia 24, a um julgamento de exceção, cujos critérios e cuja prática não mais se repetirão porque o próprio sistema judicial deve repeli-los, ou abrimos as portas para o incerto: nesse caso, a única garantia que haverá no direito, e não apenas no penal, será não haver garantia nenhuma.

Você está preparado para ser acusado de ter cometido a "Irregularidade A", mas ser condenado pela "Irregularidade B", contra a qual nem se defendeu porque, afinal, não era aquela a denúncia que fazia o órgão acusador? Se a memória fugiu, leitor, eu lembro: o MPF acusou Lula de ter recebido propina derivada de três contratos com a Petrobras. O tal tríplex seria fruto dessa relação. Na sentença, Moro ignorou a questão e foi explícito nos embargos de declaração: "Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente".

A resposta leva à indagação seguinte: você está preparado para um sistema judicial em que, seguindo a norma das democracias, a defesa não escolhe o juiz, mas, ignorando tal norma, o juiz escolhe o réu? Se "aquele juízo" jamais fez aquela afirmação, então "aquele juízo" violou o princípio do juiz natural porque a ele estavam restritas as investigações relativas à Petrobras.

A questão suscita uma terceira indagação: você está preparado para, condenado em primeira instância, ser julgado pela segunda por desembargadores que dedicam parte de seu voto a fazer desagravo ao juiz da primeira, chamado de "colega", restando a sugestão de que o réu, ao se defender, praticou uma espécie de ofensa à santidade julgadora?

Em suma, leitor, você está preparado para um novo direito, em que a Justiça pode ignorar a denúncia para condenar um réu por ele ser quem é e não por ter feito aquilo que o órgão acusador diz que ele fez? Ainda voltarei a ela aqui e no blog: trata-se da Teoria do Domínio da Fábula, que é a versão verde-amarela da Teoria do Domínio do Fato.

Não estou pedindo que você se coloque no lugar de Lula. Estou sugerindo que você se coloque em seu próprio lugar e defenda um padrão de justiça pelo qual gostaria de ser julgado.

Não invento nada. Kant, meu jurista predileto, me precede nessa ordem de considerações. E os Processos de Moscou e de Berlim, entre meados e fim dos anos 30 do século passado na União Soviética e na Alemanha, precedem os eventos desta quarta. Cito grandezas de maravilha e horror para encarecer a paternidade ancestral do que está em curso. Afinal, somos frutos de uma história, inclusive das ideias.

Se isso nunca mais se repetir, Lula está sendo vítima de um julgamento de exceção. Se atravessamos o umbral, está decretado o fim da segurança jurídica. Restará o Direito do PowerPoint, que é a expressão gráfica e ágrafa da Teoria do Domínio da Fábula, criada para inflamar os apedeutas das redes sociais de Banânia.

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