domingo, 6 de agosto de 2017



domingo, agosto 06, 2017


Maduro inspira projeto autoritário 

no Brasil 

- EDITORIAL O GLOBO

       O GLOBO - 06/08
Defesa da Constituinte feita pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, dá certeza de haver no PT um programa bolivariano para ser aplicado no país

Enquanto morriam pessoas nas ruas de Caracas e outras cidades venezuelanas, devido à forte repressão das tropas da Guarda Nacional Bolivariana e a ação de grupos paramilitares, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e a secretária de Relações Internacionais do partido, Mônica Valente, assinaram artigo na “Folha de S.Paulo” em defesa da Constituinte lançada por Nicolás Maduro, para converter de vez o regime numa ditadura.

Gleisi e Mônica ressaltam o acerto da decisão de Maduro de chamar o “povo” para resolver a grave crise política, desconhecendo as maquinações para a convocação desta assembleia, rechaçada em consulta popular feita pela oposição. Uma Constituinte eleita com baixa presença nas zonas eleitorais, em meio a fraudes que envolveram um milhão de votos, segundo a Smartmatic, empresa que forneceu a tecnologia usada na votação. Sequer todos os chavistas apoiaram a manobra.

Não teria importância se não assinassem o texto duas dirigentes do PT, uma delas presidente. À primeira vista, algo despropositado. Nada disso. O artigo reflete mesmo o que pensa uma corrente radical que existe desde sempre no PT, e que parece ganhar mais espaços dentro do partido à medida que se aproximam as eleições de 2018, tenha Lula ou não condições legais de disputá-las. Quem acompanha o PT não se surpreende. Nos 13 anos em que o partido esteve no poder em Brasília, há inúmeros exemplos de tentativas de impor esquemas bolivarianos ao país.

A Constituinte de Maduro já havia sido feita por Chávez em 1999, em outro contexto, com o presidente recém-eleito e sustentado por alta popularidade — ao contrário de Maduro. Como era o plano, a assembleia serviu para garrotear o Legislativo e o Judiciário. Maduro segue a mesma cartilha, mas a conjuntura lhe é adversa.

No Brasil, a cartilha foi seguida — sem êxito, devido à solidez das instituições — na proposta de uma “Constituinte exclusiva” para tratar da reforma política — ilegal, porque não pode haver uma assembleia com poderes constituintes a não ser em ruptura de regime.

Também é parte desta cartilha uma lei dos meios de comunicação, para desestruturar as empresas privadas que sustentam o jornalismo profissional. Na Argentina, o casal Néstor e Cristina Kirchner, aliado de Chávez, conseguiu aprovar esta lei, para desestabilizar o grupo “Clarín” e o “La Nación”. A derrota de Cristina para Macri barrou este projeto. Este e tantos outros necessitam de um regime fechado para serem executados. Daí a importância de uma “Constituinte”.

Não se deve esquecer, também, que, ainda no primeiro governo Lula, surgiram duas iniciativas cujo DNA é conhecido: a da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), idealizada no Ministério da Cultura de Gilberto Gil e Juca Ferreira, para controlar o conteúdo da produção audiovisual — leia-se, censura —, e o do Conselho Federal de Jornalismo, saído do Ministério do Trabalho, a fim de supervisionar a profissão, com objetivos óbvios. Diante da reação, Lula os engavetou.

No impeachment de Dilma Rousseff, o Diretório Nacional do PT aprovou resolução de autocrítica em que o partido lamenta não haver modificado o currículo das academias militares e intervindo na Polícia Federal e no Ministério Público. Portanto, o artigo de Hoffmann e Valente tem coerência com o PT. Não foi escrito por descuido ou desinformação. Reflete um projeto autoritário para o Brasil.


Uma fronteira com a tirania - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 06/08
Cai ou não cai, o cara? O que é que vai acontecer por lá? As perguntas se sucedem nas ruas e não consigo respondê-las a contento. Não importa, também não há assim grande tensão nas perguntas. Se Temer cai, haverá apenas uma troca de seis por meia dúzia, parecem dizer. Todos pressentem um período medíocre, incapaz de provocar grandes paixões. Há quorum, falta quorum? Que interesse há nisso, uma vez que os deputados já fizeram suas apostas em cargos e emendas? E vão esperar um outro momento em que Temer se sinta com a corda no pescoço.

As pesquisas indicam que 81% dos entrevistados querem que a investigação sobre Temer prossiga, com todas as suas consequências. Mas essa mesma correlação de forças não se repete no Congresso. A opinião pública é refém dos eleitos, e eles se acham seguros para negociar. Ainda não se convenceram de que uma catástrofe eleitoral os espera.

Mesmo num quadro tão negativo, é possível se encontrar um certo alento. Se Dilma estivesse no governo, seria uma semana dura.

No auge de uma crise prolongada, mais de uma centenas de mortos nas ruas, a Venezuela entra numa ditadura: um fanfarrão de camisa vermelha dança “Despacito” e baixa o pau nos opositores. Pensei que a esquerda brasileira, na maré baixa, fosse mais discreta. Mas alguns dos seus partidos manifestaram seu apoio a Nicolás Maduro. Isso revela que, no fundo, o modelo bolivariano ainda a atrai. Está implícito em certas bandeiras, como no projeto de controle da imprensa.

Os projetos comuns no Brasil, como uma refinaria em Pernambuco, acabaram sendo um fardo para o Brasil. Chávez tirou o corpo fora e, no âmbito nacional, a corrupção correu solta. O governo petista mandou a Odebrecht que, para não perder a viagem, pagou US$ 9 milhões de propina à cúpula chavista, segundo a procuradora Luisa Ortega. A reeleição de Hugo Chávez contou com um decisivo apoio petista, somado à grana da Odebrecht, que, na verdade, era a grana do BNDES. Essa campanha foi narrada por João Santana e Mônica Moura e foi orçada em US$ 35 milhões.

Incapaz de compreender seus erros internos, parte substancial da esquerda brasileira mergulha nos erros alheios e defende um regime autoritário, violento e isolado internacionalmente.

O Brasil nunca seria uma Venezuela, talvez pudesse chegar perto se a crise avançasse. No entanto, a tentação de avançar nesse rumo não abandonou a esquerda e agora, com a queda de Dilma, ficou mais evidente por que o PT radicalizou.

O controle do Congresso, na base de cargos e verbas, é uma tática que se desdobra até hoje. Mas não é 100% eficaz em momentos dramáticos. O chamado controle social da mídia nunca foi palatável até para os aliados do governo petista. A única saída foi construir uma rede de apoios com blogs e guerrilha digital.

Resta outro ponto, presente na experiência da Venezuela, que jamais aconteceria no Brasil: o apoio das Forças Armadas. Sem esse apoio, o próprio Maduro já teria ido para o espaço.

Dilma pode ter sentido uma tentação de acionar os militares. Mas os sinais que vinham de lá eram desalentadores para um projeto de esquerda.

Apesar de ressaltar seus laços ideológicos e programáticos com o chavismo, no Brasil a esquerda não é protagonista no drama que se desenrola. Ela apenas é um ponto de apoio de um regime brutal. As lentes ideológicas de nada servem para tratar dos problemas que surgem com o mergulho da Venezuela numa ditadura.

Temos fronteiras comuns. Embora num nível menor do que na Colômbia, refugiados chegam em levas maiores em Pacaraima. Já temos um problema social na região. Roraima depende da energia produzida na Venezuela. Talvez seja necessário pensar em alternativas mesmo porque os constantes apagões são um aviso.

O território dos ianomâmi atravessa os dois países. Na década de 1990, chegamos a formar comissão mista Brasil-Venezuela para discutir uma política comum para os ianomâmi. Mas naquele tempo, ainda que imperfeitos, havia parlamentos com espaço para essa discussão.

Nas últimas viagens que fiz à fronteira, voltei com uma sensação de que era preciso uma avaliação do Brasil em face do novo momento. Um cenário provável é que a ditadura de Nicolás Maduro, produzindo mortes diárias, vai ser um tema global tratado na própria ONU.

No momento em grandes atores entram em cena, seria bom que o Brasil soubesse o que quer e o que precisa fazer. Caso contrário, seremos engolfados por uma política internacional sobre um tema que envolve, de uma certa forma, o nosso próprio território.

Não importa se Temer, Maia ou qualquer desses políticos assuma o comando, muito menos se o período é de desesperança. Escapamos, por exemplo, de ver um governo, em nome do Brasil, apoiar o golpe de Maduro e recitar a cantinela da solidariedade continental contra a pressão da direita. Pelo menos disso, escapamos. Agora, o resto está bravo.

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