Religião inata: Nascidos para crer
Gabriel Bassi*
Nossas mentes solucionam problemas fundamentais,
mas deixa uma falha que espera ser preenchida por um Deus, diz Justin L
Barret.
Por volta dos 5 anos, Wolfgang Amadeus Mozart
já conseguia tocar cravo, começando a compor suas próprias músicas. Mozart foi
um “músico nato”; possuia grandes talentos naturais, necessitando somente de uma
exposição mínima à música para se tornar fluente.
Poucos de nós temos essa sorte. A música
comumente tem de ser explicada a nós por meio do ensino, repetição e prática. Já
em outras areas, como a linguagem ou o caminhar, todas as pessoas já possuem
isso naturalmente; temos todos o “dom de falar” e o “dom de caminhar”.
E onde se encaixa a religião? É mais parecida à música ou à linguagem?
Pesquisas da area da psicologia do
desenvolvimento, da antropologia cognitiva e particularmente das ciencias
cognitivas da religião me fizeram pensar que a religião é tão natural como nossa
linguagem. A grande maioria dos humanos são “crentes natos”, naturalmente
inclinados a achar os assuntos religiosos e suas explicações atrativas e de
aquisição fácil, tornando-se hábeis na sua utilização. Tal atração pela religião
é um produto evolutivo de nossa bagagem cognitiva básica. E enquanto nossa
cognição não nos dá respostas sobre as verdades do mundo, por outro lado os
assuntos religiosos nos ajudam a ver a religião de um modo muito
interessante.
Tão logo os bebês nascem, começam a tentam
entender o mundo à sua volta. À medida que o fazem, suas mentes mostram
tendências regulares. O recém-nascido mostra certas preferências para o que quer
prestar atenção e tenta entender o que as pessoas estão pensando no
momento.
Um dos comportamentos mais importantes é o
reconhecimento da diferença entre objetos físicos simples e os “agentes” –
coisas que podem influenciar o entendimento do meio. Bebês sabem que bolas e
livros devem ser tocados para se moverem, mas agentes tais como pessoas e
animais podem se mover sozinhos.
Devido à nossa natureza altamente social,
prestamos uma ateção especial aos agentes. Somos fortemente atraídos para a
explicação de certos eventos por meio da ação de agentes – eventos
particularmente que não são prontamente explicados em termos de uma causalidade
simples.
Por instância, Phillippe Rochat e
colaboradores, da Universidade Emory em Atlanta, Geórgia, conduziram uma série
de experimentos mostrando que já no primeiro ano de vida, uma criança consegue
diferenciar entre os movimentos de objetos simples dos de agentes, mesmo se o
objeto e os agentes em questão são somente discos coloridos feitos por animação
gráfica computadorizada. Por volta dos 9 meses de idade, bebês já são sensível
não somente ao relacionamento causal entre dois discos que se perseguem na tela
do computador, mas podem indicar quem estava perseguindo e quem estava fugindo.
Os bebês primeiro assistiam a um disco vermelho perseguindo um azul (ou
vice-versa) até que se habituassem ao estímulo – isso é, ficassem entediados.
Então o cientista revertia a perseguição. Os bebês notaram as diferenças e
voltaram a assistir novamente a perseguição (Perception, vol33, p.
355).
Muitos desses experimentos usaram discos
animados que não se assemelhavam a humanos ou animais. Bebês não precisam da
presença de uma pessoa, ou mesmo de um animal, para raciocinar e agir – um ponto
importante é se aplicarão seu raciocínio em relação aos agentes para deuses
invisíveis.
Bebês aparentemente são sensíveis a outras duas
características importantes dos agentes, permitindo um melhor entendimento do
mundo, mas também permitindo um maior recepção a deuses. Primeiro, agentes agem
para completar objetivos. E segundo, não precisam ser visíveis. Para que o
agente tenha influência nos grupos socias, como evitar os predadores e capturar
presas, precisamos pensar em agentes que não podemos ver.
“quando vamos à origem das coisas naturais, as crianças são muito receptivas às explicações que envolvem um padrão ou ou propósito”
A facilidade com que os humanos empregam o
raciocínio baseado em agentes não termina na infância. Num experimento que fiz
com Amanda Johnson, da Faculdade Cavin em Grand Rapids, Michigan, perguntamos a
estudantes universitários para narrarem suas ações enquanto empurravam bolas
para um buraco de uma mesa. Um pulso eletromagnético era enviado constantemente
através da mesa para a bola que estava em movimento, perturbando as expectativas
físicas intuitivas. Quase dois terços dos estudantes referiram a bola
“perturbada” como um agente, não como objetos físicos comuns, fazendo
comentários do tipo, “Aquela não quis permanecer no lugar”, “Oh, veja. Aquelas
duas se beijaram”, e “Elas não estão cooperando” (Journal of Cognition and
Culture, vol. 3, p. 208).
Essa propensão natural de buscar agentes e de
raciocinar de modo contraintuitivo sobre os agentes do mundo é parte de nossa
inclinação para acreditar em deuses. Uma vez pareado com outras tendências
cognitivas, tais como a busca de um propósito, faz com que a criança fique
altamente receptiva à religião.
Para que serve um tigre?
Deborah Kelemen da Universidade de Boston
mostrou que desde a infância temos uma forte atração às explicações baseadas em
propósitos para objetos naturais – de macacos a pessoas, de icebergues a
árvores. Crianças de quatro e cinco anos são mais suscetíveis a pensar que um
tigre é “feito para comer, andar e ser visto no zoológico” que “comer, andar e
ser visto no zoológico não é feito para ele” (Journal of Cognition and
Development, vol. 6, p. 3).
Essa propensão natural de buscar agentes e de raciocinar de modo contraintuitivo sobre os agentes do mundo é parte de nossa inclinação para acreditar em deuses. Uma vez pareado com outras tendências cognitivas, tais como a busca de um propósito, faz com que a criança fique altamente receptiva à religião.
Similarmente, quando se especula sobre a origem
das coisas naturais, as crianças são muito receptivas a explicações que invocam
um padrão ou um propósito. É mais prazeroso para a criança acreditar que animais
e plantas foram criadas para um propósito que acreditar que surgiram por razão
nenhuma. Margaret Evans, da Universidade de Michigan em Ann Arbor, mostrou que
crianças abaixo dos 10 anos tendem a abraçar as explicações criacionistas às
evolutivas sobre a origem das coisas – até mesmo crianças cujos pais e
professores aceitam a evolução (Cognitive Psychology, vol. 42, p. 217).
Kelemen também fez experimentos com adultos, sugerindo que não crescemos
com essa atração, mas que ela é suprimida por meio da educação formal
(Cognition, vol. 111, p. 138).
Isso mostra que aparentemente dividimos uma
intuição que depende de um agente para classificar e modelar o que vemos no
mundo. Um experimento recente feito por George Newman, da Universidade de Yale,
corrobora essa visão. Bebês entre 12 a 13 meses de idade assistiam a duas
animações cujo trajeto final era protegido por uma barreira, mas que era
retirada ao final do evento, permitindo aos bebês ver os fatos (figura 1): 1)
uma bola correndo que batia em blocos empilhados, desordenando-os; 2) uma bola
correndo que, quando batia em blocos já desordenados, tornavam-se empilhados.
Adultos veriam algo estranho no segundo cenário: bolas não ordenavam os blocos.
Bebês também viram algo estranho, pois permaneceram mais tempo observando a
segunda animação. Isso sugere que os bebês estranham um bola criando ordem que
uma bola criando desordem.
Figura1.
Trajeto da bola 9seta amarela) até que atinja os
blocos. A consequencia final entre a bola e os blocos é bloqueada por uma
barreira que é retirada ao final do evento, permitindo analisar a
consequencia.
Ainda mais interessante foi um segundo
experimento. Um objeto arredondado e com um rosto (agente) moveu-se
propositalmente para trás da barreira e aparentemente ordenava ou desordenava os
blocos. Nesse caso, os bebês não mostraram qualquer surpresa aparente (PNAS,
vol. 107, p/ 17140).
A explicação mais plausível é que os bebês
possuem uma intuição tão aguçada quanto os adultos: pessoas, animais, deuses ou
outros agentes podem criar ordem ou desordem, mas “não-agentes”, tais como
tempestades ou bolas que rolam, somente criam desordem.
É claro que os deuses não somente criaram ou
ordenaram o mundo natural, eles tipicamente possuem superpoderes:
superconhecimento, superpercepção e imortalidade. Será que essas características
dos deuses, as quais diferem e superam as habilidades das pessoas, são difíceis
de serem adotadas pelas crianças?
Margaret Evans mostrou que crianças abaixo dos 10 anos tendem a abraçar as explicações criacionistas às evolutivas sobre a origem das coisas – até mesmo crianças cujos pais e professores aceitam a evolução. Kelemen também fez experimentos com adultos, sugerindo que não crescemos com essa atração, mas que ela é suprimida por meio da educação formal
Numa série de estudos de outros pesquisadores,
as crianças aparentam prever que todos os agentes possuem um superconhecimento,
superpercepção e imortalidade até que aprendam outra coisa.
Por exemplo, num estudo realizado no México,
liderado por Nicola Knight da Universidade de Oxford, crianças da etnia Maya
entre 4 e 7 anos foram apresentadas a uma cabaça conhecida por guardar
tortilhas. Com a abertura da cabaça coberta, o experimentador perguntou às
crianças o que havia dentro. Após a resposta “tortilhas”, lhes eram mostradas –
para sua surpresa – que ali dentro continha uma cueca. O experimentador então
cobriu a abertura novamente e perguntou se algum agente poderia saber o que
havia dentro da cabaça. Os agentes incluíam o deus católico, conhecido como
Diós, o deus Maya do Sol, espíritos das florestas, um “bicho-papão” chamado
Chiichii ou um humano. Na cultura Maya, Diós é onipotente e onipresente, o deus
do Sol sabe de todas as coisas que acontece sob o Sol, o espírito da floresta é
limitado às florestas e o Chiichii é somente um aborrecimento.
As crianças mais jovens responderam que todos
os agentes poderiam saber o que estava dentro da cabaça. Por volta dos 7 anos, a
maioria das crianças pensavam que Diós poderia saber que a cabaça continha
cuecas. Porém somente os humanos pensavam que ali havia tortilhas. Elas também
podiam diferenciar o grau de conhecimento de outros agentes sobrenaturais
(Journal of Cognition and Culture, vol. 8, p. 235). Coisas semelhantes
também foram encontradas em crianças albanesas, israelenses, britânicas e
estadounidenses.
Posso estar errado, mas minha interpretação
disso é que as crianças acham mais fácil presumir que outras pessoas sabem,
sentem ou relembram as coisas que imaginar precisamente quem conhece, sente ou
se lembra daquilo.
Essa afirmação está relacionada ao
desenvolvimento de uma faculdade denominada de “teoria da mente”, a qual se
relaciona ao nosso entendimento sobre o pensamento, percepção, desejos e
sentimentos das outras pessoas. A teoria da mente é importante para o bem-estar
social, mas leva tempo para se desenvolver. Algumas crianças entre 3 e 4 anos
simplesmente admitem que outras pessoas possuem um conhecimento do mundo
completo e preciso.
Um padrão similar é visto com crianças que
passaram a entender a inevitabilidade da morte. Estudos feitos por Emily
Burdett, da Universidade de Oxford, sugere que o padrão das crianças é admitir
todas as outras pessoas como imortais.
O achado nos quais as crianças mayas pensam que
todos os deuses devem saber o que estava dentro da cabaça é importante por outra
razão: a doutrinação não pode ser levada em conta. Não importa o que se diga, as
crianças não precisam ser doutrinadas para acreditarem em deus. Elas
naturalmente gravitam em torno dessa ideia.
Minha alegria é que essas características sobre
o desenvolvimento da mente – uma explicação para a atração por explicações
baseadas em agentes, uma tendência para explicar o mundo natural em termos de
padrões e propósitos, e uma afirmação de que outros possuem superpoderes – faz
com que as crianças naturalmente sejam receptivas à ideia de que realmente
existe um ou mais deuses que ajudam a moldar o mundo em volta delas.
Posso estar errado, mas minha interpretação disso é que as crianças acham mais fácil presumir que outras pessoas sabem, sentem ou relembram as coisas que imaginar precisamente quem conhece, sente ou se lembra daquilo.
É importante notar que esse conceito da
religião se esquiva das crenças teológicas. Crianças não acreditam inatamente
não no cristianismo, no islamismo ou qualquer outra teologia, mas naquilo que
chamo de “religião natural”. Elas possuem uma forte tendência natural para a
religião, mas essas tendências não as impedem de seguir para qualquer outra
crença religiosa.
Ao invés disso, o modo pelo qual nossas mentes
resolvem problemas gera um espaço conceitual que molda o nosso deus, um espaço
que espera ser preenchido pelos detalhes da cultura na qual nascemos.
Justin L. Barrett é diretor do Thrive
Center for Human Development no Seminário Teológico de Fuller, em Pasadena,
Califórnia. Seu último livro é Born Believers: The science of children`s
religious belief .
----------------------
Fontes: New
Scientist
http://racionalistasusp.wordpress.com/2012/05/25/todos-somos-crentes-inatos/
Nenhum comentário:
Postar um comentário