Pode-se ‘aprender a aprender’ sem aprender coisa alguma?
Nuno Crato*
A partir de experiências clássicas desenvolvidas nas últimas décadas, a psicologia cognitiva concluiu que as capacidades não podem ser adquiridas independentemente das matérias concretas estudadas.
Por ocasião do seu doutoramento honoris causa na Universidade de Lisboa, António Guterres fez um discurso que teve grande eco na imprensa. Mas entre aquilo que foi destacado nas notícias e nos títulos apareceram afirmações sobre educação que julgo deverem ser lidas com algum sentido crítico. Disse, por exemplo, que “o que fundamentalmente hoje interessa nas universidades e no sistema educativo não é tanto o tipo de coisas que aí se aprende, mas a possibilidade de aí se aprender a aprender”.
Será que isto se pode dizer, e de forma tão geral? Na realidade, o “tipo de coisas que se aprendem” tem a sua importância. Muita importância!
Gostaria algum de nós de ser tratado por um médico que, na universidade, tivesse aprendido Literatura Germânica, não tivesse prestado grande atenção à Anatomia nem à Histologia, mas que tivesse sido fantástico a “aprender a aprender”? Gostaria algum de nós de andar num avião mantido por uma equipa de mecânicos que, na sua escola de formação técnica, tivessem estudado Anatomia Patológica, nada sobre motores nem sobre aeronáutica, mas que fossem extraordinários a “aprender a aprender”?
Exagero? Pensemos na mensagem que, no limite, se está a transmitir aos estudantes: aprendam a aprender, não interessa tanto o que aprendem. Não parece uma mensagem feliz.
Mais à frente, Guterres afirmou que tem netas com menos de dez anos e disse que “o seu êxito dependerá essencialmente das oportunidades de educação que vão ter, da capacidade que lhes derem para serem capazes de se adaptar à mudança, de desenvolver novas formas de intervenção na sociedade, novas atividades profissionais.”
Julgo que todos estamos de acordo. Mas em seguida acrescentou: “seguramente, os conteúdos concretos que vão ter na escola vão estar completamente ultrapassados quando exercerem as suas atividades profissionais ou outras formas de intervenção na sociedade.”
Ser-me-á permitido discordar? Façamos então um pequeno exercício mental: pensemos no que aprendemos na escola (no meu caso há várias décadas…), ou pensemos no que hoje se aprende: aritmética, geometria, história de Portugal, história mundial, português, inglês, geografia, ciências, etc., etc. De tudo isto, qual é a fração que será ultrapassada? 99%? 50%? 10%? Eu arriscaria dizer que, mesmo que 50% estivessem ultrapassados, valeria a pena ter estudado para saber os outros 50%. Mas arrisco mais: direi que talvez apenas 1% do conhecimento que adquirimos na escola estará ultrapassado; “completamente ultrapassado”, talvez nem metade disso.
Repito: não devemos passar nenhuma mensagem de desprezo pelos “conteúdos concretos”.
Vou citar Larry Sanger, fundador da Wikipedia, certamente alguém à frente do seu tempo: “as capacidades específicas necessárias para o mundo do trabalho eram, e em larga medida continuam a ser, aprendidas no próprio emprego. Então vejamos, o que terá sido para mim mais útil aprender em 1985, quando tinha 17 anos: todos os processos e truques do WordPerfect [processador de texto então em voga] e do BASIC [linguagem de programação muito usada na altura] ou a História dos Estados Unidos? Não há que haver dúvidas: o que aprendi sobre história mantém-se aproximadamente o mesmo, sujeito a algumas correções; as competências de WordPerfect e de BASIC deixaram de ser necessárias”.
A conclusão é simples: há matérias – “conteúdos concretos” – que perduram. E quanto mais universais e mais antigas mais deverão perdurar. Ou seja, quando eu tiver a sorte de ter netos, que espero vir a ter, vou dizer-lhes “aprendam matemática, aprendam história, aprendam geografia, aprendam literatura, aprendam línguas, pois esses conteúdos concretos não vão estar ultrapassados quando exercerem as vossas atividades profissionais ou outras formas de intervenção na sociedade”.
Mas o problema é muito mais vasto. Prometo a mim mesmo uma outra crónica para breve. Adianto apenas dois resultados científicos sobre a aprendizagem.
Primeiro. Não existe capacidade sem conhecimento específico, ou seja, as ditas “competências gerais” são essencialmente uma invenção. Por exemplo, para a leitura crítica de um texto é essencial ter um vocabulário rico, conhecer o tema discutido – política? história? ciência? arte? – e beneficiar de conhecimento de textos semelhantes ou sobre temas semelhantes. Como diz o educador norte-americano E. D. Hirsch, “a capacidade de leitura, de comunicação, de leitura crítica e tudo o mais são intrinsecamente conhecimento específico. Mais ainda: se tivermos conhecimento do tema em causa e nos faltar apenas a proficiência técnica, teremos mesmo assim um desempenho melhor (na análise do texto e na sua crítica) do que alguém proficiente, mas a quem falte o conhecimento relevante.”
Segundo. A partir de uma série de experiências clássicas iniciadas nos anos 40 do século passado e desenvolvidas nas últimas décadas, a psicologia cognitiva concluiu que as capacidades não podem ser adquiridas independentemente das matérias concretas estudadas. O pensamento crítico, o “aprender a aprender”, a capacidade de análise lógica não existem independentemente dos “conteúdos concretos”. Como explica o cientista cognitivo Daniel T. Willingham, “o pensamento crítico (tal como o pensamento científico e outro pensamento específico) não é uma capacidade. Não há um conjunto de capacidades de pensamento crítico que possam ser adquiridas e utilizadas independentemente da sua aplicação.”
Conclusão: ‘aprender a aprender’ em vez de aprender, é o caminho direto para nada aprender, nem sequer ‘aprender a aprender’.
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* Nuno Paulo de Sousa Arrobas Crato é um conhecido matemático e estatístico português que tem tido uma extensa atividade de promoção da cultura científica. Conhecido pelas suas crônicas.
A utopia das redes sociais
Havia um sonho no início da internet: o sonho de uma humanidade mais unida. Com mais facilidade de comunicação, pessoas de lugares distantes interagiriam mais e derrubariam muros. Com um mar de informações disponível a um clique, quaisquer discordâncias seriam facilmente resolvidas. A tecnologia abria as portas para um mundo da união universal pautada pela ciência.
Infelizmente, não foi o que aconteceu. O contato entre pessoas distantes permitiu que aqueles que pensam igual troquem mais figurinhas e articulem ações conjuntas. Ao mesmo tempo, a abundância de informações permitiu que cada narrativa se servisse de dados e exemplos para reforçá-la e aumentar seu poder de persuasão junto a ouvintes indefesos.
Hoje, aquele sonho de internet (um espaço amplo, aberto e descentralizado) se foi; vivemos no enorme condomínio fechado do Facebook, que acelera a polarização. No início dos anos 2000, alguns poucos aficionados por política e cultura discutiam entre desconhecidos em fóruns online sob identidades anônimas. Hoje, as coisas se misturaram: seu manifesto político na rede te dá reputação (ou ódio) entre pessoas que te conhecem.
O Facebook se apresenta como uma plataforma neutra, na qual o sucesso de cada post depende apenas do interesse que ele gera nos usuários. Quanto ao conteúdo ideológico (e excetuando uma política rígida de excluir nudez e possíveis ofensas a algum grupo), ele realmente não faz nenhum tipo de filtro ou controle do que é publicado.
Se mentiras sensacionalistas capturam melhor a atenção dos leitores do que reportagens ponderadas, o que se há de fazer? É a natureza humana. É uma surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos não seja imparcialidade e profundidade, e sim barulho e tribalismo?
Para quem se dispõe a ser protagonista da própria busca por conhecimento, a internet foi uma das maiores dádivas da história. Entre jornais e revistas do mundo todo, sites especializados, Wikipedia, blogs com análise de alta qualidade (que jamais teriam espaço na mídia tradicional), interlocutores inteligentes e proximidade com formadores de opinião, a vida melhorou muito. Agora, para quem adota uma postura passiva (infelizmente, a maioria), ficou mais fácil ser enganado e, pior, aumentou a propensão a se fechar dentro de uma bolha ideológica.
Por mais que seja neutra em sua proposta, a plataforma do Facebook, como qualquer outra, pode ser manipulada. Foi o que a Rússia fez (via a "Internet Research Agency", IRA, que serve aos interesses do governo russo), com milhares de usuários falsos e a criação de páginas e posts —compartilhados milhões de vezes— para desestabilizar o debate público americano em 2016.
As páginas criadas pela IRA ocupavam ambos os extremos do espectro ideológico: de ativismo negro a campanha anti-imigração de latinos. A finalidade era sempre a mesma: aumentar o caos para enfraquecer o país internamente.
Não está claro o tamanho da influência russa. Eu acredito que o processo natural de interação nas redes já leve a esse resultado, com a interferência de agentes externos sendo apenas um acessório.
No Brasil, nada indica que o governo russo interfira no debate público. Contudo, é curioso notar que, em sua luta sincera pelo que acreditam ser o bem do Brasil, cidadãos convictos e grupos de ativismo político se comportem exatamente da maneira que um inimigo gostaria de incentivar para destruir a nação.
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* É economista pelo Insper, mestre em filosofia pela USP e palestrante do movimento liberal brasileiro.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/joel-pinheiro-da-fonseca/ 27.02.2018
A sociedade hipertecnológica? Não precisa de técnicos, mas de híbridos
Serão necessários gestores da complexidade capazes de habitar as fronteiras entre os saberes, buscando oportunidades. Entrevista com Piero Dominici, Professor de Comunicação Pública e Atividades de Inteligência na Universidade degli Studi de Perugia, publicada por Morning Future, 16-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O futuro será das "figuras híbridas", os "gerentes da complexidade", de quem saberá "habitar o que hoje consideramos como os limites e limitações entre os saberes".
Professor universitário e formador profissional, Piero Dominici ensina Comunicação Pública e Atividades de Inteligência na Universidade degli Studi de Perugia. Há vinte anos está envolvido com as complexidades e a teoria dos sistemas, com referência específica às organizações complexas e as temáticas relativas à educação, inovação, cidadania, democracia e ética pública. É Diretor Científico do Complexity Education Project, coordena um blog sobre Nova em Il Sole 24 Ore, intitulado "Fora do Prisma".
Aqui estão os seus conselhos sobre o que os jovens deveriam esperar das escolas, universidades e, em geral, das instituições de educação e formação. Começando por aqueles que estudam ciências da comunicação.
Eis a entrevista.
O Fórum Econômico Mundial afirma isso há tempo, mas agora o conceito tornou-se dominante: 65% das crianças que estão no primário, "quando crescerem" estarão envolvidos em algum trabalho que hoje não só não existe, mas que nem sequer podemos imaginar. Neste cenário, no qual as competências e os conhecimentos rapidamente tornam-se obsoletos, o que devem buscar os jovens para sua formação?
A reflexão básica é que os jovens deveriam primeiro encontrar, descobrir e viver suas paixões. Não dos seus interesses, mas realmente das suas paixões, daquilo que aquece o coração, aquilo que quando você fica trabalhando até tarde te faz sentir bem e quase não te causa cansaço. Devemos ter a coragem de ir além da visão enganosa que nos impulsiona a sempre ter que encontrar a utilidade em tudo o que fazemos, mesmo no que diz respeito ao nosso crescimento e amadurecimento pessoal e intelectual. As paixões precisam ser descobertas, estimuladas, suscitadas e afloradas com um percurso educacional que deve começar nos primeiros anos escolares, que saiba como vincular razão e imaginação, pensamento e emoções, muitas vezes removidos dos trajetos educacionais e de formação. Tudo isso implica naquela que é - em minha opinião - uma questão de crucial importância, embora muito subestimada: redescobrir o valor da autenticidade e voltar para uma educação da autenticidade. Podem parecer dimensões desvinculadas com o tema do trabalho, mas é exatamente o oposto.
Por que este discurso pode parecer à primeira vista um tanto genérico ou de valores, mas é crucial em relação ao tema do trabalho?
Porque nós somos pessoas, ou seja, sujeitos de relação antes que trabalhadores, cidadãos e consumidores. Na base de todo o nosso discurso, existe a necessidade urgente de recuperar as dimensões (complexas) da complexidade educacional, na perspectiva sistêmica de umaeducação sócio-emocional. Sobre esse ponto, teríamos muito a falar, inclusive sobre a ausência de uma "verdadeira" orientação e de políticas de orientação, capazes de acompanhar os nossos jovens na transição da escola para a universidade. Em segundo lugar, para dar uma tradução operacional para o que foi dito, é necessário focar em percursos de formação que sejam cada vez mais construídos e projetados com uma ótica interdisciplinar e multidisciplinar, em condições de deixar para trás as velhas lógicas de separação, como, por exemplo, aquela bem conhecida entre as chamadas "duas culturas". Aquelas que hoje são consideradas fronteiras e limites - entre os saberes, entre os conhecimentos e as competências, entre a racionalidade e a criatividade - devem tornar-se brechas, aberturas, percursos e oportunidades. Precisamos cada vez mais de figuras híbridas, de perfis curriculares que possam manter juntas imaginação e racionalidade, criatividade e rigor metodológico, o humano e o tecnológico. É a complexidade da mudança que está ocorrendo, a sua ambivalência, velocidade e imprevisibilidade que nos mostra a inadequação de processos educacionais e de formação atuais, mas também a inconsistência das explicações reducionistas e dos tradicionais modelos interpretativos lineares.
Para tanto como as escolas, universidades, instituições de ensino e formação deveriam mudar?
O discurso sobre os interesses, as paixões, que é capaz de emocionar e estimular a criatividade comporta em repensar sobre os processos educacionais e de formação, no sentido da redescoberta da construção social da pessoa e não apenas do indivíduo. Isso teria repercussões importantes sobre a existência dos jovens, não só no aspecto de trabalho e profissional. Pelo contrário, continuamos a alimentar aquelas que muitos anos atrás eu chamava de "falsas dicotomias", inclusive aquela entre pensamento e emoção: sobre elas continuamos a impostar a educação e a formação, baseando-as sobre uma determinada ideia da racionalidade e da utilidade do saber. Hoje, como nunca antes, é necessário recuperar as dimensões complexas da complexidade educacional: a empatia, o pensamento crítico, uma visão sistêmica dos fenômenos, a educação para a comunicação, além das dimensões que temos deliberadamente removidos, como o imaginário e a criatividade. Isso significa repensar o espaço relacional e de comunicação dentro das instituições educacionais e de formação, revitalizar a educação na perspectiva sistêmica de uma educação que só pode ser sócio-emocional. O "grande equívoco" da educação na civilização hipertecnológica é justamente aquele de pensar que sejam necessárias uma educação e uma formação de natureza especificamente técnica e/ou tecnológica; isso é exatamente o oposto do que temos e teremos desesperadamente necessidade.
Então, quais são os melhores percursos sobre os quais apostar?
Os melhores percursos (não ideais), como resultado, serão aqueles que buscam uma interdisciplinar e multidisciplinaridade. Aqueles, em outras palavras, mais adequados para preparar as pessoas para viver a complexidade atual e futura, aqueles que irão formar, em todos os níveis, mentes críticas elásticas, figuras híbridas, abertas às contaminações entre os saberes e as competências. Figuras e perfis sempre prontos para ver as fronteiras e os limites, seja qual for a sua natureza, como uma oportunidade para crescer e experimentar.
Em seus estudos, você destaca que "na sociedade hiper complexa não são mais suficientes o ‘saber’ ou o ‘saber fazer’: precisamos ‘saber’, precisamos ‘saber fazer’, mas também precisamos ‘saber como comunicar o saber e saber comunicar o saber fazer’”. O quanto é importante a comunicação nos novos paradigmas do trabalho?
E, acima de tudo, qual comunicação? A comunicação importa muito, é quase banal dizer. A nova viralidade da comunicação, entre outras coisas, é um dos elementos que determinou a passagem da complexidade para a hipercomplexidade. A comunicação sempre foi estratégica para a sobrevivência dos sistemas sociais e das organizações, mas hoje é ainda mais porque a sua nova viralidade (que só em parte está relacionada com o aspecto digital) trouxe para fora da "torre de marfim" os saberes, os conhecimentos, as questões que antes eram de domínio exclusivo dos cientistas, dos estudiosos e dos especialistas, destacando a importância estratégica de questões relacionadas com a representação e a percepção dos fenômenos. Temas de fundamental importância para a própria manutenção das modernas democracias. O problema é não ter consciência da importância da comunicação, o problema é reconhecer que a comunicação, ou melhor, uma determinada ideia/concepção/visão de comunicação, deve ser repensada e redefinida, tomando cuidado para não confundi-la com o marketing e muito menos com a conexão.
Basicamente aqui, a comunicação é mais do que apenas uma técnica ...
A comunicação é um processo social complexo de compartilhamento de conhecimentos, não só onde o conhecimento é equivalente a poder (questão muito antiga), uma vez que a comunicação tem a ver com a criação de vínculos de confiança, com o fortalecimento das conexões entre os sistemas e os ecossistemas. Portanto, é importante estar ciente de que os conhecimentos e as competências no campo da comunicação não devem ser ligados exclusivamente com a habilidade técnica de governar instrumentos de comunicação ou de conexão; o problema é tentar governar a complexidade social e organizacional e, ao mesmo tempo, aprender a comunicar as suas numerosas implicações. Isso requer uma atenção especial à dimensão metodológica e àquela de cultura organizacional. Em vez disso, existe o risco muito concreto de que a nossa oferta de formação universitária, no que diz respeito ao papel do comunicador, venha a coincidir substancialmente com a formação de um vendedor ou um formador de opinião, mais ou menos oculto. O ponto principal, em minha opinião, é que não se deve apenas formar para a comunicação, mas também educar para a comunicação.
Você falou acima de figuras híbridas como protagonistas do próximo futuro. Também escreveu que "não podemos mais nos dar ao luxo de formar apenas técnicos e isso justamente porque estamos em uma civilização hipertecnológica": não é um paradoxo?
Não é apenas um paradoxo, é o "grande equívoco" da civilização tecnológica. Precisamos formar cada vez mais "gestores da complexidade", que é uma complexidade social, relacional, organizacional, uma complexidade não passível de objetivação por nenhuma fórmula, capaz de escapar a qualquer processo de redução. As organizações em que vão e irão trabalhar os jovens, são sistemas sociais, nós precisamos educá-los, formá-los e atualizá-los para isso, para viver essa complexidade, que nunca é previsível até o fundo. Ao nível do discurso público, em vez disso se continua a repetir que são necessários (apenas) engenheiros, profissionais das ciências exatas, algumas figuras e não outras; ainda se está pensando em termos de "duas culturas", sobre a falsa dicotomia entre educação humanista e formação científica, algo inacreditável. Precisamos obrigatoriamente superar tais dicotomias.
Qual é o risco de permanecer presos no antigo dualismo entre cultura humanista e técnico-científica?
Continuar a pensar que, para essa civilização hipertecnológica, só sirvam figuras muito preparados para "saber fazer", para "saber como usar", no âmbito de uma dimensão altamente técnica e tecnológica, responde a uma impostação míope que vai nos manter em um estado de perene atraso cultural. Como eu sempre repito, continuaremos a nos contar que a tecnologia é mais rápida que a cultura, como se a primeira fosse algo externo à segunda. Repito: precisamos de figuras híbridas, de gestores da complexidade (uso tal fórmula por conveniência e por síntese), que saibam enxergar oportunidades no que hoje definimos e reconhecemos como riscos, vulnerabilidades, variáveis de uma perigosa desordem, capazes de tornar ainda mais instáveis e inseguros os sistemas e a vida social. Para outros temas e questões muitas vezes se recorre à metáfora das "pontes, não muros", uma metáfora que podemos empregar também nesses contextos. É hora de facilitar a construção de pontes entre os saberes, entre as competências, entre o natural e o artificial (ultrapassando fronteiras), entre os saberes e a vida, entre o humano e o tecnológico. Habitar a hipercomplexidade, não só saber gerenciar/controlar as tecnologias, explorando todo o seu potencial: e há muito mais.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/576411-a-sociedade-hipertecnologica-nao-precisa-de-tecnicos-mas-de-hibridos
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