sábado, 31 de maio de 2014

" Passeando de dindim em Gramado.RS "

                                    CÓDIGO DAVID | David Coimbra



Li que mil argelinos já compraram tíquetes para passear no dindim de Gramado durante a Copa. Você sabe o que é o dindim, aquele trenzinho

com vagões puxados por um pequeno trator. Criança adora andar de dindim. Por que será que os argelinos também gostam tanto, a ponto de fazerem mil reservas?

Uma hora dessas, eles devem estar ansiosos, lá na Argélia. Devem estar comentando com os amigos: – Vou ao Brasil, andar de dindim. Bacana.

O bom da Copa é isso, conhecer outras culturas. Os argelinos são africanos. Os nigerianos também, e também eles virão para cá. Os nigerianos são muito respeitados na África. Pela pujança da sua economia, sim, mas sobretudo por outro fator: os homens nigerianos gozam da fama de serem bem dotados anatomicamente, se é que você me entende.

Você dirá que os africanos em geral já desfrutam dessa boa imagem. Certo.

Só que os nigerianos são invejados pelos outros africanos! Imagine, agora, o que é um nigeriano perto de, por exemplo, um japonês.

Na Copa de 2010, os sul-africanos a toda hora vinham falar dos nigerianos. Olha lá os nigerianos, apontavam. Olha lá. Existem máfias de nigerianos na África do Sul. Eles são temidos. Ficam em grupos pelas ruas de Joanesburgo, vestindo chapelões, mascando chicletes, enfeitados com braceletes e correntes de ouro.

Se você passar por perto e eles te chamarem: – Hey, bro! Saia correndo. Um perigo, os nigerianos. Mas não se aflija. Os nigerianos que vierem para cá não serão perigosos. Serão, provavelmente, nigerianos ricos. Mesmo assim, lembre-se de duas coisas: 1. Um nigeriano é sempre um nigeriano, com todos os seus atributos.

2. Aquilo que as mulheres vivem repetindo, “tamanho não é documento”, aquilo é mentira. E provo. Um dia, um repórter metido a espirituoso resolveu provocar Ava Gardner e perguntou, referindo-se a Frank Sinatra: – O que você quer com aquele magricela de 55 quilos?

Ava fitou-o com seu melhor olhar blasé amendoado e respondeu: – Cinco quilos são só de “dick”.

Parabéns, Frank. Ruy Castro conta não ter sido à toa que Garrincha nasceu em Pau Grande. E as mulheres não fugiam dele... Aliás, Garrincha não tinha ascendência africana. Era índio fulniô, das Alagoas.

Uns índios pacíficos, não como esses que deram flechadas nos policiais de Brasília. Índios brabos de verdade eram os ferocíssimos goitacases. Eles tinham um método temerário de caçar tubarões: o goitacás mergulhava armado apenas de um pedaço de pau. Quando via um tubarão, investia de frente contra ele.

O tubarão, óbvio, tentava mordê-lo e o índio metia-lhe o galho verticalmente na bocarra. O tubarão, assim, não conseguia mais fechar a boca. O guerreiro aproveitava-se para enfiar o braço goela adentro do bicho e, com a mão nua, arrancar-lhe o coração. Isso que é índio, não esses que andam de cocar e calção Adidas, falando ao celular!

Sobre índios brasileiros, por sinal, eles são conhecidos em outro país que virá a Porto Alegre: a Coreia do Sul. Na Copa de 2002, poucos brasileiros foram à distante Coreia do Sul.

Mas havia um grupo que seguia o Brasil por toda parte, uns caras fantasiados de índios. Eles saíam pelas ruas vestidos com penas, o rosto pintado, soprando apitos, batendo tambores. Os coreanos olhavam meio assustados para aquilo. Um dia, eu estava com jornalistas coreanos em um shopping e o grupo esse chegou, fazendo grande alarido. Um jornalista coreano arregalou os olhos: – É assim no – Não, não, por favor...

Esses são apenas torcedores. O Brasil é um país moderno... Se o coreano lê as notícias sobre o Brasil,

deve estar me chamando de mentiroso. Temos que dar um jeito de pacificar esses índios. Acabaram as contas de vidro? A Coreia do Sul é um país circunspecto.

Nada a ver com aquele Psy, o cantor. Os coreanos se orgulham de seus filhos estudiosos e de seus banheiros públicos limpíssimos. Banheiros, por Deus.

Dizem os coreanos que um dos seus banheiros públicos é o mais limpo do mundo. Visitei-o e, realmente, é um primor. Lembrou-me uma faxineira que tinha. Uma faxineira pelada. Sério.

Ela fazia faxina no meu apartamento às segundas. Uma tarde, por algum motivo, tive de passar em casa mais cedo. Entrei e ouvi o barulho de água correndo no banheiro. Fui ver o que era. Era ela, limpando o box.

Nua. Era uma faxineira meio gorda e muito branca. Estava de costas para a porta, de quatro, esfregando o chão com fúria higiênica. Aquela visão me fez estremecer. Recuei, para que ela não percebesse a minha presença. Saí de mansinho e corri até o bar da frente.

Pedi um bourbon para me recuperar. Nunca mais voltei para casa sem ligar antes. Agora, tenho de reconhecer: aquela faxineira sabia limpar um banheiro. Devia ser de ascendência coreana. Coreanos, nigerianos, argelinos. Porto Alegre terá a oportunidade de conhecer esses povos e tantos outros mais. Não é uma beleza? Só um conselho: mantenham suas mulheres longe dos nigerianos. Cuidado com os nigerianos!

" A mão da filha "

FABRICIO CARPINEJAR



Rituais me comovem. E ainda mais quando são desnecessários.

Um deles é quando o jovem pede a filha em namoro para os pais.

Ninguém usa cerimônia para começar um relacionamento. Namoros se iniciam com um clique no Facebook e terminam com o bloqueio no Facebook.

Por isso me espanta quem enfrenta a família da pretendente. Quem se importa com a opinião dos mais velhos, em empenhar a palavra, em olhar nos olhos, em indicar firmeza de laços.

Não é tarefa pequena criar um compromisso com o futuro, transparecer intenções sérias, evidenciar que não está brincando, admitir que está apaixonado e arcar com as consequências da escolha.

Há uma tendência em ser imediatista e descomprometido, em privilegiar o presente e a independência do desejo. É cômodo manter o romance a dois, qualquer ruptura não terá efeitos públicos, é sair e se desligar com facilidade. Os segredos ficam restritos e não interessa aos demais.

Sou absolutamente sentimental com a coragem dos românticos.

O adolescente que rompe com o egoísmo e divide suas expectativas é um louco de minha mais completa admiração. Olha que coisa estranha de se dizer: loucura hoje é ser tradicional, é se apegar, é honrar o núcleo familiar, é oficializar o arrebatamento.

Quem pede em namoro diante da família não pode fugir de repente, mudar de ideia e desaparecer. Declara o endereço de seu coração, o CEP, o CPF, mostra quem é e o que deseja.

Quem tem essa ousadia de não voltar atrás em seus próprios sentimentos e honrar promessas? De se incomodar em ouvir o que os outros pensam, em suportar o constrangimento do primeiro encontro e a secura da garganta?

Ficar na sala aguardando o momento certo de abrir a boca entre o comercial e a novela. Escolher as frases mais sensatas e tentar encontrar clareza para expor pensamentos confusos e emaranhados da paixão.

E não é somente falar, é estar receptivo a um sermão, a uma negativa, a restrições, a represálias. É se colocar dentro de um convívio, com regras e ritmo desconhecidos.

Mais do que educação, significa respeito. É cuidar daqueles que cuidaram dela antes. É proteger aqueles que dedicaram a vida a protegê-la.

É valorizar o passado da mulher, abrir um novo ciclo e arcar com as expectativas dos atos.

É avisar a família antes do mundo — quer uma prova maior de reverência?

Meu amigo Claiton teve essa dádiva. Quando o rapaz pediu sua filha em namoro, ele baqueou pelo reconhecimento, surpreendido pelo tamanho cuidado.

Recebeu o candidato para um café. Aguardou que ele falasse, falasse, falasse de toda sua fé e o quanto estava sendo feliz.

Assim que ele pediu a mão de sua filha, Claiton não facilitou. Emudeceu longos minutos. Encarou ambos, respirou fundo e confessou:

– Não lhe dou a mão de minha filha, deixa a mão comigo, tá? Você já tem todo o corpo e alma dela, a mão é minha. A mão é do pai se ela precisar voltar, se ela precisar que eu a puxe de volta. Combinado?

Quando o homem faz um pedido formal de namoro, ele oferece algo muito importante e inesquecível à sua namorada: a declaração de amor do pai.

           Permita essa delicadeza para sua mulher.

" Fio Dental "

ANTONIO PRATA



Fiquei na dúvida se começava esta crônica com “O ser humano não aprende com os próprios erros” ou
 “Os pequenos incômodos, não as grandes tragédias, é que fazem da vida um inferno”.
 
São dois começos tonitruantes, como convém a um tema tão profundo quanto o anunciado no título.

A primeira afirmação tem a vantagem de exprimir uma verdade, mas é esse também o seu defeito: de tão verdadeira soa como uma dessas platitudes escritas em para-choque de caminhão. Já a segunda frase é duvidosa, mas traz ao menos a graça e o suspense da provocação irresponsável: será um calo pior do que um terremoto? Não creio. Um cronista, porém, precisa fazer suas escolhas: entre a fria verdade e uma mentira bem refogadinha, jamais deve titubear, de modo que...

Os pequenos incômodos, não as grandes tragédias, é que fazem da vida um inferno. Veja o caso do fio dental que arrebenta. Tenho 30 dentes na boca, o que resulta em 28 vãos, dos quais 27 não me causam problema algum: o fio entra tranquilamente, desliza de cá pra lá, de lá pra cá e leva embora os tributos indevidos que me recuso a pagar às cáries, ao tártaro e à placa bacteriana. Há um vãozinho, contudo, embaixo e à esquerda, em que os dentes estão próximos demais.

Em meus 37 anos sobre a Terra, encontrei uma única marca de fio dental capaz de penetrar essas encostas mortais e sair incólume. Todas as outras, das diáfanas fitas mentoladas aos robustos cabos oferecidos em banheiros de churrascaria, arrebentam no meio do caminho. Se eles só arrebentassem, tudo bem: a encrenca é que abandonam ali, na zona do agrião (literalmente, dependendo do cardápio) parte de sua matéria, piorando a situação.

Pois bem: eu sei que só uma marca dá conta do recado, que todas as outras se rompem, mas às vezes meu fio dental acaba, ou vou viajar e esqueço de botá-lo na mala – e é aí que chegamos ao para-choque de caminhão.
 
O ser humano, não aprendendo com os próprios erros, tenta se enganar,
 pega o fio dental da mulher e pensa assim: “É só ir com jeitinho, só ir no ângulo certo que vai rolar”. Pronto: o fio entra, rasga e parece que tem um caroço de goiaba empurrando um dente pra cada lado.

O ser humano não só não aprende com o próprio erro, como insiste. Ele inventou a clava e depois a flecha e depois a espingarda e depois a bomba atômica e depois de arrebentar o fio pela primeira vez, o que ele faz? Tenta de novo. E arrebenta de novo. Ele desiste? Sai pra comprar o fio certo? Não: ele resolve enrolar o fio dental, fazer uma espécie de trancinha que, com sua dupla resistência e a fé em Deus, retirará os resíduos alimentares e os fiapos dos companheiros tombados em combate.

A trancinha rasga, claro. Os dentes pulsam, como se houvesse um caroço de azeitona entre eles. É agora que o ser humano desiste? Não. O ser humano vai seguir tentando, com fios triplos, quádruplos, com linhas de costura, de pesca, cabos de aço, de alta tensão, com o Trópico de Capricórnio e a Via Láctea, até que o cansaço ou a humilhação o atirem na cama.

Pensando bem, acho que me enganei ao duvidar que os pequenos incômodos, não as grandes tragédias, é que tornam a vida um inferno – o que me força a admitir que o ser humano, às vezes, aprende com os próprios erros. (Devia ter começado com “Veja o caso do fio dental que arrebenta.”).

" Mulher escrevendo enquanto toma chá "

MARTHA MEDEIROS

Sempre fico insegura na hora de intitular o que escrevo. Meus poemas nunca tiveram título. Nos livros, é a última coisa que escolho (em meio a dúvidas infinitas). E os das colunas refletem a minha preguiça: deveria me esforçar mais para atrair a atenção do leitor, mas depois de já ter me dedicado o suficiente na elaboração do texto, o título é praticamente um resumo do assunto tratado, sem nenhuma acrobacia literária ou jornalística.

Isso explica o fato de eu admirar a simplicidade do título de inúmeras telas expostas nos museus do mundo. São praticamente legendas: Vista de Paris do Apartamento de Theo é o nome do quadro em que Van Gogh mostra os telhados que seu irmão, Theo, vislumbrava todos os dias, ou Campo de Trigo com Cotovia, onde o mesmo Van Gogh, com suas pinceladas geniais, mostra o quê? Um campo de trigo sendo sobrevoado por uma cotovia. Nenhuma charada, nenhuma metáfora, nenhuma gracinha. Van Gogh pintou a si mesmo usando um chapéu de feltro: qual o nome da tela? Autorretrato com chapéu de Feltro. Para que inventar?

É como se a obra dissesse: acredite no que você está vendo. Jovem Camponesa com uma Enxada (Jules Breton), Casa ao Lado da Ferrovia (Edward Hopper), Criança Brincando com um Caminhão (Picasso). Não há dúvida, você está vendo uma camponesa, uma casa, uma criança. E a partir daí, está liberado para descobrir que aquela camponesa é especial, com seu dedo apoiado na face, pensativa em meio ao descanso da lida. E que aquela casa não é uma casa qualquer, mas um ícone da solidão rural diante do crescente progresso. E que aquela criança brincando com um caminhão não é um menino, e sim uma menina, e que os traços decorativos atrás dela não fazem parte de um papel de parede: representam um jardim.

O nome que damos às coisas é apenas um identificador sem maior importância. O que importa é nosso olhar e nosso foco: tudo é único. Cada coisa, cada pessoa, cada gesto, cada segundo é rico de significados e irreproduzível.

Mulher Deitada Lendo. Pelo menos uns 279 artistas poderão pintar um quadro com esse título e veremos 279 representações individuais sobre o mesmo tema. Até mesmo um traço horizontal com um asterisco na ponta pode significar uma mulher deitada lendo.

O título está ali apenas para nos pegar pela mão e nos levar para dentro – de um quadro, de um texto ou até da vida de alguém. Não por acaso, é a primeira coisa que perguntamos diante de um desconhecido: qual o seu nome? E a partir dali aquela Maria Fernanda ou aquele João Paulo terão nos dado a senha para criarmos uma história da qual faremos parte também.

Você pode me ver agora? Uma mulher escrevendo enquanto toma chá de maçã. Sim, é de maçã. Como não é uma tela, e sim uma página de jornal, não pude me alongar. Mas a partir desse título simplório você pulou para o lado de cá.

" Legados da Copa -brasil 2014 "

                                                 por Tânia Rohde Maia
 
A Copa do Mundo irá reunir milhares de pessoas de todo o mundo em um mesmo lugar. Brasileiros e estrangeiros irão circular por aeroportos, trens, rodoviárias e estádios, aumentando o risco de contágio de doenças que têm maior taxa de transmissão por proximidade humana, como a gripe sazonal e o sarampo, mas também as dependentes de vetor-mosquito, como dengue e febre amarela
 
A Sociedade Latino-Americana de Medicina de Viagem divulgou o guia The 2014 FIFA World Cup: Communicable disease risks and advice for visitors to Brazil (Copa do Mundo FIFA 2014: Riscos de doenças transmissíveis e conselhos para os visitantes ao Brasil),
 
enumerando doenças contagiosas prevalentes no Brasil e ressaltando o risco da importação de outras. Recomenda medidas de cuidados pessoais como uso de repelente aos viajantes para zonas de doenças transmitidas por mosquitos como febre amarela e dengue. Outras recomendações importantes são quanto às doenças de origem alimentar ou do consumo de água, como hepatite A, febre tifoide, giardíase e diarréia do viajante. As doenças sexualmente transmissíveis (DST) também são mencionadas, e defende-se o uso de preservativos.
 
A revista The Lancet Infectious Diseases aborda especificamente a dengue e refere que, no período de realização da Copa do Mundo no Brasil, o risco geral de uma epidemia é baixo em Brasília, Cuiabá, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo, mas aumenta no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Manaus.
 
As cidades com o maior risco são Natal, Fortaleza e Recife, em função da sazonalidade das chuvas na região.
 
A gripe é a doença prevenível mais comum em viajantes, mas poucos têm o cuidado de se vacinar contra influenza. No Brasil, a temporada de gripe ocorre de abril a agosto, justificando as campanhas de imunização realizadas. Quanto à entrada de agentes no território nacional, o sarampo deve ser considerado. Em 2000, conseguiu-se interromper a circulação do vírus no país e, desde então, os casos esporádicos da doença são relacionados à importação de outros países. Os viajantes para o Brasil durante a Copa do Mundo devem ser vacinados contra sarampo, caxumba e rubéola, com o objetivo de impedir a introdução do vírus no país, ainda mais considerando os surtos atuais nos EUA (Califórnia, Nova York e Washington) e Canadá (British Columbia e Ontário), países de origem de um significativo número de viajantes para o Brasil. O surto com vírus Chikungunya no Caribe no final de 2013 representa outra ameaça.
 
 
A melhor opção é a prevenção. O governo brasileiro não exige vacinas na chegada ao país. No entanto, como sugestão, os viajantes devem estar com seu calendário atualizado, incluindo vacinas contra influenza, sarampo, caxumba, rubéola, tétano, difteria, coqueluche, hepatite A e hepatite B (se possível meningococo). Recomenda-se vacina contra febre amarela aos visitantes a Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá e Manaus. Como as vacinas geralmente demoram 15 dias para fazer efeito, ainda dá tempo. Para evitar dengue, recomenda-se uso de repelente e roupas de proteção.
 
Medidas simples, como lavar as mãos ou uso do álcool gel e cobrir a face ao tossir, fazem muita diferença. Cuidem para não levar um intruso viral para casa. Esperemos legados positivos desta Copa.

" A tristeza e a fúria "

Na iminência da perda, é comum flagrarmos destemperos grotescos de indivíduos pacatos

                                                       por J.J. Camargo
 
J.J. Camargo: a tristeza e a fúria Edu Oliveira /Arte ZH
Foto: Edu Oliveira / Arte ZH
 
Há tantas e tão imprevisíveis maneiras de expressar sentimentos que desconfio que os psiquiatras trabalham, na avaliação inicial, com modelos padronizados numa espécie de triagem emocional que servirá para definir em qual escaninho operacional aquele distúrbio será colocado.
Mais ou menos o que fazemos com as grandes síndromes de urgência no pronto atendimento.
Convivendo com familiares desesperados pela iminência da perda, é comum flagrarmos destemperos grotescos de pessoas tidas pelos seus como indivíduos pacatos. O turbilhão de conflitos que permeia essas relações, agudizadas pela mistura de medo, ansiedade, impotência e culpa, exige do médico grande maturidade e firmeza, para que se restabeleça a ordem mesmo que todas as setas apontem para o caos.
Quando a moça da recepção pediu ajuda porque um tipo agressivo ameaçava bater em todo mundo se a mãe não internasse logo, a fúria parecia descabida.
A velhinha, com um ar de alienação pacificadora, tinha como única queixa uma leve dor de cabeça recorrente nos últimos anos. Quando me dirigi ao bagunceiro e perguntei que tragédia se abatera sobre ele que lhe causara tanta tristeza, houve uma pausa, como se todos os gestos tivessem sido congelados. Ele, como que atingido em pleno voo, encolheu-se, sentou, e começou a chorar. "Deus não tinha o direito de levar minha filhinha". Ali, sim, havia uma dor de verdade.
Quando o encontrei, dois dias depois na lancheria do hospital, ele sentou comigo, pediu desculpas outra vez, e perguntou: "O Senhor é algum adivinho? Como é que sabia da minha tragédia?".Então, compartilhamos um café e lhe contei uma história que li há muitos anos num livro de contos de Jorge Bucay, um psiquiatra argentino: "Num reino encantado havia um lindo bosque e, dentro dele, um lago de águas transparentes onde se refletiam todas as tonalidades do verde.
 
Nesse lugar maravilhoso, se acercaram para banhar-se, fazendo-se mútua companhia, a tristeza e a fúria. As duas tiraram as roupas e, nuas, entraram no lago. A fúria, apressada como sempre está a fúria, urgida sem saber por que, banhou-se rapidamente e, mais rapidamente ainda, saiu da água. Acontece que a fúria é cega, ou pelo menos não distingue claramente a realidade. Por isso, apressada e nua, pôs ao sair o primeiro vestido que encontrou. E aconteceu que aquele vestido não era o dela, mas o da tristeza...
E assim, vestida de tristeza, a fúria se foi.
 
Indolente e serena, disposta como sempre a ficar onde está, a tristeza terminou o seu banho e, sem pressa, lenta e preguiçosamente, saiu da água. Na margem, deu-se conta de que a sua roupa já não estava ali. Mas, como todos sabemos, se há coisa que não agrada à tristeza, é ficar desnuda. Por isso, vestiu a ún
ica roupa que havia por ali: o vestido da fúria.
 
Conta-se que, desde então, muitas vezes deparamos com a fúria, intransigente, cega, cruel e agastada. Mas, se olharmos com atenção, veremos que essa fúria não passa de um disfarce e que, por trás do disfarce da fúria, na realidade, está escondida a tristeza".
Ficamos abraçados um tempo e, então, ele insistiu em pagar o café.

" Unha - de - Vaca "


Rubem Alves*
Eu nunca as tinha visto assim, tão bonitas quanto neste ano. Claro que as havia notado antes. Mas nada que me comovesse... Árvores comuns, banais mesmo. Se eu tivesse sido o jardineiro, teria escolhido outra. Penso que algo deve ter aconteci­do nos céus para que elas estejam tão floridas na terra. Cobertas de flores brancas, roxas, rosas — e quando se toma uma delas nas mãos se descobre que ela tem a simetria e a dignidade de uma orquídea. A diferença? As orquídeas são flores “esnobes” que custam caro — e estas estão por aí, em todos os lugares. Se eu fosse reescrever o poema de Brecht colocaria o nome delas como uma das felicidades do viver.
 
Ah! Vocês não sabem do que se trata... As palavras estão no vazio... Que flor é essa? Se lhes tivesse dito um nome, então teriam, quem sabe, um perfume a evocar. Ou poderiam dizer: “Tem uma florida bem na porta da minha casa...” Mas eu não lhes disse o nome. E com isso estou lhes roubando uma felicidade. Nietzsche dizia que os homens inventaram nomes para que pudessem ter prazer nas coisas...

Esquisito, não? Não, se pensarmos um pouquinho. Porque o nome é invocação mágica que tem o poder de fazer presente, aí onde você está, a coisa que está ausente, na qual mora a felicidade. A palavra é como uma taça na qual está um pouco da bondade da coisa. Me lembro, de poemas lidos na minha adolescência, do amor de Inês de Castro. E o poeta, como que falando com a jovem, dizia que ela andava “dizendo aos campos e às ervinhas o nome que no peito escrito tinhas...” O nome revela a face da nossa felicidade. E foi por isso que o Criador, depois de terminar de plantar o jardim, estando tudo pronto, determinou que o homem desse nome às coisas. Para que ele descobrisse a felicidade que mora nelas.

E é por isso que fiquei bravo ao me lembrar do nome que lhe deram: tão leve, levíssima, quase uma estrela, orquídea proletária, para todos. E a chamaram de “unha-de-vaca”. Definitivamente um desaforo. Aí, à medida que vou andando (pois todas estas ideias me vêm enquanto ando) recordo-me das razões, ao ver algumas folhas, espalhadas pelo chão. São uma unha-de-vaca, sem tirar nem pôr. Entendo mais: o que inventou esse nome deveria ser uma pessoa que andava com os olhos abaixados, sem grande amor por aquilo que existia à sua volta ou acima da sua cabeça. A posição da cabeça faz toda a diferença. A depressão olha para baixo. Pois, se por acaso olhasse para cima, a coisa seria toda outra, porque só se as vacas estivessem voando. Pois é isto que a folhagem da árvore sugere. Centenas, milhares de unhas-de-vaca, balançando ao vento. E quero crer que, se o pintor Chagall tivesse vivido entre nós, teria acrescentado ao asno voador que ele coloca no céu de suas telas, também as vacas voadoras que carregam flores nos seus chifres. Pois não é isto? Vacas floridas. E me contestarão, dizendo que vacas, por serem pesadas e destituídas de asas, não podem voar, jamais. Ao que eu responderia que qualquer bicho que carregue tantas flores nos chifres tem, obrigatoriamente, de voar. Pois é esta a função da beleza: tornar leves as coisas que são pesadas. E descubro, de novo, minha irmandade com o Guimarães Rosa, que dizia que a coisa não está nem na partida, nem na chegada, mas na travessia.
 
Não quero chegar. Quero continuar a andar, sob as vacas voadoras. Vejo suas unhas recortadas nas folhas. Mas sei que são as flores que têm na ponta dos chifres que as fazem voar. Não, não é preciso ir a lugar algum. Basta andar por aí, sem destino, para começar a voar também...
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* Educador. Escritor.
Fonte: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/05/ig_paulista/177589-unha-de-vaca.html

" Que bonito é ... "

CLÁUDIA LAITANO
que bonito é...




Dois argumentos a favor da paixão pelo futebol sempre comoveram este mole coração ateu. O primeiro é aquele da memória de infância, do guri levado pela primeira vez ao estádio pelo pai e que aprende a associar a paixão pelo clube àquela experiência original de afeto e inserção familiar. O segundo é o da utopia de um repertório afetivo comum a ricos e pobres, intelectuais e analfabetos, jovens e velhos. O futebol como um Google Tradutor instantâneo de afinidades esteja você na Ucrânia, na África ou no interior do Ceará, seja você operário ou patrão. Que bonito é.


É possível que o futebol como legado de pais para filhos nunca tenha sido tão importante quanto nos dias de hoje. São escassos os patrimônios simbólicos suficientemente estáveis a ponto de criarem a percepção de que podem sobreviver de uma geração para a outra. Valores morais, convicções políticas ou religiosas e tradições familiares tornaram-se fluidas e cambiantes. O time de coração, por sua vez, ainda sugere permanência, passagem de bastão, afirmação de identidade. Não é de se espantar que os pais se apressem a pendurar a camiseta do clube na porta do quarto da maternidade. Não haveria muitos outros símbolos para exibir ali com tanta convicção.

A fantasia de que a paixão pelo futebol permanece acima da divisão de classes, por sua vez, anda cada vez mais difícil de ser sustentada no mundo real das arenas padrão Fifa. Em sua palestra no Fronteiras do Pensamento na última segunda-feira, o americano Michael Sandel, professor de ética em Harvard, lembrou o tempo em que a diferença de preços dos ingressos nos estádios de beisebol não passava de US$ 3.

O patrão e o empregado sentavam lado a lado, enfrentavam a mesma fila nos banheiros e comiam o mesmo cachorro-quente gordurento. Nos últimos 30 anos, observa Sandel, lá como aqui, os estádios passaram a reproduzir a lógica do apartheid social de escolas, shoppings, hospitais, parques. Ricos para um lado, pobres (se chegarem lá) para o outro. A falta de espaços de convivência entre pessoas de diferentes origens e perfis, sustenta o filósofo, estaria corroendo um dos fundamentos da democracia: a percepção de que, mesmo que alguns cheguem ao estádio de ônibus e outros de carro importado, todos fazem parte da mesma torcida/nação – e se reconhecem uns aos outros.
Adicionar legenda

É possível que a divisão dos brasileiros em relação a esta histórica Copa do Mundo, embretados entre a paixão nacional e a indignação com tudo o que não dá certo no país, esteja refletindo não apenas a crise de um sistema que favorece a descrença na representação política, mas também, em alguma medida, a nostalgia dos tempos em que o estádio de futebol era o último espaço onde ainda era possível sonhar com um país um pouco menos desigual e cindido.

                                    Que bonito era.
 
Adicionar legenda
 
 

" Comportamento " ...

PROFESSORES E ESTUDANTES NAS REDES

               Existem limites na relação virtual?

A MELHOR MANEIRA de interagir com alunos e pais em redes sociais é dúvida frequente entre os educadores. Tem quem separe perfil pessoal do profissional e aqueles que aceitam todos os convites. Escolas não têm o costume de impor normas

Entre os dois perfis mantidos no Facebook, a diferença fica evidente pelo título que antecede o nome em um deles: “professora”. À frente de uma turma de 5º ano no Colégio Marista Rosário, de Porto Alegre, Katherine Bridi optou por separar, no universo virtual, as esferas pessoal e profissional de sua vida, adaptando os conteúdos postados.

Dúvidas sobre a melhor maneira de se relacionar com alunos e pais nas redes sociais são frequentes no dia a dia de quem atua na área da educação. É preciso aceitar todos os convites de amizade? Deve-se discutir questões da sala de aula via chat? É adequado postar fotos dos períodos de lazer? Aos 28 anos, Katherine é querida pela turma e valoriza o contato extraclasse, mas sempre com cautela. Na página particular, liberada para amigos e familiares, estão fotos de viagens, ao lado do noivo, em festas. Na profissional, exibe dicas e links relacionados às disciplinas do currículo e também alguns registros da rotina longe da escola, mas com restrições.

– Sempre tive a convicção de que não aceitaria alunos no perfil pessoal. Não que eu faça algo fora do comum, mas quero me preservar – justifica.

Os mestres acabam encontrando soluções variadas para administrar o interesse que cerca sua presença na internet. Há quem altere a grafia do nome ou utilize o sobrenome menos conhecido para dificultar as buscas e não ter de barrar usuários. Outros liberam o acesso apenas a ex-alunos ou só para adolescentes a partir de determinada idade.

Dimis Silveira, que leciona inglês, decidiu não recusar nenhum convite – soma quase 5 mil amizades no Facebook. Nos últimos dias, compartilhou fotos dos filhos no apartamento próprio recém-adquirido e recebeu centenas de curtidas e comentários com felicitações.

– Os alunos te veem como um ser humano que também tem família, tem gostos. Mas dou limite, tem coisas que não falo. Não passo nota nem pareceres. Digo para me procurar em aula – explica Silveira.

" A arte da pechincha "


 
 Na Holanda, uma senhora que me atendia me passou o preço de um suvenir. Respondi: “Pela dúzia?”

Adoro pechinchar. Sou capaz de discutir por centavos. Como toda arte, a pechincha exige talento e disposição. Em Israel e na Turquia, conheci templos, cidades subterrâneas, lugares que fazem parte do patrimônio cultural da humanidade. Mas uma das minhas melhores recordações são as lutas por desconto nos mercados árabes. Em Israel, ao discutir o preço de uma mala comum, ouvi o que considero o maior elogio, de um vendedor árabe.– Mister, you are so hard!

E chegou no meu preço!

Em Istambul, cheguei a ponto de devolver um kit de temperos de US$ 30. Eu só chegava a US$ 10. Fingi que ia embora, o vendedor correu atrás de mim, entregou o kit e levou os US$ 10.

Um dos segredos na pechincha é ter cara de pau. Seja onde for. Na Holanda, perguntei o preço de uma lembrança num quiosque de produtos típicos. A velha senhora que me atendia deu o valor. Respondi: “Pela dúzia?”.

Seguiu-se uma briga de duas horas por cada tamanquinho de porcelana, miniatura de moinho de vento ou camiseta com a palavra Amsterdam. Um casal de japoneses acompanhava a cena surpreso. A mulher chegou a inquirir um amigo que me acompanhava nas compras: – Como você suporta ficar perto desse sujeito?

Como acontece em todos os lugares do mundo, ela disparou o mais antigo refrão dos vendedores: – Se eu vender por esse preço, serei demitida.

Respondi que não acreditava, que ganharia aumento por vender tão caro. Durante a batalha, falamos de nossas vidas. Com cerca de 80 anos, respondeu que era viúva duas vezes e não pretendia casar mais, para não ter de fazer café e cuidar de marido.
– Já enterrou dois, enterre o terceiro – disse eu.

Rimos. Uma boa discussão sobre pechincha entra em intimidades, brincadeiras capciosas, falsas agressões. Terminamos quase nos abraçando, enquanto eu pagava as compras.

Nos mercados árabes, o vendedor só respeita quem pechincha. Fica até um pouco decepcionado quando alguém aceita o primeiro preço. O segredo é começar com um décimo do valor pedido. Ou perguntar se aquele é o preço da loja toda, não do tapete. Muitas vezes, terminei tomando chá com eles, satisfeitos, nos olhando com respeito mútuo.

Muita gente tem vergonha de pedir desconto. Bobagem. Seja nas feiras livres ou nos grandes magazines, desconto sempre é possível. Em loja de cadeia de eletrodoméstico, o vendedor diz que não, não. Depois responde:
– Vou ver o que posso fazer.

Entra no computador. Pois é. O programa já sugere várias categorias de preço. A tabela e aquele para quem guincha como um porco estripado. Em certo momento, ele diz: – Cheguei ao máximo. O computador não aceita abaixo disso.

É a hora de chamar o gerente. Aí vem uma autorização extra! Mais abaixo! Já consegui, em empresas que montam cozinhas e armários embutidos, meus 60%. Essas empresas trabalham com margens boas de lucro, estão abertas a alternativas de pagamento, diferenças à vista ou parcelado.

Em lojas elegantes, que oferecem cafezinho e taça de champanhe, com vendedoras bem trajadas, parece até feio pedir desconto. Não é. A maioria só não pede porque parece falta de fineza chorar preço. Um aviso: o dinheiro é meu, é seu. Defendê-lo é justo. Se, depois, algum vendedor me chamar de miserável pelas costas, qual o problema? Fui fazer uma compra, não estabelecer amizade. De fato, os vendedores tendem a se tornar mais amigos de quem pechincha. Na discussão, trava-se uma relação mais próxima, mais humana e divertida.

Outro dia, fui a uma loja de utensílios domésticos, num shopping sofisticado. Me interessei por uns vasos. Na guerra estabelecida, veio a gerente. Ela ligou ao supervisor, para chegarmos a 5% em três vezes. Pouco, mas melhor que nada. Mesmo grandes grifes masculinas se deixam vencer, também nos 5%. Que sensação agradável, um desconto!

Em outras, reconheço, desconto é impossível. São joalherias, onde um brinco ou relógio custa uma grana. Choro, choro e parcelo em dez vezes sem acréscimo, no cartão. Aí, já na porta, lamento com a gerente:
– Mas nem um presente você vai me dar?

Já descolei uma carteira de couro para passaporte, uma manta lindíssima de cashmere. Se compro uma caixa de charuto, saio com cinzeiros, isqueiros, o que estiver dando sopa. Seja na feira ou no shopping, meu negócio é pechinchar. Só é preciso perder a timidez e ir em frente. No final, dá uma incrível sensação de vitória!

" O PIB do fracasso "

  EDITORIAL O ESTADÃO

A economia brasileira vai continuar anêmica, sem fôlego para crescer como outros emergentes e sem força, ainda por um bom tempo, para enfrentar os principais competidores. O Brasil seguirá perdendo o jogo por falta de eficiência e de capacidade produtiva.
Esta é a pior notícia embutida nas contas nacionais do primeiro trimestre, balanço de um desempenho abaixo de pífio, com crescimento de apenas 0,2% em relação aos três meses finais de 2013. Projetada para um ano, essa taxa corresponde a pouco mais de 0,8%, em termos acumulados, mas até esse resultado já parece acima das possibilidades, segundo alguns analistas. Mas o detalhe mais negativo é outro: o País permanece condenado a crescer muito menos do que poderia, se fosse governado com alguma competência, porque a taxa de investimento produtivo, já muito baixa nos últimos anos, voltou a cair.

Nos primeiros três meses deste ano o governo e o setor privado investiram em máquinas, equipamentos, instalações e obras de infraestrutura apenas 17,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa proporção, um ano antes, era de 18,2%. Em outros emergentes essa proporção raramente fica abaixo de 24% e em muitos casos passa de 30%. Na China, tem superado os 40%.

Uma comparação mais completa, e até mais negativa para o Brasil, deveria incluir os números e a qualidade da mão de obra disponível. Não basta gastar mais em educação e promover a multiplicação de vagas de grau superior, se a formação é ruim nos cursos fundamental e médio e a maior parte das faculdades produz mais diplomas do que competências.

O investimento em queda e a indústria estagnada são os detalhes mais assustadores do quadro divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com os novos números do Produto Interno Bruto. A taxa de investimento chegou a 19,5% no primeiro trimestre de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff ainda se acomodava no gabinete principal do Palácio do Planalto. Caiu, a partir daí, para 18,8%, nos primeiros três meses de 2012; para 18,2%, um ano depois; e para 17,7%, no trimestre inicial de 2014.

A queda comprova mais uma vez o fracasso, nada surpreendente, da estratégia seguida neste governo e em parte implantada no governo anterior. Falhou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O plano de concessões de infraestrutura, mal concebido e mal executado, demorou a deslanchar e pouco avançou. Os financiamentos com recursos federais privilegiaram grandes empresas do próprio governo e grupos selecionados para tornar-se campeões. Os estímulos fiscais beneficiaram indústrias selecionadas e favoreceram muito mais o consumo do que a produção. O sistema tributário, irracional e absurdamente oneroso, permaneceu quase intacto. Enquanto isso, o governo continuou gastando, intervindo na economia de forma desastrada e perdendo credibilidade.

O péssimo desempenho da indústria, com recuo de 0,8% nos primeiros três meses e crescimento de apenas 2,1% em quatro trimestres, também mostra a falência de um estilo de política econômica. O protecionismo foi incapaz de impedir a conquista de fatias crescentes do mercado interno pelos produtores estrangeiros. Além disso, seria inútil como instrumento de competitividade para os fabricantes nacionais atuarem no mercado externo. Isso foi sempre óbvio. Mas o governo, com apoio de parte do empresariado, preferiu reeditar um modelo defensável, há décadas, quando ainda tinha sentido falar de indústria nascente.

Mais uma vez a agropecuária impediu um desastre maior. Sua produção no primeiro trimestre foi 3,6% maior que nos três últimos meses do ano passado. Em 12 meses, o crescimento acumulado chegou a 4,8%, enquanto a expansão do PIB total continuou em 2,5%, a mesma taxa de 2013. Este é o número revisto. O dado anterior (2,3%) foi revisto depois de atualizada a pesquisa do setor industrial. Essa atualização pouco afetou o quadro geral do ano passado e as perspectivas deste ano. A estatística melhorou, mas a política é tão ruim quanto antes.

" Um homem e seus cigarros "

Artigo Zero Hora


ENIO LEITE CASAGRANDE
Cardiologista, coordenador do Serviço de Checkup do Hospital Moinhos de Vento
 
Há alguns anos, atendi um cidadão de 60 anos, fumante pesado, 40 a 60 cigarros por dia.
 
Foi taxativo: eu quero acabar com isso antes que isso acabe comigo!
Chamou-me atenção a determinação daquele homem. Os melhores resultados do tratamento antifumo oscilam em torno de 35% de abstinência em um ano e era o que eu poderia oferecer-lhe. Caberia a ele arcar com os outros 65%. A ajuda dos familiares e amigos é fundamental. A escolha da data é relevante e ele já havia definido: decidira presentear-se no Natal.
 
Expliquei as etapas do tratamento, os gatilhos (hábitos que suscitam o desejo de fumar: cafezinho, chope, ligar a TV etc.), a síndrome de abstinência _ irritabilidade, mau humor e uma vontade incontrolável de fumar, e a “fissura” que consiste em mandar tudo às favas e agarrar-se ao cigarro mais próximo.
 
Uma dieta saudável e exercícios físicos melhoram a disposição, ajudam na superação da abstinência, no controle do peso e na prevenção da depressão. Ele ouviu atentamente e concordou: enfrentaria o desafio. Iniciou o tratamento, e parou de fumar no Natal.
 
 No dia 31 de dezembro me ligou tomado por uma terrível crise de abstinência que o estava levando à fissura.
 
Recomendei que usasse os tabletes de nicotina (cada um equivale a quatro cigarros). Na consulta seguinte, contou-me que se pusera a cheirar desesperadamente um cigarro, com o sentimento de que estivesse se despedindo de um ente querido.
 
 O tratamento prosseguiu, ele conseguiu lidar com os seus tormentos. Foi uma árdua travessia, e ao cabo de 12 semanas já não fumava. Chegara ao seu destino, conquistara a duras penas o troféu: estava livre do fumo.
 
 Após seis meses, teve síndrome de abstinência. Novo tratamento, a crise foi debelada e abrandaram-se as turbulências. Vários verões depois, recebi um telefonema na praia. Voz alegre, meu paciente lembrou-me: neste verão completam-se 10 anos que parei de fumar e me tornei um cara saudável!

 

Este relato _ de uma situação real _ é também uma reflexão sobre os principais aspectos do tratamento antitabágico e as dificuldades e armadilhas da dependência de nicotina. Determinação e participação ativa do paciente, família e amigos fazem a diferença.

" Uma nova imprensa "


 

Artigo Zero Hora

ANTÔNIO GOULART
Jornalista, diretor da Associação Riograndense de Imprensa (ARI)


O 1º de junho assinala o Dia Nacional da Imprensa. Seu referencial é o primeiro jornal autenticamente brasileiro _ o Correio Braziliense _ surgido na mesma data do ano de 1808. Seu criador, editor, redator e até revisor foi o gaúcho Hipólito José da Costa. O periódico era confeccionado e impresso em Londres e, por ser um crítico da Coroa portuguesa, que mandava no Brasil, só chegava aqui de forma clandestina. Circulou durante 14 anos, com 175 edições.
Passados mais de dois séculos e ao longo de variadas transformações, a imprensa vive hoje um momento de transição. Diante do impacto dos novos meios de comunicação, após o advento da internet e das modernas tecnologias, é notório que os tradicionais veículos impressos de todo o mundo estão em busca de saídas. O objetivo é não perder terreno para o que se chama agora de novas plataformas.
Há controvérsias quanto ao que está por vir. Mesmo com previsões de que o ciclo do impresso em papel esteja por se encerrar, não se pode vislumbrar um desfecho a curto prazo. Tudo aponta para uma convivência harmônica, como já está ocorrendo, entre o passado e o futuro, entre o analógico e o digital, entre o jornal manuseável e o jornal online.
A perspectiva saudável deste panorama incerto é que os leitores estão sendo beneficiados com o resultado do esforço dos nossos veículos em se adaptar aos novos tempos, sem romper com as antigas fórmulas de apresentar seus textos.
No ritmo das crescentes transformações, está surgindo, sem dúvida, uma nova imprensa, muito diferente daquela iniciada por Hipólito da Costa. Um aspecto, porém, não mudou e nem vai mudar. A função primordial e tradicional do jornalismo deve continuar intocável: saber distinguir o que é verdadeiro do que é falso. E só divulgar o que é verídico.
No fundo, o tempo parece não afetar essa atividade ímpar. Quando a imprensa brasileira dava seus primeiros passos, no início do século 19, o filósofo alemão Hegel (1770-1831) cunhou esta frase: “A leitura dos jornais é a prece matutina do homem moderno”. E, com certeza, ainda vai continuar sendo, de um jeito ou de outro.

" Guerra Digital "

Editorial Zero Hora


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A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está convidando candidatos à Presidência da República, representantes de partidos políticos e de provedores de internet para um acordo que contenha a guerra suja nas redes sociais motivada pela campanha eleitoral. A intenção é boa, mas o maior efeito do encontro marcado para terça-feira, em Brasília, será fazer um alerta para os usuários não se deixarem levar pela propaganda enganosa e pela difusão de acusações falsas e maldosas. O melhor que se pode fazer é colocar as pessoas sensatas a serviço de uma cultura de responsabilidade que resulte em maturidade digital, garantindo resultados mais eficientes com oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias.

Legalmente, o uso da internet para propaganda política estaria liberado apenas no dia 6 de julho, depois de encerrado o prazo de pedido de registro de candidatos à Justiça Eleitoral. Há alguns meses, porém, multiplicam-se casos de propaganda virtual, valendo-se sobretudo de redes sociais, que ampliaram consideravelmente o número de usuários desde a última eleição presidencial. Os problemas, porém, não estão na publicidade explícita, e sim nos casos dúbios e, principalmente, nos relacionados a um lado perverso dos internautas: o de valer-se do anonimato para disseminar informações claramente forjadas com o objetivo de favorecer ou prejudicar um determinado candidato.

Diante dos orçamentos cada vez mais elevados das campanhas eleitorais no Brasil, uma das muitas vantagens oferecidas pela internet é a de contribuir para a redução dos gastos. Além disso, permite contato instantâneo com os eleitores, fazendo com que praticamente todos os candidatos em busca de votos se disponham a explorá-la ao máximo neste ano. A questão, num território livre como a rede, é que se pode no máximo evitar os excessos cometidos tanto pelos próprios candidatos quanto por suas assessorias e mesmo simpatizantes.

Eleições éticas dependem de mobilizações como as responsáveis pelo Ficha Limpa e as que cobram mudanças no financiamento de campanha e menos jogo sujo na internet. Por isso, iniciativas bem-vindas como o pacto pretendido pela OAB precisam apelar acima de tudo ao bom senso dos usuários das redes, para que não se deixem enganar, nem contribuam com a difusão de calúnias e injúrias.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Nossos pressupostos equivocados nos podem liquidar
Leonardo Boff*
Ao não concedermos um sábado, biblicamente falando, para a Terra descansar, a extenuamos, a mutilamos e a deixamos adoecer quase mortalmente, destruindo as condições
de nossa própria subsistência.

Inegavelmente vivemos uma crise dos fundamentos que sustentam nossa forma de habitar e organizar o planeta Terra e de tratar os bens e serviços da natureza. Na perspectiva atual eles são totalmente equivocados, perigosos e ameaçadores do sistema-vida e do sistema-Terra. Temos que ir além.

Dois pais fundadores de nosso modo de ver o mundo, René Descartes(1596-1650) e Francis Bacon(1561-1626) são seus principais formuladores. Viam a matéria como algo totalmente passivo e inerte. A mente existia exclusivamente nos seres humanos. Estes podiam sentir e pensar enquanto os demais animais e seres agiam como máquinas, destituídas de qualquer subjetividade e propósito.

Logicamente, essa compreensão criou a ocasião para que se tratasse a Terra, a natureza e os seres vivos como coisas que podíamos dispor à bel-prazer. Na base do processo industrialista selvagem está esta compreensão que persiste ainda nos dias de hoje, mesmo dentro das universidades, ditas progressistas, mas reféns no velho paradigma.

As coisas, no entanto, não são bem assim. Tudo mudou quando A. Eistein mostrou que matéria é um campo densíssimo de interações; mais ainda, ela, de fato nem existe no sentido comum da palavra: é energia altamente condensada; basta um centrímetro cúbico de matéria, como ouvi ainda em seu último semestre de aulas na Universidade de Munique em 1967 Werner Heisenberg, um dos fundadores da física das partículas subatômicas, a mecânica quântica, dizer que se esse pouco de matéria fosse trasnsformado em pura energia poderia desestabilizar todo o nosso sistema solar.

Em 1924 Edwin Hubble (1889-1953) com seu telescópio no Monte Wilson no sul da Califórnia, descobriu que não temos apenas a nossa galáxia, a Via Láctea, mas centenas (hoje cem bilhões) delas. Notou, curiosamente, que elas estão se expandindo e se afastanto duma das outras com velocidades inimagináveis. Tal verificação levou os cientistas a imaginar que o universo observável era muito menor, um pontozinho ínfimo que depois se inflacionou e explodiu dando origem ao universo em expansão. Um eco ínfimo desta explosão pode ser ainda identificado permitindo a datação do evento, ocorrido há 13,7 bilhões de anos.

Mas uma das maiores contribuições que vem demantelando o velho olhar sobre a Terra e a natureza nos vem do prêmio Nobel de química o russo-belga Ilya Prigogine (1917-2003). Ele deixou para trás a concepção da matéria como inerte e passiva e demonstrou, experimentalmente, que elementos químicos, colocados sob certas condições, podem organizar-se a si próprios, sob complexos padrões que requerem a coordenação de trilhões de moléculas. Elas não precisam de instruções, nem os seres humanos entram em sua organização. Sequer existem códigos genéticos que guiem suas ações. A dinâmica de sua auto-organização é intrínseca, como aquela do universo e articula todas as interações.

O universo é penetrado por um dinamismo auto-criativo e auto-organizativo que estrutura as galáxias, as estrelas e os planetas. De tempos em tempos, a partir da Energia de Fundo, ocorrem emergências de novas complexidades que fazem aparecer, por exemplo, a vida e a vida consciente e humana.

Toda essa dinâmica cósmica tem seus tempos próprios, tempo das galáxias, das estrelas, da Terra, dos distintos ecossistemas com seus representantes, cada um também com o seu próprio tempo, das flores, das borboletas etc. Especialmente os orgnismos vivos têm seus tempos biológicos próprios, um para os micro-organismos, outro para as florestas, outro para os animais, outro para os oceanos, por fim, outro para cada ser humano. Completado seu tempo, ele parte.

Que fizemos nós modernamente para gestar a crise atual? Inventamos o tempo mecânico e sempre igual dos relógios. Ele comanda a vida e todo o processo produtivo, não tomando em conta os demais tempos. Submete o tempo da natureza ao tempo tecnológico (certa árvore demora 40 anos para crescer, e a motoserra a derruba em dois minutos). Não alimentamos nenhum respeito para os tempos de cada coisa. Assim não lhe damos tempo de se refazer de nossas devastações: poluimos os ares, envenenamos os solos e quimicalizamos quase todos os nossos alimentos. A máquica vale mais que o ser humano.

Ao não concedermos um sábado, biblicamente falando, para a Terra descansar, a extenuamos, a mutilamos e a deixamos adoecer quase mortalmente, destruindo as condições de nossa própria subsistência.

Neste momento estamos vivendo num tempo em que a própria Terra está tomando consciência de sua enfermidade. O aquecimento global sinaliza que ela vai entrar num outro tempo. Se continuarmos a feri-la e não a ajudarmos a se estabilizar num outro tempo, podemos começar a contar as décadas que inaugurarão a tribulação da desolação. Por causa de nossos equívocos não conscientizados e formulados há séculos, não os corrigimos e que teimosamente os reafirmamos.
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* Teólogo.Filósofo. Escritor. Conferencista. Educador.
Com Mark Hathaway escrevi O Tao da libertação, premiado nos USA em 2010 com a medalha de ouro em nova ciência e cosmologia.
Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2014/05/30/
  Descubra cinco dicas para se tornar mais criativo

Pensamento inovador é altamente valorizado e depende de experiências inusitadas

 
Descubra cinco dicas para se tornar mais criativo Stock.xchng/Stock.xchng
Alterar a perspectiva e analisar o problema dentro de outros contextos auxilia a propor novos conceitos          
O pensamento criativo é um diferencial importante em praticamente todos os ramos de atuação. A criatividade é uma função altamente sofisticada do cérebro humano, que de tempos em tempos nos surpreende com uma visão diferente, inédita e altamente efetiva sobre determinado problema.
Segundo o neurologista Leandro Teles, a solução criativa aflora quando conseguimos driblar os caminhos do raciocínio lógico sequencial. Quando escapamos do óbvio e alcançamos uma visão alternativa, diferente da média da população.

A criatividade resolve elegantemente inúmeros problemas do dia-a-dia e é altamente valorizada social e profissionalmente.

— Pensar diferente, de forma não ortodoxa, lançar um foco novo sobre um dilema antigo, isso é criatividade. Fazer os outros enxergarem aquilo que sempre esteve diante deles, criar atalhos mentais, surpreender o cérebro alheio gerando a famosa pergunta: como eu não pensei nisso antes? Para isso, devemos desenvolver uma série de modalidades cognitivas, colocá-las em prática e, enfim, colher os frutos— explica o especialista.

O médica enumera e esclarece cinco passos fundamentais para quem quer se tornar mais criativo:
Direito ao erro
Quem quer ser criativo tem, obrigatoriamente, que se permitir o erro. O que diferencia a ideia genial da absolutamente equivocada é, muitas vezes, um detalhe. O raciocínio lógico e de senso comum é menos fadado ao erro. O criativo arrisca mais, inventa, testa, ousa… com isso paga seu preço: erra bem mais.

Mudar a visão do problema
Se quiser ver o que ninguém viu, precisa olhar as coisas como ninguém ainda olhou. Mude a visão do problema! Dê um passo pra trás e olhe tudo de longe, aperte os olhos, desfoque. Se coloque na visão de outras pessoas, brinque de resolver o problema em outros contextos. Você vai ver como o cérebro irá traçar caminhos novos e pode surgir um conceito inédito a ser trabalhado.

Conhecer os caminhos já trilhados
Não é fácil fugir do lugar comum se não conhecemos o lugar comum. Tentar ser criativo sem determinar o que já foi dito, pensado e sentido sobre o problema é perder tempo. Conhecer as trilhas já abertas ajuda a evitá-las. Busque criar atalhos, fundir conceitos, condensar. Estude o assunto, sob vários aspectos, pesquise, não menospreze tudo que já foi feito sobre ele antes. Conhecimento e visão são modalidades fundamentais para as pessoas altamente criativas.

Dar liberdade ao cérebro
O raciocínio criativo precisa do cérebro apto a alçar voos livres e complexos. O cérebro humano é fruto de genética, vivência e contexto. A genética é imutável, cada um nasce com um potencial criativo. Mas a vivência e o contexto estão em nossas mãos! Alimente-se de experiências novas, diferentes, inusitadas. Conheça pessoas, culturas e artes em todas as suas formas. Seja uma esponja de soluções criativas. Saia do escritório, afrouxe a gravata, medite, corra na praia, aguarde a resposta olhando uma lagoa em um dia ensolarado, etc. A resposta não tradicional surge, muitas vezes, em momentos não tradicionais. O repouso e o sono também são fontes criativas.

Entenda e use a intuição
Sexto sentido, o que tem de ciência nisso? Tudo. O que chamamos de intuição é um tipo peculiar de raciocínio dissociado de linguagem. Surge um conceito pronto sem o rastro da lógica. Não dá pra argumentar, explicar, traçar a linha que justifica a conclusão. Ela aflora geralmente de divagações do hemisfério direito do cérebro (uma vez que a linguagem fica geralmente no hemisfério esquerdo). Não a menospreze, nem dê a ela ares de magia e misticismo sem credibilidade. Pessoas criativas exercitam, valorizam e expressão suas intuições. Dê vazão, com bom senso, a suas sensações pouco ancoradas na lógica e na razão.
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FONTE: ZH on line

" Todo mundo tem ideias " ...

 A diferença está em quem decide concretizá-las", afirma professor

Não basta ter talento.

"Todo mundo tem ideias. A diferença está em quem decide concretizá-las", afirma professor Divulgação/Dynamic Encounters

Charles Watson ministra curso sobre o processo criativo na Capital

Você acha que talento é fundamental para ter ideias criativas? Especialista no tema, Charles Watson se esforça para derrubar essa crença. Para ele, o que impede as pessoas de se destacarem no universo das ideias novas é... a preguiça. O artista e educador escocês está de volta a Porto Alegre neste fim de semana para ministrar o primeiro módulo de seu prestigiado curso "O Processo Criativo".

Formado em Arte e Literatura pela Bath Academy/Bath University na Inglaterra, Watson leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, desde 1982. Durante o workshop, que é recomendado pela University of Arts de Londres, o professor busca demonstrar que a semelhança entre os processos criativos é maior do que a diferença entre linguagens.

Leia a seguir a entrevista concedida por Watson a ZH por telefone.

Zero Hora — Você acredita que exista predisposição à criatividade?
Charles Watson - Não. Muitas pesquisas apontam que talento, se é que existe, tem uma importância muito pequena numa vida criativa.
ZH — Por quê?
Watson — Porque as pessoas que são vistas como "os grandes talentosos", como Tiger Woods, Michael Johnson, Mozart ou Michelangelo, por exemplo, começaram a ter um contato diário com os seus assuntos com três ou quatro anos de idade. E Mozart não era uma gênio quando ele tinha oito anos. Ele era, talvez, um menino prodígio em poder aprender piano, mas ele era também uma pessoa obcecada desde os quatro anos com o instrumento. O pai dele era um professor de música já com dois livros publicados sobre isso. Mozart fez seu primeiro grande trabalho com 21 anos de idade. Ou seja, 17 anos depois de uma relação diária de internalização das regras da sua área de atuação, a música. Não estou dizendo que não existe habilidade inata de algumas pessoas para fazer certas coisas, mas a pesquisa mostra que, por exemplo, entre crianças bem dotadas no violino ou piano, são pouquíssimas que crescem para fazer uma vida criativa. Isso é um dado que poucas pessoas conhecem. As pessoas que parecem fazer a diferença não a fazem por causa de habilidades inatas. Aliás, Tiger Woods fala que o que fez a diferença na sua carreira foi o que ele chama de controle mental, uma coisa que seu pai o ensinou desde pequeno para superar as dificuldades que ele tinha como golfista. Woods tinhas desvantagens em termos de esforço, em termos do próprio corpo e ele aprendeu a pensar diferente para superar essas dificuldades. Isso é muito comum na vida das pessoas que fazem a diferença nas suas áreas. No entanto, a população em geral adora ter uma ideia de que "veio do céu", "o cara nasceu assim", "Deus abençoou ele", isso é bobagem. Em um estudo prolongado sobre criatividade, nada sustenta isso.

ZH — O que bloqueia o processo criativo?
Watson — A preguiça. Todo mundo tem ideias. Quando você tem uma ideia que acha muito especial, você pode contar com o fato de que outras 250 mil pessoas tiveram essa ideia. A diferença está em quem decide concretizá-la e isso envolve intenso trabalho. Quando você lê um trechinho em um romance que te toca muito, em nove vezes de dez vezes, te toca porque também é uma coisa que você pensou ou sentiu. A diferença é que o mestre menciona isso, enquanto você deixou passar. Então, na verdade, o papel do escritor, do artista ou de qualquer pessoa envolvida em atividades criativas, é colocar um farol nas coisas que ficaram cinzentas na vida. Em toda a história da arte não tem mais do que sete assuntos e, sendo assim, o que importa não são os assuntos novos, mas a maneira de abordá-los para parecer que estão sendo vistos pela primeira vez. A questão principal sobre o curso é que, em uma entrevista com um artista que faz a diferença ou com um cientista que faz a diferença, se vai descobrir que não tem a ver com a especificidade das suas linguagens, mas com o tipo de personalidade, que tolera muito trabalho. Não só tolera, mas que também tem uma relação passional com o que faz. Quando você é passionalmente envolvido com o que faz, não sente que as suas horas de investigação são um sacrifício, você quer estar no lugar que traz mais significado para você. E o produto que surge não é a sua meta, a sua meta é estar fazendo o que te traz significado. O produto acaba decorrendo disso. É o que se chama de atividade autotélica, cujo significado é nela mesma.

ZH — Como é o curso que será ministrado a partir desta sexta-feira em Porto Alegre?
Watson — O curso é composto por uma série de palestras interativas. Há interação com plateia, mas são palestras sobre o processo criativo e algo que se pode chamar de comportamento otimizado. Isso quer dizer, quem são as pessoas que fazem a diferença dentro das suas áreas de trabalho, como é o pensamento delas em termos criativos, em termos de levar um assunto até as últimas consequências e se destacar dentro de um contexto de criação, seja isso na área empresarial, na área da literatura, coreografia, arte e etc. Parte do princípio que, a partir de um certo ponto de investigação, a semelhança entre os processos criativos é maior do que a diferença entre as linguagens. Ou seja, se eu faço uma entrevista com evolucionista ou com um bioquímico que está na linha de frente da sua área, vou ter uma entrevista que se assemelha em muitos sentidos com a entrevista com um artista que está na frente na sua área também. Apesar de existirem diferenças evidentes no sistema de pensamento de ciência e arte, também há muitas semelhanças. Por exemplo: se Picasso não tivesse vivido, a gente não teria tido um quadro como Guernica. Agora, se Watson e Crick nunca tivessem vivido, outra pessoa teria descoberto o DNA. Concorda?

ZH — Acho que sim...
Watson — É evidente que sim, porque o DNA foi descoberto. É fruto de um processo de investigação convergente. Isso quer dizer que há uma resposta em algum lugar, ela existe. Cabe a alguém descobrir. Guernica não existia já feita em nenhum lugar, é um produto de uma investigação extremamente particular de um artista. Nenhuma outra pessoa teria pintado Guernica. Essa é a diferença entre pensamento convergente e pensamento divergente. E um processo criativo é fruto da capacidade de criar uma ponte entre essas duas maneiras de pensar.

ZH — De tudo que você transmite aos alunos, qual é a lição que mais gostaria que eles absorvessem?
Watson — Eu não posso especular sobre a lição, isso é com eles. Eu sei que eles vão sentir um certo desconforto, porque quando você tira talento e Deus da cena, o que fica é a responsabilidade pessoal pelo que você faz. Ou melhor, pelo que você não faz. E isso nem sempre é muito confortável para todo mundo ouvir. Mas é um curso que joga muita responsabilidade sobre o que a gente faz com as nossas vidas, sobre o indivíduo, não sobre circunstâncias alheias.
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Reportagem por Isadora Neumann
Fonte: ZH on line, 30/05/2014 | 10h02
Foto: Divulgação / Dynamic Encounters