sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Quando eu me narro, me transformo!

 



Gianfranco Ravasi*
Narrar não só recordar,
mas também gerar uma revivescência.
E é isso que Jesus faz anunciando o Reino de Deus
através das suas parábolas (ao menos 35 ou talvez 72,
e mais, se forem englobadas também os
fragmentos narrativos ou as metáforas expandidas),
a tal ponto que Mateus (13, 34) observa:
"Jesus não dizia nada sem ser em parábolas"

Quando Baal Shem Tov, o fundador da tradição judaica mística da Europa Central chamada dos "Hasidim" (os "piedosos"), tinha que enfrentar uma difícil missão, ele se retirava para os bosques e celebrava um rito de invocação e era atendido. Quando, uma geração depois, o seu sucessor encontrava-se na mesma situação, ele se dirigia para aquele lugar no bosque, mas, sendo proibidos os ritos judaicos, rezava em silêncio e era atendido. Outra geração depois, quando outro mestre estava diante de uma tarefa árdua, estava sentado na sua residência e dizia: "Não podemos mais celebrar o nosso rito, não podemos nos dirigir para o bosque para rezar, mas podemos contar a história de tudo isso". E o puro e simples relato tinha a mesma eficácia para resolver aquela dificuldade.

Resumimos um texto muito mais amplo evocado por Gershom Scholem na sua famosa obra sobre as “Grandes correntes da mística judaica” (1941). Ele é iluminador para exaltar a eficaz função criativa, ousaríamos dizer "sacramental", do relato: não é por nada que a Missa tem no seu coração o chamado "cânone", que compreende a narração evangélica da Última Ceia, e é assim que se implementa a presença real de Cristo na assembleia litúrgica sob os sinais do pão e do vinho.

No rito e em outras situações de alto perfil, narrar não só recordar, mas também gerar uma revivescência, como ocorre no haggadah ("narração"), o texto da celebração pascal judaica: a libertação exódica do faraó é "reproduzida" no dom divino presente da liberdade.

É também um pouco por causa disso que vale o ditado: "Se não tem uma resposta a dar, o judeu sempre tem uma história para contar". E é isso que Jesus faz anunciando o Reino de Deus através das suas parábolas (ao menos 35 ou talvez 72, e mais, se forem englobadas também os fragmentos narrativos ou as metáforas expandidas), a tal ponto que Mateus (13, 34) observa: "Jesus não dizia nada sem ser em parábolas".

À categoria antropológica, antes mesmo do que teológica, da narração, Luciano Manicardi, vice-prior da conhecida comunidade de Bose (Biella), dedicou um breve livro, aberto por um dos extraordinários relatos de Tchekhov, Melancolia, que tem como protagonista o cocheiro Iona Potapov, "tão pobre e sozinho a ponto de ter que pedir ao primeiro que encontrava a caridade de ouvi-lo", uma caridade que lhe foi negada, de modo que a sua história se encolhe, se enruga e se petrifica no seu corpo quase como uma doença incurável.

De fato, relatar é expressar, representar, interpelar, e esses são atos capitais do comunicar e são uma necessidade insuprimível da pessoa humana, que não é uma mônada selada. Não é por nada que o relato tchekhoviano traz como subtítulo a amarga interrogação: "A quem direi a minha tristeza?".

É por isso que o narrar é o ato em que se exalta a magia da palavra, a sua capacidade não só informativa, mas performativa, isto é, a sua eficácia transformadora e libertadora. Por isso, Iona tinha razão: sem a comunicação ao outro, a sua dor gangrena. Se for quebrada a confiança que faz com que você derrame sobre a outra pessoa o seu segredo, o isolamento está à espera, o autismo espiritual tranca você em uma cela: "Quando a língua se corrompe, as pessoas perdem a confiança naquilo que sentem, e isso gera violência", escrevia um mestre da palavra autêntica, o poeta Auden.

O relato, portanto, é um ato de confiança, e a escuta, partícipe de um ato de amor. É um "caminho rumo ao sentido" que você descobre desvendando tanto os fios da sua história, quanto criando um episódio exemplar, embora fictício. Calvino, de fato, não se equivocava quando, nas suas “Fábulas italianas”, afirmava que as fábulas certamente são fruto da fantasia, mas são verdadeiras, reais ao ponto de serem realistas.

A eficácia do contar é evidente na oração. Nela, a invocação à escuta do próprio drama, que floresce muitas vezes de um "corpo narrante" (maladie também é um le mal a dit), contém em si mesma a certeza da escuta divina: não é por nada que os hebraístas identificaram no Saltério o chamado "perfeito precativo", em que a imploração ("livrai-me!") já está expressa na sua realização com o verbo no pretérito perfeito ("me libertaste!"). Assim, há um aspecto terapêutico no narrar as próprias experiências ou ansiedades, como ensina não só a súplica orante, mas também a psicanálise e até mesmo a "medicina narrativa" (Narrative-Based Medicine).

Mesmo as fábulas infantis têm um efeito benéfico, psicológico, como demonstrado por Verena Kast no seu livro sobre as Fiabe que curano [Fábulas que curam] (Ed. Red). Ou, melhor, contar é até mesmo salvar a vida, como ensinam As Mil e Uma Noites, nas quais Sherazade sobrevive à pena capital encadeando uma coleção infinita de relatos.

Em síntese, podemos dizer que toda autobiografia, a partir das Confissões de Agostinho até Em Busca do tempo perdido e os diários pessoais, são uma celebração da função libertadora ou pedagógica do narrar, tanto é que o próprio Proust comparava a sua Busca a uma "lupa" oferecida aos leitores como "o meio para ler em si mesmos". Afinal, Flaubert estava convencido de que "toda vida merece um romance".

Então, é fácil compreender por que nasceu uma teologia e uma exegese "narrativas". Isso não ocorreu apenas pelo fato de que, sendo a revelação bíblica uma revelação de Deus na história, ela postula o relato como meio revelador, sem falar depois do uso da ficção parabólica em páginas de tal eficácia a ponto de ter gerado um infindável repertório artístico. Há algo mais. O "memorial" bíblico não é simples comemoração, mas evento salvífico permanente, porque contém em si uma intervenção divina que é eterna e pode, por isso, atravessar a tridimensionalidade do tempo irradiando-a.

É por isso que – como se dizia – o sacerdote, na celebração eucarística, narrando a Última Ceia, torna presente o Cristo vivo do qual pronuncia as palavras eficazes em primeira pessoa: "Este é o meu corpo... Este é o cálice do meu sangue".

Os próprios Evangelhos pertencem ao gênero dos relatos (diéghesis), como Lucas afirma explicitamente no seu prólogo. Neles, o evento histórico (history) torna-se história viva através da narração (story) e, assim, gera fé: "Essas coisas foram escritas para que acreditem que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e para que, crendo, tenham a vida em seu nome", afirma programaticamente o evangelista João (20, 31).

Como destacou por Ricoeur, nos Evangelhos não há somente a representação dos eventos "configurados" na trama, mas há também a sua "reconfiguração", isto é, a sua torção para a revelação do seu sentido transcendente, gerador de fé.

Jesus mesmo, grande mestre do anúncio cristão narrativo através das suas parábolas, é por excelência o Narrador de Deus, ou seja, o revelador do mistério divino do qual não se pode falar, mas que se pode narrar, para usar uma célebre frase de Wittgenstein. De fato, como escreve João na cláusula final do seu famoso hino-prólogo, "Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito que é Deus e está no seio do Pai, foi ele que o narrou (exeghésato)", isto é, o revelou (1,18).
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*A reflexão é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 20-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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