quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

permissão para ser infeliz, de Eliane Brum


psicóloga Rita de Cássia de Araújo Almeida conta como a demanda por felicidade vem crescendo nos serviços de saúde mental da rede pública

Há alguns anos me pergunto se o “direito à felicidade”, que se tornou uma crença partilhada tanto por religiosos quanto por ateus na nossa época, tem sido causa de considerável sofrimento. Se você acredita que tem direito à felicidade, de preferência todo o tempo, ao sentir frustração, tristeza, angústia, decepção, medo e ansiedade, só pode olhar para esses sentimentos como se fossem uma anomalia. Ou seja: eles não lhe pertencem, estão onde não deveriam estar, precisam ser combatidos e eliminados.



O que sempre pertenceu à condição humana passa a ser uma doença – e como doença deve ser tratado, em geral com medicamentos. Deixamos de interrogar os porquês e passamos a calar algo que, ao ser visto como patologia, deve ser “curado”, porque não faz parte de nós. É um tanto fascinante os caminhos pelos quais a felicidade vai deixando o plano das aspirações abstratas, da letra dos poetas, para ser tratada em consultório médico. E, ainda mais recentemente, como objeto do Direito e da Lei, inclusive com proposta de emenda constitucional.

Quem acompanha esta coluna sabe que a felicidade tem sido um tema assíduo. Acredito que poucos fenômenos são tão reveladores sobre a forma como olhamos para a condição humana em nosso tempo como o “direito à felicidade”. Sem esquecer que este tema está relacionado a outros dois fenômenos atuais: a medicalização da vida e a judicialização dos sentimentos. Ou, dito de outro modo: tratar o que é do humano como patologia e dar aos juízes a arbitragem dos afetos.

É importante – sempre é – ressaltar que obviamente existem doenças mentais e situações nas quais o uso de medicamentos é necessário e benéfico, desde que com acompanhamento rigoroso. O que se questiona aqui são os casos – infelizmente frequentes – de leviandade nos diagnósticos psiquiátricos e o consequente abuso no uso de medicamentos, que tem criado uma multidão de dependentes de drogas legais, cujas consequências só serão conhecidas nas próximas décadas. É íntima a relação deste fenômeno com a crença da felicidade que assinala nosso tempo.

Desta vez, convidei a psicóloga e psicanalista Rita de Cássia de Araújo Almeida para falar sobre um recorte muito significativo: a crescente demanda por felicidade no SUS. No texto de final de ano em seu blog, ela abordava a “ditadura da felicidade” do ponto de vista de sua experiência como trabalhadora da rede pública de saúde mental.

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Rita, 43 anos, é formada em psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com mestrado em educação. Há 10 anos ela atua como psicóloga em CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), serviços estratégicos na área da saúde mental. Atualmente, Rita trabalha no CAPS Leste, de Juiz de Fora, e coordena o CAPS Casa Aberta, no município de Lima Duarte, ambos no interior de Minas Gerais.

Nesta entrevista, ela toca em pontos importantes: o aumento do sofrimento causado pelo imperativo da felicidade; a crescente demanda por um diagnóstico de transtorno mental, com a consequente receita de medicamentos; a transformação de momentos como luto, desilusão amorosa e rebeldia juvenil em doença; a dificuldade cada vez maior de compreender que sentimentos como tristeza, angústia, frustração, ansiedade e medo dizem algo importante sobre a vida, que deve ser escutado e não calado.

Assim como a insônia e a falta de apetite nem sempre significam doença, mas um aviso de que é preciso reformular algo no cotidiano.

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