sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Leia na areia êxtase à beira - mar ,de Nílson Souza




Bastou um descuido durante o banho e o mar de Capão da Canoa engoliu o anel que ganhei de meus pais quando fiz 18 anos. A não ser que um improvável Gollum o recupere, ficará para sempre no estômago arenoso do oceano, como milhões de objetos e almas que jamais voltaram das profundezas.


Os antigos navegadores culpavam as sereias, mas na verdade é o próprio mar que exerce essa atração quase fatal sobre seres humanos de múltiplas idades, sexos e nacionalidades – incluindo-se aí os gaúchos de todas as querências. Basta um solzinho de 40 graus, como esse que anda lambendo a nossa moleira nos últimos dias, e já nos bandeamos de mala e cuia para a freeway, na direção do Litoral Norte e da aprazível vizinhança além Mampituba.
 


O barulho do mar nos enfeitiça como o flautista de Hamelin fazia com ratos e crianças. Alguns de nós procuramos disfarçar, inventamos motivos outros para o êxodo dos fins de semana e dos meses de verão: espaço ao sol, pés descalços, pouca roupa, cerveja, picolé, carteado, frescobol. Nada disso. Vamos mesmo é para atender ao atávico chamado do oceano, hipnotizados pelo seu movimento de sístoles e diástoles.
 


Quem nunca se deteve, extasiado, diante daquela enorme massa de água que avança e recua de acordo com o próprio humor? A imensidão líquida nos comove e nos faz filosofar. Quando a gente pensa que todos os mares se comunicam, o mistério se torna ainda mais impressionante. A mesma porção de água que agora nos acaricia os pés pode ter trazido a caravela de Colombo para a costa americana ou banhado a primeira ameba que se transformou em gente.

Basta olhar para além da arrebentação para que nossa imaginação navegue solta rumo ao desconhecido. É isso o mar, um convite à liberdade, à aventura, à magia da vida e aos mistérios que talvez nos esperem além dela. Rimbaud disse que a eternidade é o mar misturado ao sol.

Chegaremos lá. Antes disso, porém, aproveitemos esse presente que a natureza nos deu. Com a devida atenção, pois nem sempre ele leva apenas os anéis.


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