(*) Ucho Haddad
Deixo de lado o jornalismo para, em
momento de reflexão e introspecção, desejar a todos o melhor no ano que está
prestes a chegar por aqui. Com o tempo fui aprendendo que a vida é um livro,
cujas páginas não podem ser arrancadas, por pior que seja o conteúdo de algumas
delas. Mas esse livro permite que páginas sejam adicionadas, dependendo da
vontade de quem escreve.
Se a vida passa e o desejo cresce, o livro
torna-se uma enciclopédia, uma obra em fascículos. Cada um desses fascículos nos
é entregue com todas as páginas em branco. A cada um cabe o dever de escrever o
que bem quiser, procurando preservar a candura de cada uma dessas páginas. Nem
sempre isso é possível, pois afinal a vida não é monocromaticamente rosa. Tanto
é verdade, que teve gente que fez sucesso derramando sobre páginas em branco
cinquenta tons de cinza.
Assim como o título da obra literária que é a
coqueluche do momento, o livro da minha vida tem várias páginas cinzas,
possivelmente com mais de cinquenta tons, alguns mais acentuados do que
gostaria. Como a dona do livro, a vida, não permite que páginas sejam
arrancadas, como citei, fiz delas uma catapulta para acertos futuros, o avanço
profissional, a evolução pessoal, a decantação da minha essência, o refinamento
do amor. Em suma, fiz desses tons de cinza a aquarela que coloriu e ainda colore
as outras tantas páginas dessa obra.
A vida passa e a cada ano que surge ela nos
entrega um novo livro em branco para que escrevamos da melhor maneira. Não
importa se a escrita será com caneta desta ou daquela cor, mas é essencial que
você procure deixar em cada uma delas um conteúdo colorido, uma história que se
pareça com a visão do olho que mira no fundo de um caleidoscópio. Colorido
sempre, mutante sempre, impressionante sempre, simples sempre. Sempre!
A vida é um aprendizado contínuo, a cada dia
surge uma receita nova, um fato inesperado, uma notícia indesejada, um amor
sonhado, um amizade reveladora, um afago confortante, um abraço inesquecível, um
beijo que anestesia, uma paixão que entorpece, uma alegria inexplicável, uma
tristeza profunda, uma felicidade sem fim, a palavra de um filho, a saudade de
um pai, a preocupação de uma filha, a dedicação ou a lembrança de uma mãe. Ainda
não estou na fase dos netos, mas se tiver a oportunidade de com eles conviver,
sei que serei feliz e as páginas da minha enciclopédia de vida serão mais
coloridas.
Neste 1º de janeiro é preciso pegar o livro que
a vida deixará a cada um e começar uma nova história, mesmo que seja para
reinventar uma história passada. Mude um verbo, conjugue-o em outro tempo,
troque um ponto por uma vírgula, evite hifenizar a existência, escreva cada
parágrafo como se fosse o último. Capriche na letra, adote a primeira pessoa do
plural, mude o pretérito, redesenhe o futuro, seja consoante, mostre o quão
adjetiva é sua alma.
Transforme lágrimas em letras apagadas,
tristezas em “na outra linha, travessão”, rime o amor, soletre a paixão, escreva
humanidade com letras maiúsculas, traceje a paz com intensidade. Seja
intransitivo, não intransigente. Seja o objeto direto de pelo menos uma frase
escrita no livro da vida de alguém. Ame sem parênteses, apaixone-se sem ponto e
vírgula, doe-se como poesia, ouça a estrofe do próximo.
Nesse novo livro da vida, em branco, escreva,
reescreva, escreva-se, reescreva-se. Não apague o que escrever, não apague a sua
história, não apague a si mesmo. A vida é uma redação sem fim, sempre com começo
e meio. Mesmo que o seu fim um dia chegue, sua história, dependendo da forma
como foi escrita, jamais terá fim. Escreva nas alvas páginas a felicidade do seu
jeito, como o coração determinar. Sem medo de errar, querendo acertar.
Esforce-se para ser suas próprias reticências.
Nunca deixe de escrever, porque a vida precisa
seguir adiante. Nem que seja preciso escrever uma palavra duas vezes e em
seguida. Isso faz perder o sentido da frase, mas explica o sentido da vida. Quem
escreve sempre e repentinamente para, perde a mão da escrita. E a retomada da
escrita é sempre difícil. Nessas páginas brancas, não vazias, também cabe a
exatidão da aritmética da vida. Nelas, faça contas, some mais e subtraia menos.
Lembre-se que a divisão é a mais eficaz de todas as multiplicações.
Agora, o que mais posso escrever depois de ter
escrito tanto? Que as páginas do novo fascículo da enciclopédia da sua vida
recebam o melhor de todos os textos, os textos da sua história. Sejam felizes
sempre, coloridos a maior parte do tempo, assim como desejo que o Ano Novo
seja!
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(*) Ucho Haddad, otimista confesso e
lutador incansável, é jornalista político e investigativo, cronista esportivo,
escritor e poeta.
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