domingo, 30 de setembro de 2012

" Outubro fascinante,com os desafios diários,que direcionam nosso viver"

"Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos, se não tiver Amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.

Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé ao ponto de transportar montes, se não tiver Amor, nada serei.

E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver Amor, nada disso me aproveitará.
...

O Amor é paciente, é benigno, o Amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece,

não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal;

não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade;

tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O Amor jamais acaba; mas havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passarão;

porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos.

Quando, porém, vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.

Porque agora vemos como em espelho, obscuramente, então veremos face a face; agora conheço em parte, então conhecerei como sou conhecido.

Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o Amor, estes três: porém o maior destes é o Amor.

1 CORÍNTIOS, 13

" A felicidade não existe. Só a serenidade " de Luc Ferry

 

                                                                               Entrevista

Luc Ferry em seu escritório em Paris

Luc Ferry em seu escritório em Paris (Bassignac Gilles/Gamma)

Para o filósofo francês, todas as grandes filosofias tentaram fazer com que os homens vencessem seus medos. Hoje, a ecologia se baseia na proliferação do medo

Branca Nunes
Todas as filosofias, assim como as religiões, querem a mesma coisa: salvar os homens do medo que os impede de viver bem. Só que as grandes filosofias são as doutrinas da salvação sem Deus e sem a fé.
A popularidade do filósofo francês Luc Ferry, 60 anos, também é alicerçada na originalidade de suas frases de efeito. Por exemplo: “A felicidade não existe, o que existe é a serenidade”. Ou: “Todas as grandes filosofias e religiões tentaram fazer com que os homens vencessem seus medos. Hoje, a ecologia política se baseia na proliferação do medo”. Lançada em 2006, Aprender a viver, sua obra de maior sucesso, vendeu mais de 700.000 exemplares em dezenas de idiomas. Entre seus últimos livros estão Famílias, amo vocês e A tentação do cristianismo. Ministro da Educação da França de 2002 a 2004, foi o idealizador da lei que proibiu o uso de véu por estudantes muçulmanas nas escolas públicas francesas. Alto, cabelos negros e ondulados, Ferry expôs, entre uma tragada e outra, um pouco da teoria que mistura filosofia, psicanálise e irresistíveis pitadas de autoajuda.

Qual é o maior obstáculo à felicidade? A felicidade não existe. Temos momentos de alegria, mas não existe um estado permanente de satisfação. Separações, a morte de pessoas queridas, doenças e acidentes são inevitáveis. É por isso que a busca pela felicidade plena não faz sentido. O que podemos almejar é a serenidade, algo completamente diferente. Só se atinge a serenidade vencendo o medo. É o medo que nos torna egoístas e nos paralisa, que nos impede de sorrir e de pensar de forma inteligente, com liberdade. Os filósofos gregos costumavam dizer que o sábio é aquele que consegue vencer o medo.

O medo da morte é o maior obstáculo para o homem? Existem basicamente três grandes medos.
O primeiro é a timidez. Ele aparece, por exemplo, quando somos apresentados a alguém muito importante, ou quando precisamos falar em público. É a pressão da sociedade.
O segundo medo são as fobias. Medo do escuro, de insetos, de ficar preso num elevador.
O terceiro é o medo da morte. Tememos mais a morte de pessoas que amamos do que a nossa própria morte. Não me refiro apenas à morte biológica, mas a tudo o que é irreversível. O corvo do poema homônimo de Edgar Alan Poe exemplifica isso perfeitamente. Repete a todo momento, como um papagaio, a expressão “nunca mais”. Essa é a morte dentro da vida. Para uma criança, pode ser o divórcio dos pais, já que nunca mais os verá juntos. O nunca mais, a irreversibilidade da vida, nos dá a experiência da morte. A grande questão da serenidade, e não da felicidade, é como vencer esse medo. Toda a filosofia, desde Homero e Platão até Schopenhauer e Nietzsche está baseada na doutrina da serenidade.

Além das fobias conhecidas, existem as modernas? Vivemos a sociedade do medo. Aos três grandes medos que eu falei, adiciona-se outro, tipicamente ocidental: o medo que se desenvolveu com a ecologia politica. Medo do eleito estufa, do buraco na camada de ozônio, do aquecimento global, de micróbios, da poluição, do fim dos recursos naturais. A cada ano, um novo medo se adiciona a todos os outros: medo da carne vermelha, da gripe aviária, da aids, do sexo, do tabaco, da velocidade dos carros. Os grandes ecologistas e os filmes que tratam do tema têm como objetivo principal trazer o medo. No livro O princípio da responsabilidade, do filósofo alemão Hans Jonas, há um capítulo chamado Heurística do medo. Nele, o medo é descrito como uma paixão positiva e útil. Em toda a história da filosofia ocidental, o medo é o inimigo, é algo infantil, que faz mal. A ecologia inverte essa tradição filosófica ao sustentar que o medo é o começo de uma nova sabedoria e que, graças ao medo, os seres humanos vão tomar consciência dos perigos que existem no planeta. O medo não é mais visto como algo infantilizado, mas como o primeiro passo no caminho da sabedoria. É o que os ecologistas chamam de princípio da precaução. Isso não quer dizer que os ecologistas estejam errados. Há um componente de verdade no que dizem, mas há também muita mentira. Não aceito a ideia de um movimento político que se baseie exclusivamente no medo.

Qual a diferença entre a angústia vista pela psicanálise e pela filosofia? A filosofia e a psicanálise lidam com angústias distintas. A psicanálise luta contra a angústia patológica, o conflito entre o desejo e a moral, uma tentativa de reconciliar o indivíduo consigo próprio. No entanto, mesmo se atingíssemos uma perfeita saúde mental, depois de 20 anos de análise bem sucedida, restaria a angústia metafísica. Aí começa a filosofia, que ensina a alcançar a sabedoria no sentido da serenidade, não da felicidade.

O que há na filosofia que a religião não tem? Tanto a grande religião quanto a grande filosofia pretendem fazer com que as pessoas deixem de ter medo. Essencialmente, o que a religião diz é que, se alguém tem fé, se acredita em Deus, não precisa ter medo. Não precisa, por exemplo, temer a morte. As religiões são a doutrina da salvação pela fé. Todas as filosofias querem a mesma coisa: salvar os homens do medo que os impede de viver bem. Só que as grandes filosofias são as doutrinas da salvação sem Deus e sem a fé.
"O sábio não se importa com as convenções artificiais dessas “boas pessoas”. Ele desvia o olhar para concentrar-se na natureza, no cosmos. Vive em harmonia com a ordem natural, com ele próprio e com o mundo."

Com a disseminação do medo, ficou mais difícil superá-lo? A primeira grande resposta a essa pergunta nasce na Odisséia, de Homero. O poema conta como Ulisses vencerá os maiores medos da existência humana: o medo do passado e do futuro. Ulisses, que vive em Ítaca, uma cidade grega, com sua mulher Penélope, precisa partir para a Guerra de Tróia. Fica 20 anos longe de casa, imerso no caos da guerra. A história mostra como Ulisses vai do caos à harmonia, da guerra à paz, do ódio ao amor de Penélope. Durante 20 anos ele se agarra ao passado, ou ao futuro, à nostalgia de Ítaca, ou à esperança de voltar a Ítaca. Quando retorna à terra natal depois de tanto tempo, pode, enfim, viver no presente. Os filósofos gregos diziam que o sábio é aquele que consegue pensar menos no passado e ter menos esperança. Se eu me separar, se mudar de casa, se trocar de emprego. O passado já aconteceu. O futuro é uma ilusão.

Por que o título do seu livro é Aprender a viver? Houve uma mudança no ensino da filosofia, uma guinada da prática para o discurso decorrente da vitória do cristianismo sobre o mundo ocidental. A partir da Idade Média a religião assume um papel mais importante que a filosofia. Ela detém o monopólio do que é a vida beata, do que é a salvação, e proíbe a filosofia de cuidar dessa questão. É aí que a filosofia se torna apenas um discurso, uma análise de conceitos e não mais uma prática que tem por objetivo ensinar a viver. Escolhi o título Aprender a viver para difundir a ideia de que a filosofia não é apenas um discurso, mas um aprendizado da vida. Resumidamente, a filosofia é uma concorrente da religião e da psicanálise.

O ensino da filosofia deveria ser obrigatório nas escolas? Tudo depende da forma como ensinamos. Infelizmente, a maior parte do tempo, ao menos na França, reduzimos a filosofia a um tipo de instrução civil. Apresentamos aos alunos questões sem respostas possíveis: “O que é o belo?”, “o que é o bem?”, “o que é o tempo?”. Isso não tem nada a ver com a filosofia. É uma imbecilidade, uma estupidez. É melhor não ensinar filosofia do que ensinar dessa forma. Se um dia quisermos que as crianças pensem por si próprias, precisamos ensinar a história de grandes visões do mundo. Contar, por exemplo, que na filosofia existem cinco grandes respostas para a pergunta “o que é a vida boa”: a grega, a cristã, a do humanismo moderno, a de pensadores como Nietzsche e a contemporânea. Isso é apaixonante. A filosofia não consiste em tentar construir um argumento para responder a uma questão absurda. A filosofia é aprender a viver.

Como se ensinava filosofia nas grandes escolas gregas? Ao contrário do que ocorre nas nossas, nas escolas gregas não havia discursos, mas exercícios de aprendizado da sabedoria. Um exemplo: na escola estóica, no século IV A.C., Zenão de Cítio, o primeiro estóico, pedia a seus alunos que pegassem um peixe morto na feira e o amarrassem em uma coleira para levá-lo para passear como se fosse um cachorro. Quando passavam, quase todos olhavam e zombavam. O que pretendiam? Que os alunos não temessem o que os outros diziam. O sábio não é apenas aquele que vence o medo do olhar alheio, do que os outros pensam. O sábio não se importa com as convenções artificiais dessas “boas pessoas”. Ele desvia o olhar para concentrar-se na natureza, no cosmos. Vive em harmonia com a ordem natural, com ele próprio e com o mundo.

Como ministro da Educação, o senhor provocou controvérsia ao banir o uso de véu pelas estudantes muçulmanas e do solidéu pelos judeus nas escolas públicas. O que o senhor pensa hoje dessa polêmica? Na França, a polêmica não foi tão grande quanto nos outros países que não entenderam a nossa posição. Temos a maior comunidade judaica do mundo, depois de Israel e Nova York, assim como temos a maior comunidade muçulmana da Europa. Depois da segunda intifada (2000), que aguçou o conflito entre israelenses e palestinos, houve um aumento enorme de atos violentos dentro das escolas. As crianças muçulmanas se sentiam palestinas, embora fossem francesas. E os judeus retrucavam como sendo israelenses. Mesmo sendo, antes de tudo, franceses. Limitei-me a dizer que, no ensino fundamental, até os 16 anos, todos os sinais religiosos estavam proibidos. Mão só o véu islâmico, mas o quipá e a cruz. A decisão se limitou às crianças, não atingiu as ruas, os adultos. O professor não precisa saber qual é a religião dos alunos, se são judeus, católicos ou muçulmanos. Ao mesmo tempo, temos que lutar pela libertação das nossas mulheres e proteger nossas crianças. O islamismo radical é o nazismo dos nossos dias.

Por que os maiores filósofos do mundo são gregos e alemães? Tanto no caso grego, quanto no alemão, o grande motivo é a proximidade entre religião e filosofia. A filosofia sempre foi a secularização e a laicização de uma religião já existente. A filosofia grega, por exemplo, é uma versão secular e laica da mitologia grega. Da mesma forma, toda a filosofia alemã é uma apresentação racional da teologia protestante de Lutero. Ao afirmar “eu não quero ler a bíblia com a tradução latina”, “eu desconfio daqueles que estão no Vaticano”, Lutero resumiu o grande gesto do protestantismo: a busca pela verdade absoluta. Esse gesto abarca toda a filosofia alemã. Antes da filosofia, os dois povos viveram momentos muito importantes na religião. Você não tem isso nos Estados Unidos, nem na França. Ao contrário do que pensam os franceses, Descartes não é um bom filósofo.

" A boa morte " escreve Diana Corso

 



Diana Lichtenstein Corso*
Perdi uma amiga, partiu antes de ficar velha. Ela deixa marcas importantes em sua área profissional, uma legião de amigos órfãos de sua presença, uma vida plena, interrompida por um câncer fulminante. Mal teve tempo de passar pelas torturas da doença, viveu seus últimos tempos ignorante do mal que implacavelmente a corroía. Graças a isso, viajou, estudou no Exterior e se divertiu. Sentia vagos mal-estares estomacais, que atribuía à alimentação. Quando seu trágico destino foi revelado, já era tarde para qualquer providência, que, se tomada antes, tampouco seria diferente. Ela teve uma, sempre indesejável, boa morte. Se é possível desejar algo nesse território, também gostaria de partir assim, tendo tido o direito de viver plenamente até o fim, como ela.

Nesse sentido, celebro a resolução do Conselho Federal de Medicina, que se pronunciou sobre os termos do “Testamento Vital”. Trata-se do direito de deixar estabelecidos os limites a respeito dos procedimentos aos quais não desejamos ser submetidos na fase terminal. A morte deveria pertencer a seu protagonista, mas infelizmente, não existe momento de maior entrega.

Duvido que exista alguém que não tenha fantasiado sobre seu enterro. Quem não gostaria de ser uma mosca para assistir à própria despedida? Na derradeira celebração, estaríamos em condições de avaliar a veracidade das lágrimas, estimar nossa importância para os outros. É também oportunidade de, por que não, deixá-los culpados, se por acaso isso nos satisfaz. Dizem que a mãe judia vai mandar gravar em sua lápide: “Eu disse que não estava me sentindo bem”. No enterro, nosso epitáfio está na boca de todos, cada presente oferece uma frase que nos definia, ou uma memória marcante do convívio, dirá em que lhe faremos falta. Enfim, parece o momento em que nossas maiores perguntas estarão por fim respondidas e não estaremos lá para ouvir. Pena.

O problema é que até esse momento, em que nosso ser transforma-se nas palavras dos que permanecem vivos, precisamos passar pela dura transição de morrer. Morrer costuma doer. Dói sentir-se esvair, é absurdamente triste ver-se partir, dói o corpo que colapsa. Tenho mais medo de morrer do que da morte. Talvez, se minha amiga tivesse tido tempo de escrever seu testamento vital, não escolheria outros termos para sua partida.

Há pouco, o mundo assistiu chocado ao suicídio do diretor de cinema Tony Scott, que pulou de uma ponte, dizem que após constatar que possuía uma doença incurável. Abisma-me semelhante ousadia, não só relativa ao ato em si, mas também de assumir essa posição frente aos seres queridos. Morrer é como sair de uma festa, cedo é constrangedor, tarde é melancólico, buscamos a hora certa e sempre ficamos com a sensação de ter errado o momento. Nunca faria um ato como o de Scott, pois o efeito dramático sobre os que ficam é avassalador, também é preciso zelar pela dor deles. Quando chegar a hora, só peço que me poupem de torturas desnecessárias e me deixem partir. Essa é minha vontade e creio que a de tantos.
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*Psicanalista

sábado, 29 de setembro de 2012

Igreja tem de ganhar < atitude de encontro> e rejeitar < distanciamentos- hostilidades e indiferenças >

 
P. José Tolentino Mendonça*
Olhando para nós próprios [cristãos] e para o mundo em que nos inscrevemos, percebemos que não nos reconhecemos necessariamente na sociedade porque ela mudou muito e já não é um reflexo das nossas ideias, modelos sociológicos ou sequer do que pensamos que seria o melhor ou o mais justo. O mundo é como é, e a verdade é que se distanciou muito de uma gramática, modelo, cultura, noção de tempo e de Homem que enforma a tradição cristã.
Penso que hoje surge como inalienável por parte da Igreja o dever da explicação. Hoje os cristãos têm o dever de explicar-se a um mundo que não os entende, não porque seja mau mas porque funciona numa lógica diferente.
Há dias lia um artigo de António Pinto Ribeiro, programador que colabora com a Gulbenkian, sobre a incapacidade que um universitário de História de Arte tem hoje para ler aquilo que para nós são evidências, como por exemplo uma pintura da Anunciação. Faltam chaves que para nós parecem óbvias, porque as narrações evangélicas embrenham profundamente a nossa vida. Mas essas chaves passaram a faltar, naturalmente, na cultura onde estamos inscritos.
Às vezes falamos, na nossa linguagem, de concílios, sínodos, bispos e encíclicas como se fosse a coisa mais evidente para toda a gente. Não é, deixou de ser há muito tempo. Muitos dos mal-entendidos surgem porque não entendemos este dever fundamental de explicar.
Quando lemos os textos cristãos do Novo Testamento percebemos que a força audaciosa das primeiras comunidades estava muito em terem interiorizado que tinham de traduzir aquela mensagem. Paulo sabe que o cristianismo nasceu na Palestina mas que ele tem de usar uma nova linguagem se quiser chegar aos Coríntios e aos Filipenses. Não pode falar da mesma maneira. Tem de arriscar, utilizar palavras novas. Um cristão é um tradutor, um hermeneuta, tem de traduzir Deus por miúdos, tem de contar de forma percetível aquilo em que acredita. Se não o fizer, este corte, este silêncio, esta conversa de mal-entendidos vai simplesmente prolongar-se.
Além disso, nós, Igreja, precisamos de fazer um mea culpa, um exame de consciência, e dizer que nós próprios sabemos falar mal e ousamos muito pouco falar aos outros daquilo em que acreditamos. Sabemos dizer mal as razões do nosso crer, mesmo em situações favoráveis que nos são colocadas.
É claro que ao olhar para a cultura contemporânea, para este grande caldo heterogéneo, podemos identificar atitudes negativas, ambientes hostis, resistências, preconceitos, críticas a priori. Mas o mais frequente é lidarmos com o nosso próprio mutismo. Nós interiorizamos a própria indiferença do mundo. Não é o mundo que é indiferente; nós é que interiorizamos, em grande medida, esse conceito da indiferença. E porquê? Porque nos dá jeito; porque apostamos ainda pouco na formação das comunidades e dos cristãos; porque a fé, muitas vezes, é incapaz de pronunciar as suas razões; porque ela é muito mais o automatismo das práticas rituais e pouco o que é mais longo e demorado, isto é, uma tomada de consciência que torna um freguês numa testemunha. A transferência de deixarmos de ser fregueses da nossa paróquia e passarmos a ser testemunhas na nossa comunidade é uma deslocação que precisamos de fazer acontecer dentro da Igreja, porque ela não acontece automaticamente.
As estruturas da Igreja precisam de profissionalismo – uma palavra de que gostamos pouco e que também pode ter a sua ambiguidade. Mas no fundo precisamos de criar e aprofundar competências na área da comunicação e da organização, criando uma rede maior entre os contactos.
Olhando para o mundo há fronteiras que pensamos que existem mas que deixaram de existir. Ao descrever a contemporaneidade, o filósofo italiano Gianni Vattimo diz que entramos num tempo de um pensamento fraco. E a verdade é que há uma debilidade – e não podemos fugir desta palavra – que caracteriza a Igreja, e isso porque estamos em recomposição, porque percebemos que os modelos em que vivíamos são inadequados e que a realidade sobra por todos os lados. Por exemplo, já não conseguimos suportar o modelo paroquial porque nos faltam presbíteros para colocar em cada paróquia. A própria ideia de território não resiste à prática das mobilidades sociais. Há fenómenos tão novos que nos fazem viver no interior da Igreja numa grande debilidade.
Este é também para nós um tempo de crise. E há silêncios e silenciamentos que nascem desta hora que estamos a viver. Percebemos que há modelos que não servem mas por outro lado ainda a estamos a experimentar ou descobrir novos, a escutar os sinais dos tempos, a encontrar caminhos... Estamos num tempo de balanço em relação ao que foi o séc. XX e ao que foi um certo espírito ligado ao Concílio Vaticano II, ao mesmo tempo que procuramos perceber o mundo em que nos inscrevemos, as grandes mutações antropológicas e sociais a que as comunidades cristãs não são imunes. É um tempo de debilidade que não podemos disfarçar com discursos musculados ou com discursos para a frente que não querem encarar a realidade. A realidade é esta e é isto que temos de abraçar e olhar.
Mas o mundo é também uma realidade muito débil e ténue. As instituições sociais passam por processos de erosão e recomposição a um nível muito mais profundo e radical do que aquele que nós próprios experimentamos. Mesmo na diferenciação e na mudança que estão a sofrer, sentimo-nos numa concha, protegidos. Não sentimos o que no mundo se sente muito mais, que é uma insegurança e incerteza a toda a linha. Neste sentido, a lógica do adversário que deixou de funcionar.
Na cultura contemporânea, e pensando no caso português, a Igreja ainda é olhada como adversário cultural. Precisamos de explicar e explicarmo-nos, para que a Igreja seja vista como aliada e não como adversária. Esta mudança que nós temos de protagonizar. Nós, cristãos, temos de fazer sentir aos outros que não têm de ter medo de nós, da nossa presença, do nosso modo de viver, do nosso estilo, dos nossos valores, do que celebramos na fé, da nossa liturgia, das nossas procissões, dos nossos jornais, da nossa agência noticiosa… Não têm de temer porque nós somos aliados do que a cultura e a civilização têm de mais fundamental, que é a pessoa humana e a sua vida, em todos os momentos. Que é, no fundo, as suas dificuldades e a situação concreta em que ela vive. Mas esta viragem – passar de adversário a aliado – compromete-nos e hipoteca-nos. E não podemos ficar à espera diante de uma porta aberta. Temos de ensaiar passos.

"Há uma frase do romancista católico
Julien Green que diz assim:
«Enquanto vivermos inquietos,
podemos estar tranquilos».

Penso, por exemplo, que este projeto do Pontifício Conselho para a Cultura, o Átrio dos Gentios, é uma forma emblemática e icónica de dizer «não tenham medo», e perceber que pessoas com perspetivas e experiências de vida diferentes podem ser complementares, e não necessariamente rivais. O que o cristianismo traz ao mundo não é alguma coisa que destrói o mundo - «Deus amou de tal maneira o mundo que lhe deu o seu próprio Filho». O cristianismo é a alma do mundo, é chamado a trazer um suplemento de espírito ao mundo, a alargar a esperança do homem e da cultura.
Neste sentido penso que não temos de interiorizar distanciamentos, hostilidades, indiferenças. A Igreja precisa de ganhar uma atitude de encontro e de escuta, avaliando também a nossa própria escuta. Nós escutamos o mundo; mas quem é que faz a escuta da escuta que nós fazemos? Quem é que nos diz se a escuta que fazemos é profunda, sintonizada, ou se em vez de escutar o mundo estamos antes a ouvir a nossa própria voz?
Este tempo, com todos os seus impasses e crises, em que sentimos uma transformação muito grande e uma diminuição sociológica daqueles que se identificam em termos de vida com a mensagem cristã, é também o lugar para um florescimento da experiência cristã.
Há trabalhos que temos de ser nós, Igreja, a protagonizar, sem estar à espera que sejam os outros a fazê-los. Por exemplo, temos de fazer e aprofundar, dentro da Igreja, o diálogo entre a fé e a razão, pensando a fé de forma inteligente e não fazendo dela, simplesmente, um irracional que incorporamos. Temos de fazer apelo e valorizar as mediações da filosofia, do direito, da sabedoria, da teologia, do humor, da estética. Não é por eu ser padre ou leigo empenhado, ou por o nosso jornal ter a etiqueta católica – isso não é um selo de nada. Vivemos num tempo e numa cultura onde precisamos de construir uma presença, não dando por adquirido o que já deixou de ser. Nesse sentido há um grande desafio à humildade, ao caminho, à aceitação das circunstâncias e à oportunidade que este tempo representa.
Se nós ouvirmos pensadores contemporâneos, como Marcel Gauchet ou Habermas, percebemos que as sociedades secularizadas não excluem o religioso. Pelo contrário, elas contam com o religioso, mas esperam que ele seja explicado e testemunhado de forma pacífica e credível. Não numa perspetiva do poder mas da relação, da apresentação, do encontro. E neste contexto há uma atitude, um modo de situar-se no interior da cultura que precisamos de aprofundar e que é uma urgência do próprio ser cristão.
Dizer isto não é fazer a apologia de uma neutralidade ou cair numa neutralização do cristão. O catolicismo afirma-se como uma diferença, uma qualidade, uma condição e um estado. A fé não é uma ideologia mas é alguma coisa em que nos tornamos – não nascemos cristãos mas tornamo-nos cristãos, que é a fidelidade a Cristo.
A diferença cristã deve conduzir-nos a um protagonizar a diferença. A nossa presença tem de fazer a diferença. O mundo não nos dá nada de bandeja, e ainda bem. Nós também não damos nada de bandeja ao mundo.
Há um desafio muito grande à autenticidade. Podemos dizer que a mundo perdeu o norte, que a cultura vive de sucedâneos e de contrafações, que vivemos num mimetismo e numa osmose onde se esquece o que é a verdade… Mas não é bem assim. No coração do homem e da mulher há uma nostalgia do autêntico, que vemos nas coisas mínimas: a lã virgem dos nossos pullovers, o doce da avó, a comida caseira são imagens de marca, pequeninos detalhes desta língua que a cultura fala mas que atestam esse desejo de uma autenticidade, de uma verdade.
O mundo espera encontrar nos cristãos palavras proféticas, sem dúvida; os profetas bíblicos tinham as palavras proféticas mas também tinham os gestos proféticos. O tempo em que vivemos é uma oportunidade para revalorizarmos e redescobrirmos a intensidade comunicacional dos gestos proféticos. O mundo precisa de ver em nós gestos proféticos. E muitas vezes o silêncio é um gesto profético, que toca profundamente.
Por exemplo, o caso dos monges de Tibhirine, na Argélia, essa comunidade mártir. São poucos homens que viveram de forma pobre e humilde, sem grande comunicação com o exterior, a não ser a relação com a aldeia muçulmana que os envolvia. Mas a experiência que realizam, tecida do silêncio que marca e documenta a autenticidade daquelas vidas dadas, não deixa ninguém indiferente. Aquelas vidas têm espessura de sentido, têm um enigma, constituem uma pergunta.
A experiência cristã no mundo de hoje tem de inscrever-se na cultura como pergunta, silenciosa, despretensiosa, de quem deu a sua vida. Se o mundo reconhecer isto em nós, é capaz de perceber que valeu a pena o encontro porque aquilo que descobriu é capaz de o iluminar e de lhe dar alguma coisa que ele não tinha.
Há uma frase do romancista católico Julien Green que diz assim: «Enquanto vivermos inquietos, podemos estar tranquilos».
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*P. José Tolentino Mendonça
Diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

" Como a gente complica a vida" ,de Taís Luso

                         



Tenho escutado com frequência que morar em cidade grande só traz vantagens: tem tudo o que se precisa, tudo o que se sonha! Péra, não é bem assim: depende do que se sonha, depende do que se quer. Ontem foi o meu dia de desatino. Encasquetei em seguir o conselho de uma amiga que resolveu traçar um roteiro de compras para casa, no outro lado da cidade, longe de onde moro. Disse-me que lá havia coisas do arco. Pedro e eu pegamos o carro e... rumo ao desconhecido!

Fiquei pensando, meio desconfiada, o que teria por lá de tão diferente que a criatura deu tanta ênfase? Fomos com toda a calma e na esportiva, uma vez que aquele lado da cidade nos é totalmente desconhecido. É praticamente considerado o lado mais nervoso de Porto Alegre.

O que essa amiga nos arrumou foi um baita estresse. E Porto Alegre não é nenhuma megacidade. Mas, mesmo assim, foi uma barra pesada: automóveis, ônibus e caminhões em profusão, buzinadas histéricas, motoristas nervosos, gente sem paciência, sem solidariedade, poluição visual, enfim, uma louca aglomeração com cartazes, propagandas, sinais e retornos mal sinalizados. Coisa própria para desentendimentos com motoristas alterados. Todo o progresso é meio desumanizado. E tudo tem um preço.

Mas as cidades são assim: têm seu lado calmo e agradável e um lado maluco. Paramos várias vezes para perguntar onde estávamos. Como voltar para o centro da cidade; como retornar pela Free Way, tínhamos de seguir ou voltar? Ninguém sabia nada: nem eles, nem nós. Perdemos completamente a noção do caminho. Era uma agonia nos entroncamentos: pra lá ou pra cá?? Não dava tempo de pensar!! E tocávamos pra frente, 'seja o que Deus quiser...'

Ao acharmos o caminho de volta - depois de horas -, e chegar no meu bairro, decidi simplificar as coisas. A qualidade de vida que tanto buscamos está na maneira que conduzimos nosso caminho. Está na tranquilidade e nas exigências que buscamos, seja onde for. É parar para pensar no necessário.

A vida é simples. Não se percebe muito quando se entra nessa roda de exigências e de consumo. Por que toda aquela alucinação que passei à procura de algo que encontraria mais perto de minha casa? O que precisaria de tão diferente que só haveria naquelas bandas?

Digo então, que, qualidade de vida está em respeitar nossos limites, nossa cabeça, nossas forças. Muitas vezes fazemos coisas pensando que temos a força de um trator e não nos damos conta que, na verdade, temos um motor de fusquinha. Só que os fusquinhas tinham carroceria e motor ajustados, simples e de fácil manutenção. Assim deve ser, ajustar as necessidades à uma vida saudável.

 

" A confiança " de Liane Alves


Blog de cronicasdeumloboperdido :Momentos de Lobo Mauuuu, A confiança  (Liane Alves)
Uma das cenas mais bonitas entre pais filhos é ver uma criancinha correr de braços abertos em direção a seu pai ou sua mãe para se jogar neles com a maior felicidade. Ela sabe que vai ser amparada e acolhida com segurança e amor e por isso não tem a menor dúvida. Isto é, ela tem total confiança na vida. E o que faz alguém se lançar no mundo com essa mesma coragem, determinação e alegria?
Isso mesmo, a confiança. Confiança é uma questão de fé. Acredita-se que a fé pertence ao universo da religião, que está apartada da vida comum, mas isso não é verdade. É a fé que preenche o coração na hora de se atirar num projeto, se entregar em relacionamentos, perseguir um objetivo. Não se pode saborear plenamente a vida sem fé. Ela é o mais poderoso catalisador de energias.
Fé é muito mais que crença ou dedução de um raciocínio lógico. Ela é incondicional. Isto, é não depende de conclusões, lógicas, probabilidades, previsões. Muitas vezes, até, ela vai exatamente em direção oposta ao que tem chance de dar certo. A fé, basicamente, é um exercício dinâmico de coragem. E coragem é "ter o coração na ação". Quando se coloca o coração naquilo que se faz, a fé e a confiança impulsionam. Ultrapassa-se uma série de bloqueios e obstáculos, internos e externos, com resultados impossíveis de serem atingidos sem sua presença.
Por isso a confiança é tão poderosa. Pode ser a fé em Deus, ou a fé na vida, num sonho, num projeto... ela é fundamental para sua vida.

Nós, os Brasileiros " endividados" ...

                                                             CLÁUDIA LAITANO
                                Nós, os endividados

Tenho um amigo que costuma dizer que sempre termina o dia com a sensação do “dever comprido” (assim, com “o” mesmo): encrencas para desencrencar, e-mails para responder, gentilezas a retribuir e, claro, contas a pagar. Tudo isso acumulando-se em gavetas, reais ou imaginárias, à espera de um despachante organizado e eficiente para dar conta justamente daquelas tarefas que ninguém pode fazer por nós. O fato de podermos ser cobrados concreta ou figurativamente o tempo todo pelo celular – inclusive quando estamos de folga ou viajando – torna ainda mais aguda essa permanente sensação de que não estamos dando conta. Devo, logo existo.

No Brasil, a impressão de que sempre estamos devendo alguma coisa para alguém não é apenas uma abstração metafórica que reflete o ritmo hiperacelerado da vida nas grandes cidades. Os brasileiros nunca estiveram com o dever tão comprido como agora. A combinação de alguma folga no orçamento, crédito fácil (empréstimos são oferecidos na caixa da loja onde você está pagando uma conta ou mesmo por torpedo no celular) e uma vocação reprimida para o consumismo transformaram o Brasil em um país de endividados crônicos.

O curioso é que a dívida nem sempre é percebida com mal-estar pelos próprios enforcados. O mortífero parcelamento da fatura do cartão de crédito, o cheque especial, os juros embutidos nas prestações de um eletrodoméstico, tudo do que os economistas dizem para os consumidores fugirem como cardíaco de gordura trans foi incorporado ao cotidiano das famílias como se fosse muito natural esse milagre mensal da multiplicação do salário: entram mil reais de um lado, saem 5 mil em traquitanas do outro.

Se a corrupção endêmica denuncia nossa histórica dificuldade para distinguir o público do privado, o endividamento crônico provavelmente também é a expressão de algum traço do caráter nacional que estava em modo repouso e se acendeu com a recente onda de prosperidade do país. No livro O Valor do Amanhã (2005), o economista Eduardo Giannetti já mostrava como certos aspectos da nossa vida, muito além do orçamento familiar, operam segundo a lógica do “isto agora ou aquilo depois?”.

Quando nos colocamos na posição credora, escolhemos pagar antes e viver depois: fazendo uma dieta pra caber no biquíni no verão, estudando para passar de ano ou ganhar um diploma, economizando para uma aposentadoria mais tranquila. Na posição devedora, vivemos agora e pagamos quando for possível – e é aqui que entram o cartão de crédito, o cheque especial e todos aqueles pequenos ou grandes luxos com os quais nos presenteamos de vez em quando simplesmente porque a gente acha que merece agora e não daqui a pouco.

Algumas culturas apostam tanto no futuro, que o presente torna-se mais árduo e opaco do que o necessário. Outras estão tão focadas na recompensa imediata que o futuro e as contas sempre parecem inesperados quando finalmente chegam – e sempre chegam.

O Brasil, que já foi o país do futuro, está se tornando o país do eterno presente. E das dívidas eternamente acumuladas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

" Quando descobri a internet" - David Coimbra

 





 
Internet é coisa de jovem, mas a primeira pessoa que me falou sobre sua existência foi um cara que respira neste Vale de Lágrimas pelo menos uma década antes de mim: o velho lobo da imprensa Carlos Wagner. Isso se deu lá nos albores dos anos 90. Wagner, o repórter mais premiado do Brasil, me pegou na redação e contou, entusiasmado, que estava participando de uma rede virtual entre universidades que, em algum tempo, transformaria o mundo. O mundo! Ouvi, algo distraído, e saí para fazer minha pauta. Transformar o mundo. Sei.

Veja você como a gente deve prestar atenção no que diz um velho lobo da imprensa.

Li outro dia que apenas 18% das pessoas com 50 anos ou mais usam a internet. Coisa de jovem. Compreensível. As pessoas, depois das aventuras e desventuras da juventude, adotam uma forma de viver, cultivam hábitos, aferram-se a eles. Aí, quando tudo está bem posto, surge uma novidade que lhes exige o esforço do aprendizado. Mais trabalho. Exatamente no momento em que elas planejavam, tão somente, fruir a existência.

Sacanagem.

Eu aqui não cultivo preconceitos em relação à internet. Não tenho tuíter, não tenho Facebook, estou reduzindo a leitura de e-mails a menos de meia hora, e só nos dias úteis, mas não faço tais restrições por achar a internet algo ruim. Ao contrário, é algo bom. Mas toma tempo. Trata-se de uma questão de prioridades.

A internet é uma ferramenta, nada mais. Pode ser bem ou mal usada, como qualquer ferramenta.

Tempos atrás, discuti por e-mail com um estudante de Letras. Ele foi arrogante, e decidi dar-lhe uma resposta no mesmo tom. Ele postou minha resposta nas chamadas “redes sociais”. Quer dizer: tornou pública uma correspondência pessoal. Depois disso, reavaliei meu relacionamento virtual com leitores.
Também aprendi que, às vezes, o que está na internet só tem importância na internet. Fora dali, no mundo real, aquilo que pulsa e freme na internet inexiste. É zero. Torna-se verdadeiro apenas quando o mundo real o reconhece. Por que 1 milhão de pessoas acessam uma besteira no YouTube, tipo “Luísa está no Canadá”? Resposta: porque 1 milhão de pessoas acessaram a besteira no YouTube, tipo “Luísa está no Canadá”. O troço faz sucesso porque faz sucesso, sem mérito algum. Vira realidade quando vai para a TV, para o jornal, para a rua. Se fica restrito à internet, evapora.

Porém... algo que só deveria existir na internet pode transformar-se em realidade distorcida. O tal filmeco que ofende o Islã não passa disso: de um filmeco malfeito e mal-intencionado, feito por um picareta, com 14 minutos de duração, algo de péssimo gosto que deveria se esfarelar no YouTube sem que ninguém lhe desse importância. Mas, por razões diversas, os radicais lhe deram importância, e tem gente matando e morrendo por causa disso. Matando e morrendo, graças às facilidades da internet. O mundo mudou, como havia vaticinado o Wagner, e ainda não aprendemos a lidar com essa mudança. Dá trabalho aprender. E é preciso aprender. Sempre.
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* Jornalista. Cronista da ZH
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/28/09/2012
Imagem da Internet

" E, essa campanha política " escreve Jaime Cimentii

                                   Campanha política - Jaime Cimenti
O Mario Quintana, sempre ele, definitivo, escreveu que não existe nada mais encantador do que esses sorrisos de candidato. Ele foi candidato à Academia Brasileira de Letras e, apesar dos seus sorrisos e dos seus versos que estão cada vez melhores, tipo a voz do Carlos Gardel, não foi eleito.

Pior para a Academia, que saiu perdendo feio. Melhor para nós, que ganhamos os famosos versos: todos esses que aí estão / atravancando meu caminho/ eles passarão / eu passarinho. Pensando bem, ter sido barrado na ABL até deu um upgrade no currículo do poeta. Ele nem precisava, está para sempre na boca e no coração do povo, nas ruas, nos muros e nas praças, os melhores lugares para um Homem de Letras.

Mas falando em sorrisos e campanhas, hoje assisti ao programa eleitoral da TV. Assisti todo, pois sou democrático. Cores claras, cenários coloridos, sorrisos, muitas, muitas emoções, muitas promessas e ótimo mercado para roteiristas, publicitários, redatores, cabeleireiros, maquiadores e pessoas de marketing. Trilha sonora caprichada, improvisos bem decorados e papos motivacionais até me comoveram um pouco, enquanto eu fazia ginástica na esteira.

Sei lá, no fundo, apesar de tudo e das minhas décadas de existência, me recuso a não acreditar, de todo, na política e nos políticos. Não tenho mais o otimismo e o vigor dos meus trinta anos, quando fui para a praça berrar pelas Diretas Já! Mas ainda procuro fazer bater um coração de estudante lá no fundo do peito e tenho esperanças de que, no fim, dá tudo certo.

Se não deu é porque não chegou ao fim, como dizia o outro. Não gosto de pensar que política é apenas arte do possível, negócio, teatrão e não sei mais o quê. Não gosto de pensar, apenas, como o outro, que a gente troca os políticos pela mesma razão que troca as fraldas de um bebê. Estamos todos juntos, misturados, tentando as melhores escolhas e procurando seguir os melhores caminhos.

Claro que é complicado, que o mundo está cada vez mais doido, que a gente vai envelhecendo. Pois é, sempre é bom lembrar que a alternativa para não ir adiante e envelhecer é bem pior. Ninguém quer a morte, só saúde e sorte, como diz a canção. Sorte e saúde para nós, todos, eleitores e candidatos. Sorte, saúde, segurança e educação.

Acho que nunca precisamos tanto de sorte. Não há de faltar, né? Nem penso e muito menos escrevo a palavrinha aquela que significa o contrário de sorte. E tomara que a morte morra. De morte morrida e matada, para sempre.
(Jaime Cimenti)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

" Pessoas já vêm embrulhadas..."

As Pessoas
As pessoas são presentes de Deus para mim. Já vêm embrulhados, alguns lindamente e outros de modo menos atraente. Alguns foram danificados no correio; outros vem por "entrega especial"; alguns são desarmados; outras hermeticamente fechados.

Mas o presente não é a caixa e sim o que está dentro dela - esta é uma importante descoberta. É tão fácil cometer um erro a esse respeito! Julgar ...
o conteúdo pela aparência...

Às vezes, o presente é aberto com facilidade; às vezes é preciso de ajuda. Talvez porque tenham medo. Talvez porque já tenham sido magoados antes e, não queiram ser magoados de novo. Pode ser que já tenham sido abertos e depois jogados fora. Pode ser que agora se sintam mais como "coisas" do que "pessoas humanas"...

Sou uma pessoa: como todas as outras, também sou um presente. Deus encheu-me de uma bondade que é só minha. E, contudo, às vezes tenho medo de olhar dentro da minha caixa. Talvez eu tenha medo de me desapontar... Talvez eu não confie em meu próprio conteúdo. Ou pode ser que eu nunca tenha realmente aceitado o presente que eu sou.
..
Todo encontro e relacionamento entre pessoas é uma troca de presentes... O meu presente sou eu; e o seu presente é você.
Somos presentes um para o outro...
John Powel
 

 
     
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" Caos da Malha Rodoviária, um desdém da Política Brasileira"

                                                                Ricardo Russowsky*
                                        É tão fácil

O Brasil e nós, aqui do Rio Grande do Sul, não suportamos mais a vergonhosa malha rodoviária de que dispomos. Falta um pouco de tudo. E a maior ironia está no fato de que os trechos concedidos e tão polêmicos são os que ainda se salvam. Aqui, eles são os protagonistas do apocalipse por serem ainda reflexo de um dos mais sérios problemas do nosso Estado: a ideologização.

Precisamos de investimentos para ampliar e melhorar a malha existente. Ponto final. E a razão também é bem simples: boa parte está em mau estado e os gargalos, todos sabem, só aumentam o Custo Brasil. Enquanto no Rio Grande do Sul se discute o fim das concessões, no país a presidenta Dilma Rousseff retoma a tese dos investimentos privados em rodovias.

Para nós, cidadãos, interessa menos saber o certo ou o errado. Interessa mais ter segurança nas estradas, logística condizente com nossas necessidades e economia fluindo para que nosso PIB cresça estimulado pela competitividade e custos compatíveis com nosso esforço de produzir e vender.
Impostos altos e voracidade da máquina pública em arrecadar sem qualquer retorno aos cidadãos não serão os protagonistas deste artigo que quer, isto sim, estradas bem resolvidas, trafegáveis, seguras e, principalmente, respeitosas com os cidadãos. Temos no Brasil continental a menor rede rodoviária entre as 20 maiores economias do mundo e, ironicamente, somos um dos maiores territórios desta comparação.

Está na hora de crescer e pensar que o bem comum é para todos e que os interesses político-partidários têm demonstrado, ao longo de sua história, que são prejudiciais ao coletivo. Agora vale o bem-estar, a segurança, as condições de crescimento e o livre-arbítrio. Não se admite mais brecar o desenvolvimento por preconceitos ideológicos ou razões eleitoreiras.

Temos inúmeros exemplos para citar aqui e fora daqui. É um atraso tolerar estradas ruins porque os governos não têm recursos e também se recusam a buscar a saída na iniciativa privada por absoluto preconceito. Se os cofres públicos pudessem sustentar o crescimento, ótimo, mas, não podendo, não vamos admitir que os governos obstruam o fluxo do desenvolvimento que se impõe com prejuízo para toda sociedade.

*PRESIDENTE DA FEDERASUL

 

" A ansiedade nossa de cada dia "

                                                      L ETICIA WIERZCHOWSKI

                      A ansiedade nossa de cada dia

As pessoas têm pressa, e cada vez mais. Você fala com os outros por aí, e o papo recorrente é “Estou correndo tanto!”. Temos vidas cheias: filhos, trabalho, uma provável rotina de atividades físicas, encontros sociais, cuidados com a casa e a família. Além disso, contas no Facebook e no Instagram também exigem uma certa manutenção...

Eu ando pela cidade e percebo que as pessoas, mais do que apressadas, estão ansiosas. Tenho comigo o seguinte: corremos tanto não apenas pelo acúmulo de tarefas cotidianas, mas induzidos por uma ansiedade que cresce cada vez mais, multiplicando-se a olhos vistos como aqueles velhos “bichinhos de fazer iogurte” que a minha mãe tinha num pote em cima da geladeira lá de casa. Ninguém mais aguenta esperar por quase nada. É tudo para já, para ontem. Até mesmo a maternidade – último bastião da serenidade e da paciência – vem sofrendo sérios abalos.

Cesáreas aos borbotões. Está certo que muitas parturientes acabam na cesárea por problemas como falta de dilatação ou posição fetal delicada para um parto normal, mas conheço muitas mulheres por aí que, antes do sexto ou sétimo mês, já tinham suas cesáreas agendadas “porque assim tudo ficava mais calmo”. E o cúmulo foi uma conhecida minha (famosa, aliás) que marcou a cesárea do filho em função do mapa astral que desejava para a criança. Ah, bom!

Pobres mamães angustiadas, não sabem ainda que colocar um filho neste mundo é simplesmente nunca mais ter certeza de nada, mas passar o resto da vida duvidando das próprias asserções e remarcando compromissos. Porque um filho não vem com programa: um belo dia, sem data agendada, ele vai finalmente sorrir, vai dar os primeiros passos, vai perder o primeiro dentinho e, se você não estiver por perto, baubau.

A ansiedade dos nossos tempos se reflete no trânsito. Quem espera 10 segundos para que um pedestre chegue ao outro lado da faixa de segurança? Quem deixa o celular na bolsa ou na pasta enquanto dirige? Quem passa um dia inteiro sem meter a mão na buzina? Todos têm que fazer tudo ao mesmo tempo, e quanto mais rápido melhor. No banco traseiro do carro, nossos filhos aprendem a lição. Não adianta ter o mapa astral mais auspicioso do mundo, quando papai e mamãe passam o tempo todo dando mau exemplo por aí, em cada esquina da cidade.

Dia desses, no estacionamento do colégio do meu filho mais velho, depois de buzinar feito louca durante cinco eternos minutos, uma mãe alterada abriu a janela do seu carro e despejou, aos brados, um turbilhão de desaforos para um pai que, momentaneamente, por conta da confusão geral do estacionamento, trancou-lhe a passagem. Não creio que tenha colocado nada daquilo que disse (com o filho por testemunha no banco traseiro) no seu Face. Mas eu vi. Muita gente viu.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Carnaval de primavera - Diana Corso *

 

Os historiadores não se cansam de lembrar que a dita tradição gaúcha, o gaudério de bota, bombacha, lenço no pescoço, sorvendo sua cuia de chimarrão, não passa de uma brincadeira cultural. Longe da verdade histórica, o bravo guerreiro, tão celebrado a cada setembro, é a fantasia glamourizada de um peão que nunca existiu.

Homens e mulheres vivem nos CTGs, no Acampamento Farroupilha e nos desfiles, uma espécie de Carnaval de primavera. Fantasiados de gaúcho e prenda, fazem danças típicas, acrobacias equestres e festejam por vários dias o mútuo reconhecimento. Depois falamos da longa duração e da entrega popular aos orgiásticos e ostensivos carnavais baiano ou carioca, como se os prolongados festejos sulistas nos ocupassem menos. De qualquer modo, durante esta época, os nativos sentem-se felizes e tranquilos, assim fardados e comportando-se conforme os clichês da personagem. Umas poucas insígnias resolvem as inquietudes de que tanto padecemos.

Fora da festa, a vida é mais hostil: os papéis viril e feminino não cessam de ser questionados, a sabedoria dos pais não vale um vintém e, diferentemente do patrão do CTG, ninguém ousa dizer aos mais jovens o que vestir, cantar e pensar. No baile à fantasia tradicionalista, basta envergar o traje regulamentar, e todas essas incertezas são banidas, gaúcho corretamente fardado é macho, prenda com saia de armação e flor no cabelo é mulher. As dúvidas do século 21 são resolvidas com o imaginário do 19, e estamos conversados.

“Não há como ser original, se não for com base em uma tradição”, escreveu o psicanalista Winnicott, aludindo ao fato de que partimos de uma base, que nos alicerça, justamente para transcendê-la. Nesse sentido, é sempre bom lembrar que, apesar do aspecto tranquilizante da festa regional, nossa cultura só mostrará sua riqueza enquanto for tributária do maior acervo de referências que pudermos adquirir. Jorge Luis Borges, que muitas histórias de homens do campo escreveu, já dizia que “nossa tradição é toda a cultura ocidental”, “nosso patrimônio é o universo” e que “não podemos aferrar-nos ao argentino para ser argentinos: porque o ser argentino é uma fatalidade e nesse caso o seremos de qualquer modo”.

Ele propunha, como contraponto, que “se nos abandonamos a esse sonho voluntário que se chama criação artística, seremos argentinos e seremos, também, bons e toleráveis escritores”. O mesmo vale para nós, gaúchos. Só para lembrar que nosso movimento tradicionalista organiza uma boa festa popular, mas a arte e a cultura das quais nosso povo pode se orgulhar são muito maiores do que isso.
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* Diana Lichtenstein Corso é Psicanalista Membro da APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre). Formada em psicologia pela UFRGS, é colunista do jornal Zero Hora e publicou o livro Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis, em 2005, e Psicanálise na Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia, em 2010, ambos pela Ed. Artmed, escritos em parceria com seu marido Mário Corso. Site: www.marioedianacorso.com
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/26/09/2012

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Momento ,Jordanny Silva

 

 

Como definir o tempo? Anos, meses, semanas, dias e horas são construções de nossa organização... Mas isso define o tempo? O nosso tempo, talvez não... Pois nosso tempo não se constitui e nem se submete a essa organização... O nosso tempo se define no momento... Não em uma hora, minuto ou segundo; mas no momento...

Não são as horas ou minutos que nos marcam, ainda que marquemos algo neles... São os momentos que nos marcam e, como dominadores desesperados pelo controle, acreditamos que podemos marcar, em determinada data e hora, determinado momento... Mas, repito, os momentos é que nos marcam, seja para o bem ou para o mal... São os momentos que ditam os arrependimentos, as alegrias, as saudades, as realizações... E o momento não está submisso a nada que possamos fazer, pois ele se constitui de tão minuciosa sequência de atos, que por si só representa uma complexidade ímpar, mas fixada na memória... As horas, os dias, os minutos podem, no máximo, ser componentes do momento... Por isso, aquele aniversário se torna inesquecível; o encontro daquele dia, o mais romântico; o sorriso daquele minuto, o mais belo; aquele acidente o mais terrível... O dia e as horas pertencem ao momento, mas o momento não lhes pertence...

Olhe para as crianças: se importam tanto com os dias, horas, minutos? Não! Mas conseguem, com destreza de um mestre, fazer de cada minuto um momento... Um recém nascido tem mais entendimento acerca disso do que qualquer um de nós... Veja como ele se deleita, aproveita e se submete ao simples instante em que é amamentado... Naquele momento, não minutos, ele sente o cheiro de sua mãe, ele saboreia o leite... Ele sente o afago... Ele ouve as batidas do coração que outrora lhe fora tão próximo, quando ainda se via no útero materno... Se deleita de modo tão profundo naquele instante, que dorme ao som da voz, ao calor do corpo, à segurança do amor...

O momento se eterniza num instante... Faz cada segundo tão longo quanto anos inteiros... Faz um segundo perdurar por uma vida inteira... Um momento transcende gerações inteiras enquanto as marca... Um momento se faz jugo e fardo... Um momento alcança o profundo da alma e pode firmar residência permanente ali, ou pode ir-se embora, mas sempre deixará seu aroma nostálgico nos ventos da memória...

Há momentos que nos aprisionam... Mas há momentos que nos libertam... A dor da culpa pode representar uma cadeia para alma... Mas o momento em que o perdão é concedido e aceito representa a possibilidade de voar...

O tempo carrega consigo a juventude, a beleza, o vigor... Mas o momento pode trazer a esperança e o conforto da experiência; pois tudo isso é concedido no específico momento... As estações se repetem ano após ano; a Terra faz o seu giro e torna à posição de costume; a Lua protagoniza, num espetáculo, as suas fases... Tudo isso orienta o nosso tempo... Mas, enquanto o tempo se estende, de modo aparente linear, os momentos o encurvam, o submetem, o fazem prostrar... O tempo sempre se renderá ao momento... Quem tem o poder de dominar o momento não estará limitado ao tempo...

Alguns momentos se transpuseram de maneira tão sobreexcelente ao tempo que o próprio tempo não os pôde conter nem definir em seus limites... Falo do Cordeiro que, apesar de ter sido morto há aproximadamente 2000 anos atrás, já o havia sido desde antes da fundação do mundo... Um momento que transcendeu, subjugou, dominou, venceu e desintegrou o tempo... Um momento que, por natureza, é atemporal e por mais que se conceba que tenha acontecido em um determinado dia do calendário, se transpôs e fez o calendário girar, pular, rodopiar, perder, voltar e ir além... Fez o calendário ser tão importante quanto poderia ser para qualquer passarinho que canta na aurora e no crepúsculo...

Para reflexão leia: Eclesiastes 3:1-8 e Gálatas 4: 4 e 5