sábado, 24 de março de 2012





VERISSIMO

Paradoxos

Nossa biografia, nossos amores e vexames, nossos sonhos e brotoejas – nada disso interessa ao DNA

Tem duas coisas que não batem com a teoria de Darwin sobre a evolução das espécies. Uma é o altruísmo, que desmente a tese de que a seleção natural se faz pela competição entre genes egoístas. Outra é o veneno, que desmente a tese de que os bichos desenvolvem seus mecanismos de ataque e defesa na luta pela sobrevivência, já que o bicho venenoso é venenoso desde os seus primeiros ancestrais e portanto já nasce pronto para a guerra química.

As formigas e as abelhas são os exemplos mais conhecidos de bichos sociais com um comportamento altruísta. Nascem com sua função e seu destino já programados e estes podem incluir o sacrifício do indivíduo pelo grupo. O próprio Darwin reconheceu o paradoxo do altruísmo, que intrigou a ciência durante muito tempo – tanto tempo que só na metade do século 20 começaram a estudar o fenômeno a sério.

Se, segundo Darwin, você, eu e a minhoca estamos no mundo para obedecer o nosso gene egoísta e sobreviver para poder transmiti-lo a nossa prole, como se explica o comportamento altruísta de espécies inteiras?

Uma explicação fascinante que surgiu é assim: nossa missão na vida é transportar o DNA que recebemos dos nossos pais, que receberam dos nossos avós e assim por diante, desde as primeiras amebas da família.

Tudo o que somos e o que fazemos, nossa biografia, nossos amores e vexames, nossos sonhos e brotoejas – nada disso interessa ao DNA. Ele só está nos usando como transporte. Quer segurança e quer ser passado adiante com eficiência, e o mínimo que espera de nós é que sejamos bons reprodutores para ele não perder a viagem.

E em comunidades endógamas como as das formigas e das abelhas, onde todo o mundo é irmão ou no máximo primo, os DNAs se parecem. Existe até o que poderia ser chamado de um DNA coletivo. Assim, os altruístas não estão renunciando à sua missão. Estão assegurando que o DNA do grupo será passado adiante, com seu sacrifício. É o determinismo darwiniano funcionando por outros meios.

A teoria do DNA coletivo não é universalmente aceita entre os biólogos, mas, que eu saiba, não apareceu outra tão razoável. Formigueiros e colmeias são exemplos inspiradores de altruísmo e divisão de tarefas, muito citados como modelos para a humanidade, mas é bom não esquecer que se trata de monarquias não-parlamentares e escravocratas – e ainda por cima matriarcados!

Quanto aos bichos venenosos, nada os explica. Só uma teoria da maldade intrínseca, de um mau caráter nato e entranhado. É inimaginável que sua espécie tenha desenvolvido seu poder peçonhento como outros animais desenvolveram carapaças ou disfarces para se proteger de predadores ou enganar presas.

Os venenosos não produzem seu veneno num processo de tentativa e erro, o que os enquadraria no grande drama da competição em que os bichos, através dos séculos, vão aperfeiçoando as suas armas para a sobrevivência.

Nunca precisaram testar o produto da sua alquimia interna – este veneno mata em segundos, este só paralisa, etc - antes de usá-lo. Já nascem sabendo o que podem. O que explica aquela empáfia da primeira serpente da Terra, na sua representação bíblica. Ela se sabia o Mal irresistível, e conhecia todos os seus próprios venenos. Que viesse a seleção natural do Darwin – ela estava pronta.

" órfãos adultos "





MARTHA MEDEIROS

Órfãos adultos

Era uma senhora alegre, faceira. Mas morreu, como acontece com todos. Sem salamaleques, sem longas internações. Morreu rápido, como muitos desejam, e viveu demoradamente, como se deseja também: tinha 99 anos.

Deixou três filhos, todos na faixa dos 70, pois na época em que essa senhora era jovem casava-se cedo. E foi então que, conversando com uma das filhas, de 75 anos, me deparei com uma questão sobre a qual eu nunca tinha pensado. Disse-me ela que estava muito magoada com a reação das pessoas: todos vinham abraçá-la, no enterro, como se ela estivesse de aniversário, como se fosse uma boda, uma promoção, um réveillon.

“Minha mãe, apesar da idade que tinha, não dava trabalho à família, era independente e gozou de boa saúde até o final. Porém, mesmo que tivesse dado trabalho, mesmo que eu e meus irmãos estivéssemos reféns de uma condição desfavorável, ora, perdi minha mãe. Por que isso seria menos doloroso a essa altura? Só porque também sou velha?”

Calei. Ela tinha total razão. É muito comum encararmos a morte de alguém bastante idoso como um alívio para a família – estivesse o defunto já doente ou não. Da mesma forma como nos chocamos quando alguém parte cedo, nos insensibilizamos diante dos que partem aos 95 anos, aos 99, aos 103 anos de idade. É como se estivéssemos aguardando a notícia do óbito para qualquer momento, e quando a notícia chega, tudo certo, cumpriu-se a ordem natural das coisas, é preciso morrer e, que dádiva, ao menos este viveu bastante.

Tudo certo quando se trata dos pais dos outros.

O que essa senhora de 75 me esclareceu é que ela tem, também, o direito de sentir-se órfã. É um engano achar que a orfandade é um sentimento exclusivo dos jovens. Ela tinha vontade de dizer, a todos aqueles que foram ao enterro apenas para cumprir uma formalidade social, sorridentes como quem vai a um shopping, que a sua capacidade de sentir dor não havia sido diluída pelos seus 75 anos, e que ela sentia falta daquela mãe tanto quanto a sua filha de 50 sentiria a sua, e tanto quanto a sua neta de 25 sentiria da mãe dela.

Essa história aconteceu alguns anos atrás, mas me veio à memória com clareza e força ao ler recentemente o livro Filosofia Emocional, do professor Frédéric Schiffter, que entre diversos assuntos aborda exatamente isso: a tristeza não é uma doença, muito menos uma doença exclusivamente infantil. O fato de sermos experientes, vividos, maduros e bem resolvidos não cria em nós uma blindagem contra os sentimentos. Ao menos, não diante de perdas tão significativas.

E se por um acaso for uma doença infantil, que respeite-se. Perder a mãe nos leva, a todos, de volta aos 10 anos de idade.

O poema dos Poemas





O poema dos poemas
Carlos Heitor Cony*



"O Corvo" é um poema oral, Poe o recitava
como se tratasse de um "lied" de Schubert,
uma fuga de Bach ;-

Se me perguntassem qual o livro mais importante que li, eu seria obrigado a citar uns 20 ou 30, sem incluir na lista a Bíblia e o catálogo de telefones.

O mesmo aconteceria se me pedissem para lembrar o melhor jogador de futebol, o melhor samba, o melhor filme e o melhor sanduíche de carne assada da cidade.
Agora, se a pergunta fosse feita sobre o poema que mais me impressionou, eu responderia sem qualquer hesitação: "O Corvo", de Edgar Allan Poe.

Faz tempo, num almoço com o poeta e tradutor Ivo Barroso, falávamos justamente sobre os grandes poemas universais, e fiquei sabendo que a obra de E.A. Poe é uma das mais traduzidas. Conversa vai, conversa vem, Ivo organizou para uma editora carioca um livro com as traduções que conhecíamos ("O Corvo e Suas Traduções", Leya, 2012, 3ª edição).
Evidente que as de Machado de Assis e Fernando Pessoa foram automaticamente lembradas, assim como as de Baudelaire e Mallarmé, as duas últimas em prosa, mas excelentes.
Evidente também que, sendo oficial do mesmo ofício, Ivo lembrou outras que eu não conhecia.
A primeira edição de "O Corvo e Suas Traduções" esgotou-se rapidamente e, na seguinte, ele acrescentou algumas que não constavam da anterior: Didier Lamaison, Emílio de Meneses (em sonetos),
Gondin da Fonseca, Milton Amado, Benedito Lopes, Alexei Bueno e Jorge Wanderley. Nas edições seguintes, foi incluído um pequeno ensaio do próprio Poe sobre "A Filosofia da Composição".

Restou para nós a questão de chegarmos a um acordo sobre a melhor. Excetuando as duas em prosa (Baudelaire e Mallarmé), todas são magníficas, embora algumas sejam paráfrases, como a de Machado.
"O Corvo" é um poema oral, feito para ser recitativo, Poe o recitava em saraus como se tratasse de um "lied" de Schubert, uma fuga de Bach. Por isso mesmo, o ritmo, a cadência, sobretudo as rimas internas dentro dos versos, representam uma dificuldade quase intransponível para a versão, em outra língua, de um poema que, ao longo de mais de um século, foi e continua sendo dos mais traduzidos da literatura universal.

Ivo Barroso considera o trabalho do mineiro Milton Amado, de 1943, o que mais se aproxima dos efeitos métricos originais. O meu amigo Maurício Azêdo prefere a tradução de Benedito Lopes (de 1956). Por questões pessoais, aprecio a de Machado, datada de 1883: foi por meio dela que tomei conhecimento do poema, gosto de citar, sempre que posso, e mesmo quando não devo, seus versos iniciais que nunca me saíram da cabeça: "Eu caindo de sono e exausto de fadiga, ao pé de muita lauda antiga". Humberto de Campos, o escritor mais lido em seu tempo, inicia algumas de suas crônicas com a citação dos dois versos.
Baudelaire e Mallarmé usam as mesmas palavras: "faible et fatigué", bem próximas do "weak and weary" originais.

Até aqui, ficamos em alguns aspectos formais do poema, mas "O Corvo" é muito mais do que rimas e ritmo. É uma cena sombria, de atmosfera quase gótica, não faltando nem sequer o corvo que sempre me lembrou o cão que Goethe colocou junto a Dr. Fausto. Lá pelo final do poema, Fernando Pessoa tem um verso descrevendo a ave sinistra que, tarde da noite, bate à porta do poeta. Com ar sereno e lento, ela entra e pousa sobre os seus umbrais num alvo busto de Atena; pousa e nada mais: "Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha".
O poema não chega a ter enredo, resume-se num monólogo do poeta interrogando a ave que, a cada pedido, repete o famoso estribilho: "Nevermore" -nunca mais.

Uma quadra de Machado dá o tom de mistério e angústia: "Profeta ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que negrejas! Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende! Por esse céu que além se estende, pelo Deus que ambos adoramos, fala, dize a esta alma se é dado inda escutá-la no Éden celeste a virgem que ela chora nestes retiros sepulcrais. Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!" E o Corvo disse: "Nunca mais!".
Escrito em 1845, o poema de Edgar Allan Poe rapidamente se transformou numa das mais importantes criações da poética moderna, não só pela sua excelência e originalidade, mas também pelo efeito hipnótico de sua genial estrutura.
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*Colunista da Folha
Fonte: Folha on line, 09/03/2012

Nós as pessoas comuns


"Há pessoas que Deus escolhe e preserva à parte. Outras, ele não "retira do mundo" e as deixa junto à multidão.
São pessoas que têm um trabalho comum, formaram um lar comum ou simplesmente não se casaram. Pessoas que têm enfermidades comuns, lutos comuns. Pessoas que têm uma casa comum, usam roupas comuns. São pessoas que levam uma vida comum.

Pessoas que encontramos em qualquer esquina. [...] Como nós, que acreditamos, com todas as nossas forças, que este mundo no qual Deus nos colocou é, para nós, o lugar de nossa santidade. [...]

Não importa o que tenhamos a fazer: varrer ou segurar uma caneta. Falar ou ficar em silêncio, consertar algo ou dar uma palestra, cuidar de um enfermo ou desempenhar a função de secretário.
Tudo isso nada mais é do que o invólucro de uma realidade esplêndida, o encontro da alma com Deus, a cada minuto renovada, a cada minuto enriquecida em Graça, sempre mais enfeitada para Deus.
Alguém se encontra à porta? Vamos logo atender: é Deus que vem nos amar. Uma informação?...Ali está ele... é Deus que vem nos amar. É hora de nos sentarmos à mesa? Vamos: é Deus que vem nos amar.
Não nos preocupemos com o que Ele reserva para nós. Nós, as pessoas comuns."




Nós as Pessoas Comuns...

Remédio para a alma...


Para deixar a saúde em dia, invista em atividades prazerosas, como ir a shows ou passear ao ar livre
Viver em estado de bem-estar é uma das maiores aspirações de qualquer sociedade. A cultura e o lazer – tema deste caderno que inaugura uma série de oito especiais, a serem publicados em Zero Hora até o final do ano –, estão especialmente relacionadas com essa sensação de prazer. E os benefícios vão além do prazer no momento presente: no pacote de benefícios, está o reflexo na saúde, tanto física quanto mental, além do menor risco de doenças cardiovasculares e degenerativas.

As prováveis explicações para os benefícios da cultura e lazer sobre nossa saúde incluem desde dimensões psicossociais até mesmo biológicas. As atividades de lazer podem aumentar nossa rede de relacionamentos e nossas conexões sociais. Esse é um fator que está associado a uma menor concentração de hormônios do estresse. Já foi demonstrado que, com isso há redução dos riscos de doença isquêmica do coração (os animais de estimação também exercem esse efeito).

Além disso, quando nos distraímos com atividades como ir ao cinema ou passear ao ar livre, aumentam os níveis do hormônio ocitocina e do neurotransmissor serotonina, ambos associados ao bem estar psíquico. Também há a estimulação de nossos centros cerebrais de recompensa associados ao prazer. Essas são as mesmas regiões do cérebro estimuladas quando nos deliciamos com um saboroso alimento, quando experimentamos a paixão, quando compramos algo novo e muito desejado, quando temos atitudes altruístas ou quando solucionamos um problema. A ativação desses centros leva à liberação de uma série de neurotransmissores como dopamina, serotonina e endorfina, potentes substâncias diretamente associadas ao bem-estar.

Com a cultura e o lazer, temos uma das maiores oportunidades para fugirmos da rotina e da repetição. Assim nosso cérebro, vivenciamos o novo e o inesperado, que são fatores críticos para a estimulação de nossos centros de recompensa, com boas repercussões sobre a saúde psíquica e o estado imunológico.

Segundo o neurologista Ricardo Teixeira, do Instituto do Cérebro de Brasília, diferentes modalidades de lazer são ferramentas preciosas para o tratamento de pessoas doentes: música, literatura, teatro e pintura. A música, por exemplo, aumenta a velocidade de recuperação de pacientes na fase aguda de um derrame cerebral, reduz a agitação de adultos em unidades de terapia intensiva e melhora o comportamento de crianças internadas com transtornos psiquiátricos.

– Um meio rico em estímulos promove ainda uma maior saúde de regiões cerebrais tais como o hipocampo, que está relacionado a uma maior atividade cognitiva e menor risco de depressão. Há uma forte linha de pesquisa mostrando-nos que os idosos que mantêm ativas suas atividades de lazer têm menos risco de desenvolver a Doença de Alzheimer, por exemplo – afirma Teixeira.

O psiquiatra Jair Segal, coordenador do Comitê de Psiquiatria da Unimed, afirma que quem não investe em atividades que deem prazer – seja ler, ver TV, ir a um bar com os amigos ou mesmo não fazer nada – pode, a longo prazo, ter sérios prejuízos, que interferem tanto no corpo quanto na mente.

– É fundamental ter alguma atividade fora do trabalho, que dê algum sentido a mais e gere prazer. Ninguém aguenta muito tempo sem relaxar – afirma Segal.
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Relaxar é fundamental...



Dar uma pausa na rotina para fazer o que se gosta é um dos melhores investimentos para a sua saúde...

Não restam dúvidas:
se você quer espantar de vez o estresse mental, físico e psicológico, a cultura e o lazer são grandes aliados. Pode ser fazendo até coisas banais, como sair com os amigos para tomar um chimarrão no parque. Está mais do que provado que esses momentos de relax ajudam o cérebro a funcionar melhor. Ou seja: enquanto você se diverte, está ativando áreas cerebrais importantes.

– A massa cinzenta é extremamente plástica – afirma Sidarta Ribeiro, um dos mais influentes neurologistas do país.

Uma pesquisa publicada em 2008 por sete grandes universidades americanas mostrou algo que parecia pouco provável: música e teatro aumentam a capacidade de concentração e geram ganhos tão significativos para a memória que você tem como extrapolar a melhora para outras áreas. Eles observaram que quem treina para tocar um instrumento parece ficar mais habilidoso em geometria e a compreender melhor um texto.

Se você é daqueles que insistem na dobradinha casa-trabalho, trabalho-casa, saiba que está deixando de aprimorar sua inteligência e, ainda, prevenir doenças.

– Um dos caminhos mais indiscutíveis para manter as recordações intactas é ler. A memória mantém-se graças ao uso. E a leitura é uma forma de exercitá-la – garante o neurocientista Ivan Izquierdo.

Saiba, a seguir, quais os benefícios de investir em atividades corriqueiras, como tocar violão, ouvir música, ler um bom livro ou conferir uma estreia no cinema. Motivos não faltam para melhorar, brincando, sua qualidade de vida.

Mas, afinal, o que é lazer?
O sociólogo francês Joffre Dumazedier – pioneiro nos estudos do lazer e da recreação – ficou conhecido ao disseminar seu conceito sobre lazer. Ele afirma que trata-se de um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se e entreter-se ou, ainda, para participar de forma voluntária de alguma atividade que lhe dê prazer. O conceito só se firmou a partir do século 20, sendo que a ideia só foi incorporada a partir do momento em que o modelo capitalista de produção percebeu que o trabalho podia ser aliado ao prazer.

A liberdade é outro grande ganho para quem dedica algumas horas para relaxar. A psiquiatra Eneida Kompinsky comenta que o lazer passa por uma ausência de obrigações – a pessoa escolhe o que quer fazer – e também criatividade para encontrar alternativas para aproveitar o tempo livre, inclusive, sem gastar muito dinheiro.

Amadurecer é saborear com menos pressa,Vicky Bloch




Vicky Bloch*


Os jovens de hoje em dia têm muita pressa. Por um lado isso é bom, pois isso representa o oposto do comodismo, mal que afetou muitas gerações passadas. Eles são mais questionadores, querem inovar o tempo todo, nadam de braçada nas novas tecnologias, têm alcançado altos postos nas organizações e patrimônio cada vez mais cedo.
Mas essa afobação toda traz também uma carga negativa: eles não estão se dando tempo e nem mesmo espaço para um amadurecimento consistente.
As pessoas continuam precisando de um conjunto de experiências refletidas para poder amadurecer. Com a pressa que o mundo impõe hoje, muitos pensam que migrar de uma experiência profissional para outra é suficiente. Na minha visão, porém, esse movimento pode não ser um crescimento consistente. Cada transição precisa ser refletida antes que o novo ciclo se inicie e o atual se transforme em efetivo aprendizado. A maturidade ainda está muito ligada ao conceito de envelhecer. Por isso, talvez, o termo apresente alguma resistência.
Certa vez, li um artigo em que o autor dizia que amadurecer não significa perder o encanto, ficar velho. É apenas saborear com menos pressa. Não é perder a vibração, deixar de se encantar com o novo, mas tratar disso com mais responsabilidade. Gosto muito dessa percepção. Antes de expor toda a sua bagagem para o mundo, ela precisa ser interiorizada e isso demanda tempo, dedicação, atenção. Mas, com essa corrida desenfreada, quem encontra tempo? Com tantas cobranças, quem se permite parar?
Nós - e aí incluo os pais, a sociedade e a escola - estamos acelerando ainda mais esse ritmo dos jovens, cobrando como se eles não tivessem o direito de errar, como se eles tivessem obrigação de estar totalmente encaminhados na vida profissional aos 20 anos e sem o direito de fazer alguma mudança aos 28. Se uma criança não tem sua agenda repleta de atividades, sentimos culpa por talvez estarmos "atrasando" nossos filhos ou tornando-os obsoletos para a entrada na sociedade produtiva! O que é isso? Preencher agenda, na verdade, resolve também a falta de tempo para estar com eles.
A cobrança é tamanha que jovens com menos de 30 anos se desesperam se descobrem que não estão contentes com suas escolhas do passado recente e que desejariam mudar de rumo. Nessa sociedade imediatista, eles aprendem que um recomeço a essa altura da vida - que altura? 28 anos? - significa que eles estão fadados a ficar para trás na competição do mundo corporativo. Agora, eu pergunto: quem disse isso? Quem falou que a pessoa não pode mudar sua carreira aos 30, aos 40, aos 50 e ser bem-sucedido? Ou melhor, ser mais feliz, ou feliz novamente com um novo amor?


"Amadurecer é ter a capacidade de organizar
a própria vida. Se você é jovem,
tenha tanta pressa.
Nada vai sair do lugar."

Percebo, nesse corre-corre, que o movimento está se refletindo também no ensino. Basta ver o perfil dos alunos nos cursos de MBA. Originalmente, a proposta desses cursos era que o profissional voltasse para a escola depois de alguma experiência vivida para e reciclar, aprimorar conhecimentos e, acima de tudo, aprender com a troca entre os colegas de turma.
Hoje, você entra em uma sala de MBA e grande parte é formada por jovens que mal saíram da faculdade e se sentem cobrados por fazer uma pós-graduação imediatamente. Pipocam de um curso a outro para engordar o currículo e nem ao menos avaliam o quanto aquele conhecimento realmente está sendo absorvido ou se os objetivos estão de fato sendo atingidos.
Amadurecer é ter a capacidade de organizar a própria vida. Se você é jovem, não tenha tanta pressa. Nada vai sair do lugar. Crianças continuam nascendo em nove meses (agora se contam em semanas, parece que para acelerar o tempo, não?).
Quanto mais reflexões embasarem as suas decisões, menores serão as suas chances de errar. A maturidade consistente só virá se você souber sugar suas experiências e conseguir, de fato, aprender com elas. Pare, respire. Pense sobre o que aprendeu até aqui, o que te faz bem, o que te realiza. É essencial também identificar aquilo que você não quer fazer. Dê um passo de cada vez. Garanto que você sairá ganhando.

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* Vicky Bloch é professora da FGV, do MBA de recursos humanos da FIA e fundadora da Vicky Blioch Associados
Fonte: Valor Econômico on line, 21/03/2012




RUTH DE AQUINO

Thor

Na mitologia, Thor é o deus do trovão, mestre das tempestades. Na vida como ela é, Thor é filho do homem mais rico do Brasil e de uma de nossas musas de Carnaval. Ele tem 20 anos. Na semana passada, deve ter envelhecido. Thor matou na estrada um ciclista, Wanderson Pereira dos Santos, ajudante de caminhoneiro, de 30 anos.

O filho de Eike e Luma foi acusado de homicídio culposo, sem intenção de matar. Dirigia um Mercedes SLR McLaren, placa EIK-0063, um dos carros do pai, que pode chegar a 334 quilômetros por hora. O carro, de R$ 2,3 milhões, é considerado o nono mais veloz do mundo.

Thor jura inocência. Afirma que a bicicleta de Wanderson surgiu do nada e cruzou “inadvertidamente” a BR-040, estrada entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora. Era noite. Diz que dirigia o Mercedes dentro da velocidade permitida naquele trecho, 110 quilômetros por hora. A versão dos advogados da vítima é diferente: Thor vinha em alta velocidade e atropelou o ciclista no acostamento.

Eike correu para o Twitter para defender o filho, que se comportou “como um cidadão honrado” e “poderia ter morrido pela imprudência” da vítima. Sem Twitter, a mãe de Wanderson também defendeu o filho. Disse que Wanderson fazia esse trajeto sempre e jamais colocaria sua própria vida e a de outros em risco.

Thor de fato agiu direito – não como os playboys já citados nesta coluna. Procurou a Polícia Rodoviária Federal. Soprou no bafômetro, não havia nenhum traço de álcool. Socorreu a vítima, em vez de fugir. Passou mal ao ver o corpo de Wanderson, com uma perna e um braço amputados. Deu assistência à família da vítima. E não se furtou a depor na delegacia. Estava acompanhado de cinco seguranças e três advogados.

Não é o primeiro contratempo na vida de Thor. Em maio do ano passado, atropelou, com um Audi, um senhor de 86 anos na Barra da Tijuca, que também estava numa bicicleta mas sobreviveu. A história foi revelada na sexta-feira, pelo colunista do Globo Ancelmo Gois. Esse senhor, cujo nome não foi divulgado, fraturou a bacia, colocou duas placas e cinco parafusos, fez fisioterapia, hidroterapia. Thor pagou todas as despesas.

No mesmo maio de 2011, a revista Quem publicou entrevista com Thor. Ele foi até seu carro estacionado em frente à casa, um BMW de R$ 770 mil. Deu a partida, pisou no acelerador e convidou a repórter a experimentar: “Está ouvindo o motor? Pisa no pedal”.

Thor acabara de comprar um Aston Martin DBS, conhecido como o carro do agente 007, avaliado em R$ 1,3 milhão, pagos de seu bolso com aplicações na Bolsa de Valores. “Trouxe de São Paulo e cheguei a 280 quilômetros na Dutra (rodovia que liga Rio e São Paulo). Gosto de sentir o carro. Não compro para ostentar a marca, mas porque sei dar valor à máquina que está ali.”

Não consigo entender por que pais ricos incentivam filhos jovens e inexperientes a dirigir máquinas incompatíveis com nossas estradas. Não estamos na Alemanha. Não temos autobahns. Nossas rodovias estão longe da segurança e excelência germânicas. Velhos, crianças, bicicletas, animais atravessam as pistas. O asfalto é ruim, há buracos e cruzamentos perigosos. Dividimos estradas mal conservadas com carros e caminhões velhos, caindo aos pedaços, que deveriam ser apreendidos. É a nossa realidade. Na estrada em que Wanderson morreu, houve 488 atropelamentos em cinco anos.

Sem condenar ou inocentar Thor antes do tempo, sem aderir à grita geral da luta de classes no trânsito, pode-se dizer sem erro que essa tragédia foi uma crônica anunciada, como tantas. Ainda não sabemos o que aconteceu, mas o banco dos réus está lotado.

No Brasil, os pais são condescendentes demais com as infrações dos filhos. Eike disse: “Atire a primeira pedra o motorista que nunca tomou uma multa por excesso de velocidade”. Ora, Thor já tem 40 pontos na carteira. E 11 pontos de outras infrações devem bater em breve. O advogado alega que Thor não sabia e que “outros podem ter cometido as infrações no lugar dele”. Difícil engolir.

Se o Detran leva séculos para suspender um motorista, os pais não deveriam deixar o filho dirigir até regularizar sua situação. Alguém faz isso? Eu faço com meu filho. Enquanto o Detran não cassar sua carteira e obrigá-lo a passar por uma reciclagem, ele não vai dirigir – pelo menos com meu consentimento.

Há outros réus no banco. Governos contribuem com o mau estado e a má sinalização das rodovias. E com a falta de passarelas para pedestres e ciclistas. Motoristas, motociclistas e ciclistas colaboram com a irresponsabilidade. E a Justiça arremata com a impunidade. Ninguém fica preso no Brasil por matar em atropelamento. Ninguém, rico ou pobre. Em nenhuma circunstância.

terça-feira, 20 de março de 2012





Agarre-se ao tempo, pois ele é o único que, quando se vai, te leva junto, ensina mil e um caminhos e oferece um passado pra te ensinar.

Eduardo Vila Nova

Cora Coralina





Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei.

Cora Carolina

Desvendando espaços...



Eu vivo para desvendar espaços. Encurtar caminhos. Aproximar afetos. [Bibiana Benites]

Eu sou apaixonado por textos que interrogam, não que dão certezas ou fórmulas. Textos que permitem a gente se duvidar um pouco mais do que o necessário, enlouquecer um pouco mais do que a dosagem normal, vibrar um pouco mais do que o permitido por lei. (Fabrício Carpinejar)

...só de mim mesma,texto de Marla de Queiroz





"Pois então, eu quero que você me deixe só, só sendo. Não tenho energia agora para dar respiração a qualquer frase. Não é que eu esteja numa má fase, mas me veio um choro antigo, mal digerido, uma lembrança sem cor. Estava guardado, eu sei, num pedaço qualquer de um restinho desbotado de amor. Deixa só eu limpar essas lágrimas, clarear minhas retinas, desengasgar essa bolha de águas salgadas. Só estou desembaraçando os sentimentos que ficaram órfãos de mim. (...) E por mais que eu amoleça não se aproxime: eu não quero abraços, eu não quero conselhos. Engatinhei demais em cima da brita durante os meus aprendizados, só eu consigo enxergar as feridas e o cuidado que preciso dar para curar os meus dois joelhos. Vá cuidar das suas coisas, embeleze sua rotina - há tempos eu te digo que estar sozinha, às vezes, é minha necessidade e minha sina. Guarde seu colo, seu consolo, suas palavras bonitas. Me deixe só, com o meu choro. Não estou triste nem aflita. Mas preciso descobrir como desatar isto que surgiu sem motivo, desatar este nó. Não há “nós dois” agora, neste fim de dia. Amanhã, quem sabe, eu precise ou queira sua companhia. E te trago de volta, te abro a porta, te abraço pra sempre, assim, de repente. Mas hoje meu corpo clama somente por mim mesma: quero apenas o meu copo em cima da mesa, quero somente meu fiapo de domingo adormecendo aqui. Quero a minha cama larga só pra mim."


[Marla de Queiroz]



'Só quem arrepia cada centímetro do seu corpo
e faz você sentir o sangue bombear num ritmo charmoso,
é capaz de estragar o mundo quando parte.'




[Tati Bernardi]

FABRÍCIO CARPINEJAR

O longo caminho do coração feminino

Se você está casado, é um vencedor. Merece cada volta completa na rede. Cada ronco do mate. Sobreviveu a toda a desconfiança feminina, a todos os testes que sua musa impôs a um relacionamento.

A mulher tem um Desenvolvimento de Recursos Humanos na alma para escolher seu par perfeito. Um Hans Christian Andersen introjetado para recrutar parceiros.

Ela não se casa com qualquer um, é uma longa seleção a partir de contos de fadas como A Pequena Sereia, Os Sapatinhos Vermelhos, A Princesa e a Ervilha e A Polegarzinha. Se usa aliança na mão esquerda, desbancou superstições, crendices e conselhos. Já pode escrever um livro de autoajuda e descrever sua façanha.

Desde os três anos, a mulher responde a enquetes sobre como ser feliz no romance. É veterana no assunto. Seus olhos carregam o pdf da Sabrina (o pretendente pode fazer download no primeiro encontro).

Se você está casado, é um vitorioso. Superou concorrentes desleais e pré-requisitos dificílimos. Escapou das premonições da sogra, que vivia dizendo a sua filha com quem ela poderia se envolver e de quem não deveria nem se aproximar, driblou o olho gordo dos cunhados e do sogro, que tentaram desqualificar a aproximação de ectoplasmas masculinos. Ninguém ajudou a chegar aonde você se encontra, no lado direito ou esquerdo da cama, com direito a um abajur e uma gaveta no criado-mudo.

O matrimônio é uma batalha épica somente igualável à fecundação. No seu percurso até o óvulo, o espermatozoide teve que enfrentar inimigos como os espermicidas e o preservativo, barreiras biológicas como o baixo pH vaginal e glândulas mucosas e vencer a licitação pública de 200 a 500 milhões de espermatozoides.

Em seu caminho ao coração de sua dona, não há moleza. Condicionado a achar a saída do labirinto do mapa astral, convergir com os horóscopos, fechar com o retrato falado da revista Capricho, saciar as sinopses dos filmes favoritos e atender as expectativas das canções de Chico Buarque. Não é tarefa para fracos e pobres de espíritos. Justifica receber de presente o pay per view da Libertadores.

Escapou da sabatina do Congresso do Amor, resistiu à CPI da Transparência, desmentiu suspeitas durante o namoro, abriu as contas no noivado. Deixou para trás ciganas loucas por um cigarro, e saiu ileso das profecias da cartomante em alguma tenda ou fundos de residência (sua cara-metade ouviu o jeito que você seria no tarô, e cruzou as informações com suas palavras e atitudes minuto a minuto).

Não foi barbada. Sua esposa mantém uma câmera escondida no rosto, confirmando evidências e comparando padrões. Ela não escuta, analisa. Não fala, soluciona. Não esquece, guarda arquivos temporários.

Se você está casado, é um afortunado. Valorize a si mesmo. Ou cumpriu o impossível, ou sua mulher deu cola para você passar na prova e subir ao altar.






segunda-feira, 19 de março de 2012





Aderbal Torres de Amorim*

O Estado não é confessional

A Constituição estabelece que o Estado é laico. Ele é não confessional. Assim, se de um lado a liberdade religiosa é garantia constitucional, de outro o Estado não pode privilegiar essa ou aquela religião. Ora, é próprio das externalidades alegóricas de qualquer ideia sua representação através de símbolos e, sempre que um símbolo religioso for exposto onde quer que seja, algum significado há de ter.

Para dizer o menos, pelo viés prático, não há espaço nas repartições públicas para se acolherem as mais de 2 mil religiões existentes no Brasil. Por isso, do ponto de vista jurídico – além da vedação constitucional –, a única forma de não contrariar a igualdade é mesmo impedir a exibição de qualquer representação religiosa: se não cabem todas, não pode caber uma que seja. E isso não materializa qualquer desrespeito a esse ou àquele credo; significa respeito à Constituição.

Ao argumento de que a retirada de crucifixos de salas públicas representa a ressurreição dos “regimes mais abomináveis que existiram”, responde-se com o fundamentalismo religioso da “Santa” Inquisição, por exemplo. Instituída pela Bula de Sixto IV – e a pedido dos reis católicos Isabel de Castilha e Fernando de Aragão –, justificava a atuação do “Santo Ofício” na Espanha do século 15.

Prevista para “reprimir a heresia sem exageros”, legitimava os horrores da crueldade nas matanças precedidas de indizíveis suplícios dos que não adotavam o credo religioso dos governos dominantes. Religião e Estado aliavam-se no combate aos descrentes.

A laicidade do Estado moderno é dogma da liberdade e condição da paz social. Na luta religiosa, abriga-se o deletério fanatismo e a abjeta cegueira que, com frequência, levam os “rebanhos de fiéis” ao cometimento das mais desvairadas atrocidades. Não faz muito, os Bálcãs foram palco do genocídio provocado pelo fundamentalismo que separava católicos e muçulmanos. Montanhas de cadáveres eram trucidadas nas máquinas de moer carne e serviam de adubo à terra em transe.

Espancamentos, estupros e outras monstruosidades eram praticados em nome da religião que há séculos separa aqueles povos. E o que dizer do êxodo dos armênios frente ao poderio turco, em que a religião era a causa daquele gigantesco genocídio? E o morticínio fratricida entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, até hoje não pacificada plenamente? E os assassinatos ordenados por Cromwell na Escócia e na Irlanda, “em nome de Deus”?

Por tudo, e assumindo o risco panglossiano da ousada ideia, que os sinais religiosos circunscrevam-se aos templos – igrejas, sinagogas, congás, mesquitas – e, enfim, possa o cidadão livremente expor suas ideias sem medo da discriminação religiosa que aos povos tanto amedronta.

O mundo viverá melhor.

*Professor da Escola Superior da Magistratura – Ajuris

sábado, 17 de março de 2012

...pedras no caminho,um dia construirei um castelo

Saúde, criatividade, resiliência

Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado
algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de
todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica mesmo que injusta

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...

Fernando Pessoa

do Livro Rútilos...duas obras consagradas de Hilda Hilst




(...)de mim sei nada, sei muito dessa palha que se chama aparência,

sei nada dessa coisa entranhada do meu ser de dentro (…)

(...) e a cólera de saber que tudo me possui

e ao mesmo tempo nada,

que nada em mim é permanência, vínculo,

tudo se adere ao circulo, tudo é a mesma linha

que se estende, tudo é tangente, tudo esta colado a mim.




"Dentro de mim, sagrado descontentamento."





[Rútilos, pág 15 e 16- Hilda Hilst]




O livro Rútilos é a reunião de duas obras consagradas de Hilda Hilst: Rútilo Nada e Pequenos discursos.

Cláudia Tajes,a migração deixaria as andorinhas espantadas,já será tempo de ovos,os de páscoa....





CLAUDIA TAJES

Para quem volta, para quem não foi


A migração deixaria as andorinhas espantadas. Assim como se foram tão logo o calor se combinou às férias, milhares de gaúchos voltam agora para as suas casas. Bem-vindos sejam. Nós, os que seguramos as pontas no verão mais suado das últimas décadas, estamos aqui, no ar-condicionado, para recebê-los.

É um movimento migratório curioso. Na pressa de abandonar a civilização, os gaúchos saem todos ao mesmo tempo, e param todos ali na estrada. Já o retorno se dá em horários mais espraiados, conforme o dia em que cada um precisa reassumir a antiga personalidade.

Novamente de terno, o chefe que você viu de sunga vermelha e sendo pacientemente enterrado na areia pelos filhos em breve perderá o ar relaxado. Na próxima bronca, não o recorde dessas amenidades. Para um chefe, sunga vermelha e paciência são coisas para cair no esquecimento, ao menos até as próximas férias.

Ainda sobre a migração de janeiro e fevereiro, outra particularidade: é fincar o pé em território urbano, que o gaúcho se dirige ao supermercado. Não existe a hipótese de chegar da praia sem passar pelo súper. Quem vinha comprando com tranquilidade por certo estranhará as longas filas e os carrinhos estourando nas caixas onde se lê “máximo de 10 itens”.

Então, quando você pensar que isso é chato, baterá com a cabeça nos ovos de Páscoa que surgiram do nada para lotar o espaço aéreo das lojas. Se tiver encontrado uma vaguinha para estacionar, bem entendido.

Feitas as contas, o verão 2012 termina com saldo positivo. O número de mortos em acidentes e afogamentos diminuiu. Porto Alegre está com a maior parte das calçadas recuperadas, exigência da prefeitura que contou com a compreensão dos cidadãos.

Também foi um verão em que não faltaram bons shows, filmes, espetáculos e programas para quem ficou torrando em temperaturas que não se deve chamar de senegalesas para não magoar o pobre do Senegal. Sem falar nos beijos dados, nos novos amigos, nas novas músicas, nos novos amores, nos amores que resistiram, nos bebês que vêm aí. Como nascem bebês depois de um verão.

Quem volta e quem sequer foi, finalmente todos estão na mesma.

Aos remos.

De Cláudia Laitano," Comédias do Amor "!!!



CLÁUDIA LAITANO

Comédias do amor

Uma boa história de amor é sempre uma história de antagonismo: dos personagens entre si, dos personagens e suas circunstâncias, do amor vivido com o amor imaginado. Amores improváveis, tempestuosos ou mesmo impossíveis são os únicos que valem a pena ser contados – os outros podem até fazer um certo sucesso na vida real, mas em geral rendem péssima ficção.

Se as histórias de amor são menos sobre o apaixonamento em si, que não comporta tantas variações assim, do que sobre aquilo que se coloca entre os amantes e a felicidade futura, as histórias românticas são tão sedutoras e envolventes quanto são complexos os motivos que tornam esses amores complicados: famílias rivais (Romeu e Julieta), compromissos de honra (Tristão e Isolda) ou mesmo a morte (Dante e Beatriz).

O amor de um herói por sua musa pode não ter mudado tanto assim desde que Ulisses percebeu que as distrações do caminho não eram tão interessantes quanto a sua amada Penélope, mas as circunstâncias de cada época costumam desempenhar um papel decisivo no tipo de obstáculos que se interpõem entre os amantes. Um grande amor é sempre particular e histórico ao mesmo tempo.

Quem analisar a evolução dos enredos das comédias românticas no cinema, do clássico Aconteceu Naquela Noite (1934) às obras completas de Jennifer Aniston, vai descobrir como essas histórias despretensiosas são testemunhos relativamente confiáveis não apenas da moral e dos costumes de uma época, mas também sobre tudo aquilo que ainda está instável e não completamente assimilado pela classe média que vai ao cinema no sábado à noite.

Mulheres saindo de casa para trabalhar, casais de classes sociais diferentes, sexo antes do casamento, tudo isso foi retratado (e exorcizado) nas comédias românticas, até o momento em que as novidades foram devidamente assimiladas e incorporadas (ou não) ao novo código de comportamento vigente.

Houve um tempo em que as comédias românticas tiravam sua graça de diálogos de duplo sentido em que o sexo era não mais do que uma sugestão apimentada. Em Aconteceu Naquela Noite, nada realmente acontece, mas a cena em que Clark Gable e Claudette Colbert dividem um quarto separados apenas por um lençol carrega uma enorme carga de erotismo sugerido.

Nos últimos anos, a ginástica sexual quase explícita tornou-se banal no cinema, enquanto o amor romântico e exclusivo foi sendo empurrado para arena dos desejos quase impossíveis – algo como morar de frente para o Central Park ou receber uma herança de uma tia rica. Nesse mundo em que o amor ficou mais complicado (e raro) do que o sexo, um dos temas recorrentes das comédias românticas tem sido a possibilidade de viver as experiências do amor tradicional sem o correspondente investimento afetivo.

Filmes como Amizade Colorida (Friends with Benefits) e Sexo sem Compromisso (No Strings Attached) falam de parceiros que dividem a cama, mas não as complicações e as DRs. Outros como Coincidências do Amor (The Switch) e Solteiras com Filhos (Friends With Kids) mostram amigos que procriam juntos, evitando o casamento, mas não a experiência de ter filhos.

A comédia romântica tradicional, do tipo casal se encontra e inventa um sonho de futuro, anda cada vez mais próxima da ficção científica – ou do filme de época.








sexta-feira, 16 de março de 2012





LETICIA WIERZCHOWSKI

Tetracampeão em felicidade

Uma pesquisa realizada no ano passado pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com a consultoria Gallup entrevistou 200 mil pessoas em 158 países, e mostrou que o Brasil é tetracampeão em felicidade. A pesquisa tinha como objetivo descobrir a expectativa de felicidade das pessoas nos próximos cinco anos e também no momento atual. Pois, pasmem, o Brasil venceu pela quarta vez nas duas categorias. Depois do Brasil, no quesito felicidade, aparecem o Panamá, a Costa Rica, a Colômbia, o Qatar, a Suíça e a Dinamarca.

Eu já tinha escrito aqui, baseada num bate-papo que o Paulo Borges, responsável pelo São Paulo Fashion Week, tinha feito na última Semana de Publicidade da ARP, que a alegria brasileira é uma coisa inata, praticamente indestrutível, e que o mundo lá fora associa o nosso país à alegria. Deveríamos, portanto, trabalhar e exportar esta nossa imagem de alegria, considerando a nossa alegria um produto, um caminho de pensamento para o futuro do país.

Agora essa pesquisa vem comprovar que somos mesmo felizes.

Acho até engraçado o brasileiro ser feliz desse jeito – pagamos impostos astronômicos, e, apesar disso, qualquer fila do SUS é uma via-crucis; a violência urbana cresce de maneira alucinante por todos os cantos e não há perspectiva de melhoras nesse sentido: falta efetivo policial, falta dinheiro, e as nossas prisões estão abarrotadas, saindo ladrão pelo ladrão; nossos políticos custam uma fortuna aos cofres públicos, e nunca cansam de se envolver em escândalos de corrupção; nossas crianças pedem dinheiro no sinal e passam fome, vivendo à deriva da sociedade sem que nada de efetivo seja feito para tirá-las da rua, da miséria.

Mas, apesar de tudo isso, somos felizes. Somos teimosamente felizes. Aliás, pela lista de ganhadores, felicidade não tem lá muito a ver com PIBs altíssimos – os últimos países da lista são mesmo os mais ricos. Problemas com drogas e cartéis do ramo também não parecem contar muito – a Colômbia está lá, num glorioso quarto lugar. Fiquei pensando, portanto, o que os países mais felizes da pesquisa teriam em comum...

E, claro, a resposta é sol e calor. Países tropicais têm cidadãos mais felizes, e nada como um bom verão para levantar o astral da gente... Portanto, caro leitor, quando você terminar de ler o seu jornal e precisar sair à rua, nesse calor de 35ºC que vem assolando nossa cidade sem fôlego, não reclame. Aproveite o seu quinhão de felicidade, até mesmo porque aqui, na porção austral do Brasil, em junho as coisas estarão bem mais tristes.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Como a sociedade brasileira ,pensa... ou compartilha? !!!





ARTIGOS ZH - Lívia Haygert Pithan*

O Direito dos juízes

Existem limites para o exercício da função jurisdicional de interpretar as leis para aplicá-las ao caso concreto? Até que ponto um juiz pode construir novos conceitos jurídicos – tal como o de paternidade – sem que estes realmente reflitam os valores atuais compartilhados pela comunidade? Quais valores devem inspirar a criação de regras que preencham de significado o princípio constitucional da dignidade humana? Estas são questões permanentemente debatidas pelo meio acadêmico jurídico.

Porém, há casos concretos relacionados a estas questões que extrapolam o meio acadêmico e que devem ser discutidos por toda a sociedade. Um caso desse tipo foi noticiado por Zero Hora no dia 4 de março.

Trata-se de uma decisão judicial inédita, recentemente ocorrida na cidade de Recife, na qual o juiz autorizou o registro de uma criança como filha de dois pais. A criança, que foi gerada por fertilização in vitro, juridicamente não tem mãe, mesmo que ela tenha sido concebida em um ventre de uma mulher identificada, mulher esta distinta daquela que doou anonimamente o óvulo para a fertilização feita com sêmen de um dos homens membro de um casal homossexual.

Casos como este geram uma enorme confusão ética, religiosa e legal com a qual o Poder Judiciário se confronta e deve, necessariamente, intervir quando acionado – mesmo diante das incertezas decorrentes da inexistência de leis que proporcionem uma idealizada “segurança jurídica” de outrora.

Sem dúvida, os juízes possuem a difícil tarefa de descobrir um “mínimo ético comum” em suas decisões, em um mundo democrático no qual devem conviver harmonicamente pessoas com diferentes visões do que seja eticamente correto e incorreto.

Porém, parece-me que diante das incertezas com as quais depara o Poder Judiciá-rio em casos similares ao citado, não deve preponderar o excesso de convicção de juízes que buscam “revolucionar” e “modernizar” o Direito com base em valores pessoais. Deste modo, devemos louvar a prudência dos juízes que buscam fundamentar suas decisões em valores compartilhados pela sociedade.

Mas resta uma questão: será que a sociedade brasileira compartilha a ideia de que uma criança tenha dois pais, ao invés de um pai e uma mãe? Não tenho resposta, mas apenas uma suspeita de que a natureza e a tradição ainda preponderam em detrimento de uma inovação apressada.

***Professora da Faculdade de Direito e pesquisadora do Instituto de Bioética da PUCRS

interessante,critério único...



Luli Radfahrer

Príncipes e amantes

No mundo virtualizado, redes de relacionamento alimentam o amor eterno e o sexo sem compromisso

Sua cara-metade pode estar a um clique de distância. Ela pode ser do jeito que você precisa, mesmo que o tipo jamais tenha passado por sua cabeça.

A situação parece digna de livros de autoajuda, programas vespertinos de TV ou, pior, esquemas obscuros de pornografia ou prostituição. Como tudo na internet, também pode ser fantasia, tecnologia imersiva típica de videogame, realidade alternativa ou aumentada. Mas não é. São pessoas de verdade.

No mundo virtualizado das redes sociais, comunidades de relacionamento pessoal são cada vez mais populares no mundo.

Demasiadamente humanas, ali sobram corações e ventres, convivência e paixão. Cada encontro pode trazer a promessa de uma união de longo prazo ou de uma noite de sexo sem compromisso. Tudo depende da intenção e do lugar.

Elas podem ser divididas em dois tipos de ambiente: a pracinha da igreja e o clube de "swing". No primeiro, candidatos encabulados procuram conhecer o máximo de seu parceiro. No outro, o encontro é intenso, ansioso, visceral, sem tempo para conversa fiada. Em ambos, as relações têm um ar íntimo e privado, impublicável no Facebook.

Essas redes podem dar, a princípio, um ar derrotado, artificial, típico de pessoas inseguras, incapazes de lidar com variáveis deliciosamente imprevisíveis do jogo de sedução. Nada mais distante da realidade.

Quem vive em um grande centro urbano e está há algum tempo sem relacionamento estável sabe muito bem o quanto a sedução, pouco importa a idade, é romanceada. O mundo real é mais arriscado, cruel, egoísta, traiçoeiro e decepcionante.

As redes de relacionamento são ambientes racionais e pragmáticos, ideais para quem vive um cotidiano isolado, enclausurado e atarefado, sem tempo ou conexões suficientes para encontrar uma boa companhia. Podem cair muito bem para quem não se contenta com a reprodução em cativeiro e acredita que pode compartilhar de ideais mais profundos do que a missão, visão e valores da empresa em que passa a maior parte do dia.

A inteligência artificial de sistemas de relacionamento se baseia em um princípio comum a padres, shadchans judaicos ou comadres casamenteiras, mais interessados no que o candidato tem a dizer do que naquilo que ele deseja.

Depois de responder a dezenas (às vezes centenas) de perguntas a seu respeito, cada interessado é apresentado a perfis compatíveis.

Alguns, mesmo depois de tanto tempo e esforço, podem ser rejeitados caso sejam inconsistentes ou mal-intencionados.

O sistema parece agradar. Nos Estados Unidos há mais de 50 milhões de pessoas inscritas nessas redes sociais. Enquanto o bundalelê do AdultFriendFinder está entre os 250 websites mais acessados do mundo, o Match.com está entre os cem primeiros e o eHarmony alega proporcionar mais de 500 casamentos por dia.

Por mais que o algoritmo seja prático, baseado em pesquisas, bem-intencionado e com um altíssimo teor de satisfação entre seus usuários, não se pode negar que haja nele um componente assustador.

Afinal de contas, o simples fato de reunir milhões de pessoas de acordo com um critério único transpira, involuntariamente, a eugenia.


O que realmente importa? ...


O que realmente importa?

Geralmente não percebemos que a cada passo deixaremos uma marca que perdurará para sempre. Quer exemplo maior do que a escolha da pessoa com a qual você quer construir uma vida? Acertar nessa decisão, para ambos os lados, faz toda a diferença. Uma esposa ou um marido podem tanto levar para o alto quanto afundar seu parceiro. Não existe meio-termo. É uma questão de resultado da escolha.

Cada vez que optamos, estamos redefinindo nossos caminhos. A cada escolha você pode se aproximar de seu desejado destino ou se afastar completamente dele. O futuro é consequência das escolhas que fazemos no presente. Por isso, é fundamental que você reflita: quais são os motivos por trás de sua escolhas? O que a move para fazer as escolhas de sua vida? Vou provocá-la mais: por que você escolheu fazer a faculdade que fez ou está fazendo? Era realmente a que você queria ou é algo que lhe impuseram?

Por que você escolheu trocar de carro no fim do ano? Você quer e precisa trocar ou a sociedade quer que você troque? Por que você escolheu se exercitar tanto? É para ter mais saúde ou para se sentir parte de um grupo? Por que você escolheu ler este livro? Porque alguém o presenteou e você se sentiu na obrigação de ler ou porque você busca viver tudo aquilo que realmente importa em sua vida?

Por que você escolheu o casamento que está vivendo? É uma escolha que a completa todo dia e a faz sentir-se viva ou você às vezes tem vontade de não voltar para casa e reencontrar seu par?

Por que você decidiu adiar ser mãe ou pai? Porque você não está sentindo ainda que é a hora ou porque a sua carreira e seus projetos estão acima dessa escolha? Por que você escolheu a profissão que exerce? É a sua vocação ou você está se vendendo por dinheiro? Talvez você esteja dizendo: “Mas de que adianta ficar pensando nas escolhas que eu já fiz?”. Porque é ótimo saber onde estamos, reconhecer onde acertamos e onde erramos. Com essa consciência, podemos permanecer onde estamos, o que também é uma escolha, ou podemos desbravar novos caminhos, almejar novas possibilidades e mudar.

Ter clareza do porquê de suas escolhas irá contribuir muito para que você tenha uma vida mais calcada em certezas. Não estou falando da certeza de que tudo dará certo na sua vida, até porque a vida não teria graça se tivéssemos certeza de tudo que ainda vamos viver. Estou falando da certeza que só sentimos quando fazemos a escolha que julgamos certa, da sensação de estarmos no caminho certo, empenhados em fazer com excelência tudo aquilo a que nos propusemos. Estou falando de dar o nosso melhor, daquele sentimento que nos contagia ao realizarmos algo que alimenta nossa alma.

Se você fizer escolhas com discernimento, escolhas alinhadas à sua missão, a seus valores, à sua essência, estará sendo cada vez mais profunda e madura em todas as suas atitudes, estará sendo você, de cara limpa, onde estiver. Escolhi escrever este livro para, com minha visão, contribuir com aqueles que buscam viver sua verdadeira essência, aqueles que querem descobrir o que realmente importa na vida. Porque a vida passa tão rápido que não podemos desperdiçá-la com escolhas erradas.

Faça suas escolhas, busque aquelas que vão completá-lo, não aceite nenhuma escolha que o distancie de você mesmo, prefira sempre sua verdade; assim você estará, a cada escolha, dando um passo em direção ao seu propósito e será capaz de se sentir plenamente realizado.

reflexão





MIRIAN GOLDENBERG

Nosso corpo nos pertence

Que tal pararmos de esconder nossos corpos e nos libertarmos de pressões sociais que ainda nos aprisionam?

No final dos anos 60, as feministas norte-americanas queimaram sutiãs em praça pública para protestar contra a dominação masculina. Elas gritaram: "Nosso corpo nos pertence". Não sabemos se houve realmente a queima de sutiãs, mas o poder dessa imagem é tão forte que, até hoje, simboliza a luta contra a opressão das mulheres.

Leila Diniz, em 1971, exibiu a barriga grávida de biquíni na praia de Ipanema. Até então, as grávidas escondiam as barrigas em roupas largas e escuras. A barriga grávida de Leila Diniz representa a mesma mensagem: "Meu corpo me pertence".

Quase meio século depois desses dois eventos libertários, como as brasileiras se sentem com seus corpos?

Uma psicanalista de 59 anos afirma: "Muitas mulheres, inclusive as mais jovens e magras, não usam biquínis ou shorts porque sentem vergonha das celulites e estrias. Deixam de ir à praia, festas e até de trabalhar quando se sentem gordas ou feias. Só fazem sexo de luz apagada. Colocam uma lente de aumento nas imperfeições e são cegas para todo o resto. Algumas estão viciadas em cirurgias plásticas, botox, preenchimentos. Outras passam a vida inteira reféns de regimes malucos".

Ela constata um enorme sofrimento em função da busca do corpo perfeito. "As mulheres estão obcecadas com a aparência e têm pânico de envelhecer. O pior é que elas são muito mais cruéis com a aparência feminina do que com a masculina. Dizem que os homens ficam charmosos com rugas e cabelos brancos, mas são extremamente críticas com as mulheres que engordam e não pintam os cabelos." Ela conclui: "É a verdadeira prisão do século 21".

Simone de Beauvoir disse que só existe uma saída para as mulheres: elas devem recusar os limites que lhes são impostos e procurar abrir para si e para as outras mulheres os caminhos da libertação.

O Dia Internacional da Mulher provoca uma reflexão: o que estamos fazendo, no nosso dia a dia, para deixar de ser coniventes com a imposição de um modelo de corpo que exclui a maior parte das brasileiras?

Por que não resgatamos o famoso slogan feminista "nosso corpo nos pertence" e nos tornamos protagonistas de uma nova revolução? Que tal pararmos de esconder nossos corpos e nos libertarmos das pressões sociais que ainda aprisionam as mulheres brasileiras?

MIRIAN GOLDENBERG é antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de "Toda Mulher é Meio Leila Diniz" (Ed. BestBolso)

" felizes por nada ?"





MARTHA MEDEIROS

Felizes por nada

Quando me perguntam a que atribuo o fato de minha última coletânea de crônicas estar há 32 semanas na lista dos mais vendidos, não me ocorre outra resposta: só pode ser por causa do título, já que o conteúdo é semelhante às coletâneas anteriores.

No entanto, nenhuma teve uma receptividade tão calorosa quanto Feliz por Nada, um livro que traz textos sobre as triviais situações do cotidiano, e não sobre a “Felicidade” aquela, com maiúscula e traje de gala. Como se explica?

Surgiu uma pista: foi divulgado, semana passada, o resultado de uma pesquisa que revela que o Brasil é o campeão mundial de felicidade. Mundial! As entrevistas devem ter sido feitas numa época do ano diferente da que estamos, pois quem consegue ser tão feliz prestes a entregar a declaração do imposto de renda? Pagamos os tubos para o governo, que gentilmente retribui nos dando uma banana. Os que buscam saúde de qualidade, educação de qualidade e segurança de qualidade têm que pagar por fora.

Os pedágios seguem altos. Tudo é caro: roupa, alimento, remédio, transporte. Aeroportos não dão conta do movimento, criminosos são soltos por falta de espaço nas prisões, o trânsito nas grandes cidades está estrangulado, o tráfico de drogas acontece a céu aberto. Nem precisamos perguntar para onde vão os bilhões que o governo arrecada e que deveriam ser reinvestidos no país. Vão para o mesmo lugar aonde vai nosso voto: para o bolso dos sem-escrúpulos.

Logo, somos realmente felizes por nada. Se não temos a bravura de nos mobilizarmos, ao menos nos sobra capacidade de extrairmos alegria de todo o resto: desde os gols do Neymar até uma receita nova de panqueca. Não deixa de ser um estágio existencial avançado – em vez de um povo frustrado por não ter a casa própria, o vestido de grife ou o iPad recém-lançado, as pessoas curtem a floreira embaixo da sua janela, o café da manhã com o namorado, o último capítulo da novela, o primeiro desenho que o filho fez na escola.

A notícia é boa, mas também é ruim: tudo indica que estamos valorizando as pequenas delicadezas que a rotina oferece com fartura, o que explica não nos importarmos tanto por sermos roubados e por vivermos sitiados dentro de edifícios gradeados.

Faço parte do time que acredita que ficar em casa lendo um livro ou se reunir com amigos para tomar um vinho equivale a uma festa a rigor (na verdade, considero melhor que uma festa a rigor). Individualmente, a simplicidade é uma forma saudável de levar a vida, é o que defendo. Mas quando uma nação inteira se revela satisfeita com merrecas, sem ter o básico garantido, alto lá. Consagrar o Brasil como campeão mundial de felicidade é passar atestado da nossa alienação e do nosso desinteresse pelo futuro. Seria mais decente nos emburrarmos um pouco.